A VELHA E A NOVA CASA
Elmar Carvalho
Após 25 anos morando na mesma
casa, com o mesmo número telefônico, que foi apenas acrescido compulsoriamente
de um três antecedendo o prefixo original, me mudei para nova casa. Posso dizer
que, dentro do que é possível a um ser humano nesta passagem terrena, fui
feliz, a meu modo. Meus dois filhos nasceram nesse período, e, portanto,
passaram a infância e a juventude nessa casa. Tive bons vizinhos, dos quais
tenho boas recordações e nenhuma mágoa. Espero que a recíproca seja verdadeira,
e creio que o seja; pelo menos o Batista Vasconcelos me externou a sua saudade
antecipada, quando soube que estávamos perto da mudança.
Segundo acredito, o ser humano
não é uma obra perfeita e acabada, mas em permanente construção. Somos a
construção, e somos, em parte, nossos próprios construtores. Disse em parte,
porque muitas coisas que nos acontecem e nos influenciam e nos dirigem e movem
não dependem de nós. Os arrogantes e os tolos, não aceitam essa hipótese. Eles
se “acham”, e acham que estão no controle e no comando de tudo, quando, muitas
vezes, um vendaval transforma em pó tudo que eles construíram.
Um minúsculo inseto, ou menos
ainda, uma simples bactéria pode nos destruir ou nos arruinar a saúde. Já pouco
desejo e já não alimento ilusões, a essa altura de minha vida. Quando cheguei a
minha nova casa, disse a minha mulher que não mais me mudarei, a não ser para o
campo santo.
O Didi, um rapaz bom e simples,
que nos ajudava na mudança, e que nos prestava serviços e aos nossos vizinhos
durante todo esse tempo no conjunto habitacional onde morávamos, ou por
brincadeira ou porque a ideia da morte o perturbasse, disse que pensava eu
estar me referindo a uma futura chácara no campo.
O homem vem para esse mundo e
nada traz, como todos sabemos. Deixa esse mundo e nada leva, como também é
evidente, tanto que existe um aforismo que diz não ter bolso a mortalha. Por
isso, já não desejo fazer esforços em acumular bens e coisas, que nos dão muito
trabalho e despesas, na conservação, reforma, revisões e com os locais em que
ficarão, sem falar nos tributos, nas taxas, tarifas e na inveja que, às vezes,
provocam.
De certo modo, tenho inveja do
caracol, que é a sua própria casa, que carrega para onde vai. Não é espaçoso e
nem perdulário, ocupa apenas o espaço de seu próprio corpo gelatinoso e
compacto. Quando morre, seu corpo sem osso, quase etéreo, quase espiritual,
parece evolar-se, deixando a concha limpa e vazia, na qual o mar parece
marulhar e murmurar cantigas inefáveis.
Como disse, me fui construindo na
velha casa, tentando desbastar meus defeitos, e a casa também se foi
construindo, se adaptando a novas necessidades, através de ampliações e
reformas. Nela moraram nossas duas cachorrinhas, que estranharam a mudança. Todavia,
já se adaptaram porque o lar das cadelinhas somos nós, que somos a família
delas. Elas estando conosco estarão bem, estarão felizes, como estão.
Nesses 25 anos fui ampliando
minha biblioteca, que ainda quero conservar por algum tempo, até doar os livros
para umas duas bibliotecas públicas, em que eles possam servir a um número
maior de pessoas. Aos poucos, irei trazê-los para perto de mim novamente, como
hoje trarei mais alguns. Trouxe as recordações, trouxe as saudades, mas
impossível trazer a concretude das paredes, dos quartos, da sala.
Espero que eles sirvam a outras
pessoas, como me serviram. Posso dizer que é uma casa abençoada. Afinal, nunca
sofreu um único assalto. Peço a Deus que abençoe minha nova casa. E os arcanjos
dirão no azul: Amém!
12 de outubro de 2010
Sou desapegado, o termo tá na moda. Mas possuímos o conforto básico. Mudamos sete vezes de morada, desde que nos casamos há 44 anos. Hoje tenho o seu mesmo pensamento: daqui só para o cemitério (cuido de um em José de Freitas). Sobre os livros sugiro fazer um carimbo e presentear várias bibliotecas, notadamente no interior. Abraço grande.
ResponderExcluirA ansiedade de todo dono de casa eu ainda sonho em ampliar a minha com cômodos para hóspede desejo comprar a outra banda da casa comprei só uma banda para sair do aluguel
ResponderExcluirObrigado pelo acesso e comentários. Abraço.
ResponderExcluirBom dia querido mestre! Quando resolver doar seus preciosos livros, destine uma pequena quota à Biblioteca Lira Sertaneja, especialmente exemplares des poesias!
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