sexta-feira, 20 de setembro de 2024

OS BICHANOS

Fonte: Google

              

OS BICHANOS


Elmar Carvalho                   

 

Dias atrás, a Francisca Maria descobriu três gatinhos, que o dono abandonou, covarde e sorrateiramente, na frente de minha casa. Os meninos do colégio defronte, principalmente as garotas, olhavam os bichanos com simpatia, mas ninguém se dispunha a levá-los para criar. Mas terminaram sendo acolhidos, um a um, através de incentivos recíprocos de colegiais.

 

Isso me fez lembrar a grande quantidade de gatos abandonados, que vagam por entre os túmulos e alamedas do cemitério São José, uma das mais antigas construções de Teresina. Não sei de que sobrevivem os bichanos do campo santo. Por associação de ideias, recordei-me de uma reportagem televisiva, que narrava o episódio de um gato extremamente apegado ao dono; quando este faleceu, o bichano passou a residir em seu mausoléu.

 

Não se sabe como, entre as centenas de sepulturas da imensa necrópole, o animal conseguiu localizar a de seu dono. Entre as hipóteses aventadas, falou-se de que o gato se guiara pelo olfato, através do qual rastreara o cheiro do falecido. De minha parte, não descarto a possibilidade de que esse animal possa ter outros sentidos, que desconhecemos, algo como uma intuição afinada, uma espécie de sintonia fina ou mesmo um sexto ou sétimo sentido. Sempre se falou que gatos são meios misteriosos e que teriam sete vidas.

 

Soube, tempos atrás, que um fato interessante aconteceu no velório de um primo de meu pai, chamado Gonçalo Furtado de Carvalho. Esse parente nascera em Piripiri, mas se radicara em Esperantina, onde se tornara uma pessoa estimada, graças ao seu bom caráter e serviços prestados. Deixou um livro de poemas.

 

Tinha ele um gato, de raça afamada pela beleza. O bichano lhe tinha verdadeira veneração, e era correspondido na mesma intensidade. Quando Gonçalo faleceu, o bichano como que participou do velório. De tardezinha, na hora da saída do cortejo fúnebre, o gato inesperadamente saltou para cima da urna funerária, e começou a beijar com sofreguidão o tórax de Gonçalo, como se estivesse se despedindo. Ou como se pretendesse acordá-lo.

 

Parecia saber que não mais o veria, e quisesse, dessa maneira, externar, da forma mais carinhosa e sentida que podia, a sua homenagem, gratidão e amor. Creio que quem mereceu tão enfática e comovente homenagem de um ser, que muitos chamam de bruto, só pode ter sido um homem verdadeiramente bom.

1º de setembro de 2010

4 comentários:

  1. Os bichanos não fala pra não dar recado mas amam e sentem até quando o seu dono adoece Eu adoro gato.Aqui tenho três o totó e a nina castrados atendem pelo nome o pepeto

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  2. Na minha rua há 13, aparentemente sem dono. Vivem da bondade de uma moradora que, com carinho e atenção, cuida deles, lhes água, comida. Sempre ao cair da tarde, quando ela chega do trabalho, cumpre esta "obrigação" e eles vão dobrevivendo.

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  3. Uma bela crônica ou um conto, estimado poeta e confrade Elmar, não sei identificar, tal a perspicácia social relativa aos bichanos, tal as circunstâncias da vida relatadas com exímios discernimento e eloquência. Na verdade, mais uma poesia maravilhosa. Obrigado, mei Irmão, por compartilhar essa linda mensagem!!!

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  4. Sonho com o dia em que toda a humanidade tenha uma relação mais harmônica com os animais. Eu, particularmente, amo os felinos (e outras espécies). Belo texto, meu amigo.

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