sábado, 30 de janeiro de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO

Flagrantes do curso de aperfeiçoamento "O Positivismo Jurídico e a Jurisprudência", vendo-se o prof. dr. Luís Carlos Martins Alves Júnior, juízes (alunos), o des. Edvaldo Moura, prof. Luís Carlos e o des. Sebastião Martins.

30 de janeiro de 2010

Terminou neste sábado, o Curso de Aperfeiçoamento “O Positivismo Jurídico e a Jurisprudência”, ministrado pelo procurador da Fazenda Nacional junto ao Supremo Tribunal Federal Luís Carlos Martins Alves Júnior, que se houve com invulgar competência e conhecimento da matéria, inclusive provocando ampla e calorosa participação dos alunos. Entre outros, fizeram o curso os desembargadores Sebastião Martins, presidente da AMAPI, e Edvaldo Moura, diretor da ESMEPI, bem como os juízes Thiago Brandão, Oton Mário, Nazildes Lobo, Fernando L. Silva Neto, José Ramos, Vidal Freitas, Virgílio Madeira Martins, Moura Mendes, Sérgio Fortes, Jorge Veloso, Pedro Macedo, José Airton, Marcelo Mesquita, Antônio de Oliveira e Lirton Nogueira. Também participou do curso o magistrado Carlos Dias, que vem escrevendo um diário, não sei se secreto, como o de Humberto de Campos, se discreto, como a maçonaria, ou se apenas inédito, esperando o momento oportuno de ser dado à estampa da publicidade. Entreguei ao mestre um exemplar de meu livro Cromos de Campo Maior, em que faço a louvação de nosso pago natal. No encerramento do curso, como homenagem a ele, recitei o meu poema Elegia a Campo Maior, que foi aplaudido pelos colegas magistrados. Saudaram-no os desembargadores Edvaldo Moura e Sebastião Martins e os juízes Oton Mário e José Airton.

O professor, que tem doutorado em Direito Constitucional, é filho de Luís Carlos, irmão maçônico e amigo, sendo ambos naturais de Campo Maior, onde também nasci. Nessa cidade, foi juiz, durante décadas, o doutor Hilson Bona, meu mestre no velho Colégio Estadual, na disciplina Organização Social e Política Brasileira (OSPB). Ilustrava e enriquecia suas aulas contando episódios engraçados ou pitorescos de sua vida, com o que nos atraía ainda mais a atenção. Magistrado íntegro, sem mácula, tinha o respeito de seus jurisdicionados, podendo ser tido como um paradigma da magistratura piauiense. Humilde, pedalava sua velha bicicleta preta pelas ruas da cidade. Segundo se comenta, no tempo das campanhas políticas, pedia o seu afastamento das funções de juiz eleitoral, quando seus parentes eram candidatos, mas os adversários pediam ao Tribunal Regional Eleitoral para que ele fosse mantido no cargo, tão grande era a confiança que tinham em sua imparcialidade. Comentava ele que muitas vezes ia visitar o velho cemitério da cidade, para afastar as tentações da vaidade, certamente para se lembrar de que o homem é pó e que ao pó voltará. Numa época em que nada se costuma recusar, em que o ego e a vaidade imperam de forma abusiva, quando quiseram batizar o fórum com o seu nome honrado, teve que insistir com muita firmeza para que não lhe fosse prestada a homenagem, por sinal mais que merecida e justa.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

A PONTE NA MEMÓRIA


Elmar Carvalho

O vento passavoante
pássaro voante
sob o arco-da-velha
sob o arco da ponte.
Baloiça os pés de oitis,
joga confete com suas folhas
e empurra o casario antigo
com suas: arcadas dóricas
volutas jônicas
ogivas góticas
sacadas exóticas
com suas parábolas e abóbadas.
O vento passalígero passalísio
e empurra o casario antigo
que navega parado
no tempo que navega
como um mar que navegasse
sob um navio ancorado
que se deixasse navegar.
Meu sonho de malas prontas
é passageiro e tripulação
do casario – navio que navega
ao se deixar navegar.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

O BLOG DE ELMAR


Cunha e Silva Filho

Caro Elmar


Seu blog, O Poeta Elmar Carvalho” está caprichado. Nos move à leitura.
Li o pequeno texto “Álcool e Sangue”. À primeira vista, sapequei-lhe uma classificação: é um mini-conto. Explico as razões. O texto possui aqueles elementos básicos de uma narrativa: personagens, espaço, uma mini-trama, tema, além de narração e descrição.
O tema, se quisermos assim defini-lo, seria o da insensatez humana, aqui tipificada no vicio e nos seus males decorrentes. O motivo da desavença através do qual o narrador faz avançar sua história, é fútil: a reclamação da mulher pelo excesso de bebida alcoólica do marido. Apenas um gesto de prudência da mulher. O que para ela era cuidados com o marido, torna-se para este um ato de injúria e de indevida intromissão. Daí, a fúria dele injustificável e covarde. Não fora o irmão dele mais forte e quase um gigante, certamente teria havido uma tragédia em família.
Os personagens não apresentam nomes. Inclusive, o personagem-visita também não tem nome explícito.
O tempo da narrativa somente se indicia através da expressão “No momento”. Nada mais. Por conseguinte, a rigor, só existe o tempo do enunciado, que é, na cena descrita, de duração restrita, matematicamente indefinido.
O narrador se põe de fora como se visse tudo por uma câmera de filmagem, narrador heterodiegético, segundo a classificação narratológica de G. Genette. Na realidade, rigorosamente,só há o tempo da escrita, que comporta um único parágrafo no qual a cena transcorre.
Há outros aspectos dignos de observação e análise: o da linguagem e um outro associado à verossimilhança ficcional.
A linguagem é concisa, com sabor clássico. Haja vista, o emprego do infinito preposicionado, muito frequente na sintaxe lusa, e equivalente ao gerúndio no português do Brasil.
Quanto à verossimilhança, cumpre atentar para alguns detalhes da estrutura interna da micro-história. Vejamos: o “coquetel” preparado pelo marido da infeliz esposa leva ingredientes marinhos misturados com “aguardente”. Ora, aguardente ´é pertinente a um coquetel, mas os demais “ingredientes, não: “búzios”, “ostras”, “hipocampo’, “estrelas do mar". Essa mistura instaura uma atmosfera surreal, não-pertinente ao conceito corrente de um coquetel caseiro.
A minúscula narrativa se desloca, assim, da normalidade da ordem natural das coisas e assume essa dimensão de estranhamento, quer dizer, de provocar a sensibilidade do leitor, de desviá-lo de hábitos de leituras automáticas e superficiais. Esse fenômeno faz parte da construção poética da modernidade. A propósito, o próprio narrador menciona o vocábulo “estranho” ao referir ao coquetel utilizando-se de um oxímoro no sintagma “estranho e belo coquetel". Antes, já havia se utilizado de uma comparação, lembrando que o copo de coquetel semelhava um “aquário”, ou seja, este termo intensifica o campo semântico em torno do coquetel. Estamos em plena alusão ao espaço marinho, ao espaço das coisas líquidas no mini-texto, entrelaçadas e acrescidas de um outro componente líquido: o sangue. Este é da ordem dos seres animados, do homem, da vida.
Álcool e sangue metaforizam o sentido geral do micro-texto: aquele como índice que aponta para a possibilidade de uma tragédia, o segundo a um tempo que prefigura a vida, também serve como indicador da possibilidade de morte. No mini-texto, da morte pela arma branca.
Há que levar em conta ainda um outro fator de reforço estético-semântico deste curtíssimo texto, algumas expressões de natureza hiperbólica que reiteram o exagero da pintura da cena, dos traços dos personagens, os dois irmãos, simbolizando ambos o poder da força, da brutalidade que, no marido, age para o mal e o trágico-cômico e, no irmão que salva a cunhada, age para a prática do bem.
O cenário do mini-conto tem inegáveis características naturalistas. O texto, porém, se vivifica com o sopro da modernidade na medida em que se contamina de referências surreais.

DIÁRIO INCONTÍNUO


28 de janeiro de 2010

Seguindo pela rua Olavo Bilac, vate parnasiano, um dos maiores sonetista da última flor do Lácio, como ele chamou a Língua Portuguesa, em direção ao centro, passei pelo antigo Bar da Encruzilhada, que pertencera ao falecido Mauri Mauá de Queiroz. Esse bar fica numa esquina, quase defronte à esquina do antigo e bem conservado casarão onde reside o professor e ator Paulo de Tarso Libório, que me deu a honra de interpretar o meu poema Sete Cidades no auditório do Tribunal de Justiça do Piauí, na solenidade de lançamento do livro de mesmo título, e de expor, em bela moldura, o meu poema sobre a cidade de José de Freitas, na Fazenda Ininga, tão prenhe de histórias e de lendas, de sua propriedade, que ele tão bem restaurou, transformando-a em verdadeiro museu. Lembrei-me de que estive algumas vezes nesse bar, com o saudoso poeta Jamerson Lemos, em agradáveis e longas conversas, sobretudo a respeito de poetas e poesia. Às vezes, degustávamos uma cuba libre, feita com Ron Montilla, em cujo rótulo há um velho pirata. O poeta era um navegador de longo curso, a desbravar valorosamente os sete mares da poesia. Por causa dessa saudosa lembrança, quero trazer para este diário o que escrevi sob o impacto da notícia de seu precoce falecimento:

Caro poeta Chico Miguel,

Ao abrir ontem o seu importante blog cultural e literário, fui surpreendido com a informação de que o Jamerson Lemos havia falecido. Era um poeta de muito talento, que trazia a poesia à flor da pele e da alma. Durante muito tempo fui seu amigo assíduo. Sempre nos encontrávamos, ocasião em que conversávamos longamente sobre a vida e sobre poesia. Em diversas ocasiões fui a seu sítio do Gameleira, onde tomava banho num riacho, que o cortava, serpenteando entre palmeiras e árvores frondosas, muitas das quais se debruçavam sobre o córrego. Ali havia uma pequenina ilha, que me lembrava as ilhas do Tesouro, da Fantasia e da Utopia. O poeta mergulhava nas frias águas, escarafunchava o fundo do riacho, e de lá voltava com um pequeno búzio, em que talvez ouvisse o murmúrio e o marulho do mar de sua terra natal. Muitas vezes, o poeta, com o seu sotaque pernambucano e o seu gestual de ator e intérprete de seus poemas, recitava-me seus belos versos, com muita emoção e encantamento. Às vezes, eu me "vingava", e revidava com um poema de minha autoria, apenas para variar, porquanto em nada me diminuía ficar como uma ave muda a ouvir o mestre e encantado Uirapuru, de mágico gorjeio. Seus versos eram cantantes, de-lirantes, musicais, cheios de ricos ritmos e de sólido conteúdo. Em algumas oportunidades, o vi e ouvi pedir uma caneta e um guardanapo de papel, e imediatamente escrever um poema, que já nascia perfeito, sem uma mácula, pronto para ser dado à estampa da publicidade. Era escrito num verdadeiro “repente” esferográfico, sem pausas, vacilações ou titubeios. Sua excelente matéria lhe fez justiça. Sentirei saudade desse grande bardo piauiense nascido no Pernambuco de Manuel Bandeira e Carlos Pena Filho. Sentirei saudade, sim, mas sempre poderei reler os seus versos, e ao relê-los, lembrar-me-ei de sua pessoa e de sua voz, a cantar lindas melodias e a recitar os belos poemas que sempre me encantaram.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO

Foto do casal Francisco Miguel de Moura e Mécia, pertencente ao arquivo de F. M. M.

27 de janeiro de 2010

Remexendo em velhos papéis, encontrei o convite que o bardo Francisco Miguel de Moura me havia enviado para as bodas de ouro de seu casamento com dona Mécia. A comemoração estava marcada para o dia 08.12.2009, dia de N. S. da Conceição. Por ser feriado nacional, confirmei-lhe a minha presença, tanto por telefone, como pessoalmente, quando nos encontramos em nossa reunião na Academia. Infelizmente, em virtude da Semana da Conciliação, o Tribunal de Justiça transferiu o feriado para a segunda-feira seguinte, dia 14. De modo que, não podendo comparecer às bodas do casal amigo, que conheço desde o final da década de setenta, resolvi encaminhar-lhe, de minha Comarca, um e-mail, a que dei o título de C@RTA AO POETA CHICO MIGUEL, que para honra minha foi lido na festa. Julgo importante transcrevê-lo como parte integrante deste Diário, que não é contínuo:
Caro poeta Chico Miguel,
Deveres profissionais me impedem de participar de sua festa de Bodas de Ouro, comemorativa de seu feliz meio século de feliz união conjugal, como era meu desejo, para confraternizar com o amigo, dona Mécia, seus filhos e nossos vários amigos comuns. Entretanto, nada me impede de lhe dirigir algumas palavras, que calo no peito há muito tempo, aguardando o momento propício para deixá-las aflorar.
Você é um típico sertanejo, apesar da pele clara e dos olhos azuis. E como bom sertanejo, é antes e acima de tudo um forte, no dizer euclidiano. Nascido em Francisco Santos, então povoado de Jenipapeiro, estudou, mourejou, você que é um Moura, estirpe de boa fama, e venceu. Criou os filhos com dignidade, sobretudo através da boa palavra e do bom exemplo.
Sob sua liderança, reerguemos, nós, um punhado de escritores, a União Brasileira de Escritores do Piauí – UBE-PI. Você promoveu vários eventos em sua profícua administração e legalizou a entidade, para que ela existisse de fato e de direito.
Diria que o amigo é um poeta do coração e da razão, no perfeito equilíbrio dessas duas vertentes. Sem ser um cerebralista, cultiva a inteligência, a criatividade, o labor, a leitura e a lapidação perfeccionista dos seus escritos, desbastando a sua fatura literária dos lugares comuns, das construções insípidas e da mesmice. Mas sem deixar de lado a emoção e a paixão, e os sentimentos desprovidos de pieguice.
Creio seja você o último remanescente dos polígrafos, a esgrimir a prosa e os versos com invulgar habilidade, e tanto na prosa como no verso produzindo diferentes gêneros da arte de escrever. Em textos eminentemente literários tem cometido belos poemas, urdido admiráveis versos, e enfrentado com galhardia e desembaraço o romance e o conto. Na teoria literária, na crítica e na historiografia, escreveu um notável livro de nossa história literária, elaborou percucientes e instigantes ensaios e crítica literária, em que se percebe a sua avantajada cultura humanística e o seu invejável lastro de conhecimento em literatura.
Considero-o, sem nenhum favor, um de nossos mais honestos intelectuais e críticos, porque não faz concessões espúrias, nem tampouco ignora aqueles que realmente têm merecimento, dando a cada um o seu justo valor, entretanto sem achincalhes desnecessários e desumanos e sem alardes laudatórios.
Sem dúvida é o amigo um legítimo escritor e poeta, por devoção e vocação incontrastável. E alimentou essa vocação e devoção através de longas leituras, perquirições e ruminações reflexivas, mediante uma inteligência poderosa, porém cultivada no constante esforço pessoal, de que sou testemunha.
Regeneração, 8 de dezembro de 2009
Elmar Carvalho

ARTE-FATOS ONÍRICOS


ÁLCOOL E SANGUE

O homem, muito grande e muito gordo, obeso mesmo, encontrava-se no barzinho da casa a tomar diferentes tipos de bebida. No momento, empunhava um coquetel, feito com aguardente e diferentes frutos do mar, inclusive búzios, ostras, hipocampos e estrelas do mar. O grande copo de cristal mais parecia um aquário. Ofereceu ao visitante o estranho e belo coquetel. A mulher do homem gordo perguntou se ele já não bebera o bastante. As feições do homem se transformaram imediatamente, num esgar diabólico de ira. Empunhou uma grande faca e marchou em passos trôpegos contra a mulher. No golpe que lhe ia desferir, terminou por se ferir no outro braço. Tomou-se de maior fúria ainda, e novamente ia atacá-la, quando chegou o seu irmão, um homem muito maior e muito mais gordo, um verdadeiro gigante, que, enquanto o espancava com uma chibata, o repreendia com muita severidade, impedindo que mais uma tragédia grega se consumasse. O bêbado se retirou humilhado, com o rabo entre as pernas, e caiu grotesca e ridiculamente sobre uma poltrona da sala.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO



Pombal e apresentação do Grupo Purik, na praça Marechal Deodoro da Fonseca, centro histórico de Teresina, com suas belas músicas andinas.

23 de janeiro de 2010

Na manhã deste sábado, fui às compras, com minha mulher e minha filha, no centro da cidade. Enquanto a Fátima se desincumbia da demorada tarefa, por sua sugestão, fui com a Elmara conhecer o chamado shopping da cidade, onde foram instalados os camelôs que tomavam as ruas, as praças e as calçadas do centro histórico e comercial de Teresina. Devo admitir que foi um grande feito a atual gestão municipal conseguir a solução desse problema, de forma adequada e confortável para os vendedores ambulantes e para as demais pessoas, pedestres, motoristas e clientes. Minha filha aproveitou o ensejo para tirar fotografias dos pombos que ainda existem na Praça Marechal Deodoro da Fonseca, em suas acrobacias e revoadas. Vendo as aves em suas casinholas, lembrei-me do poeta Raimundo Correia, que também foi juiz de Direito. Num de seus magistrais sonetos, o parnasiano disse que na juventude, semelhante às pombas que deixam os pombais, as ilusões nos acompanham em revoada. Só que com esta diferença: as pombas retornam ao seu ninho, mas as ilusões, em nossa velhice, não voltam mais. O vate terminou ganhando o incômodo epíteto de poeta das pombas. Evidentemente, ele detestava tal apelido, e não lhe via a menor graça.

Na praça, perto da estátua do poeta repentista Domingos Fonseca, no gênero um dos maiores do Brasil, se apresentava o Grupo Purik, composto por índios, que se autodenominam “caminantes de los Andes”. Provavelmente, são descendentes dos Incas, que construíram as notáveis pirâmides andinas e formaram avançada e antiga civilização, tanto na agricultura, que era irrigada, como na domesticação de lhamas, alpacas e porquinhos-da-índia, bem assim na construção de prédios, monumentos, aquedutos e estradas, até a sua destruição pelo contágio de doenças européias e pelas tropas de Francisco Pizarro, que foi o El Matador de lá. Não sei se houve algum H. Dobal andino, a vergastar a sanha do conquistador espanhol. O grupo musical era formado por homens e mulheres, que vestiam suas roupas típicas e tocavam instrumentos de sopro e percussão, com o auxílio mecânico de playback. Havia uma bandeja para o recolhimento de contribuição financeira dos ouvintes e eram vendidos cd e dvd. Na capa do dvd que adquiri, estavam estampadas uma matilha de lobos e a imponente cordilheira dos Andes dos condores de Castro Alves, justamente considerado o maior poeta condoreiro do Brasil. Ao ouvir a bela e pitoresca música, com o som de diferentes flautas de Pã, pífanos, maracás e tambores, fui tomado por forte emoção, talvez atávica, como se um chamado selvagem e harmonioso me atraísse para as eternas geleiras dos Andes. Cheguei a sentir um quase calafrio, como se, por entre os sons das flautas e dos tambores, eu ouvisse o uivo enregelante de um lobo a me espreitar na neve.

DIÁRIO INCONTÍNUO




23 de janeiro de 2010

Estive à noite na cidade de Altos, também conhecida como “capital da manga”, mas não degustei nenhuma manga, até porque não está no tempo dessa suculenta fruta. Fui à festa de aniversário de meu colega e amigo José Olindo Gil Barbosa, que também foi amigo de meu saudoso cunhado Zé Henrique, falecido precocemente, vítima de acidente de motocicleta na saída de Altos para Campo Maior. Foi, como se dizia nos tempos da jovem guarda, uma festa de arromba, com música ao vivo, farto e variado cardápio e bebida (etílica ou não) a valer. Entre os vários artistas, de diferentes estilos musicais, estava presente Édel Reis, de muito talento em seu gênero musical, com suas músicas do tipo “dor de cotovelo”, com letras contundentes, para romântico nenhum botar defeito. Entre outros colegas juízes, estavam presentes Carlos Hamilton, Edson Rogério, Sebastião Firmino, Raimundo José Gomes, Reinaldo Magalhães e Antônio Francisco Gil Barbosa, irmão do homenageado e titular da Comarca de Augusto Correia, situada no litoral paraense. Também encontrei os amigos Fátima Castelo Branco, talentosa cantora, Dinavan Fernandes, jornalista e assessor de imprensa do TJ-PI, e o defensor público Roberto Freitas Filho, além de vários outros amigos e familiares do aniversariante. Conversei com o advogado Antônio Carlos da Costa e Silva sobre coisas de José de Freitas, inclusive do tempo em que ali morei, durante um ano, no meu início de adolescência, quando, com o apoio do padre Deusdete Craveiro de Melo e outros meninos, fundei um time, o Santos, e um campo de futebol, na frente do cemitério velho, mais conhecido pelo povo, talvez com certa dose de ironia, como cemitério dos ricos, em virtude das pessoas que lá estão enterradas e também pelos ricos e suntuosos mausoléus. Lembrou-se o causídico de que recebi o título de cidadania daquela bela e bucólica urbe. Disse-lhe que postei na internet um pequeno vídeo sobre essa cidade. Também conversei com o pai do Zé Olindo, o legendário advogado José Gil Barbosa, prefeito de Altos, em três mandatos, e ex-deputado deputado estadual, em pleno vigor, na juventude de seus noventa e dois anos. Foi uma noite agradabilíssima, pela música, pelas iguarias, pela libação e pela conversa com os colegas, recheada de casos anedóticos e piadas. Vida longa, pois, ao amigo e colega Zé Olindo.

DIÁRIO INCONTÍNUO





Na primeira foto, Vicentinho enverga a sanguínea e sanguinária camisa alvirrubra do glorioso Caiçara, time do coração do craque. Na segunda, Vicentinho e Elmar. Na terceira, Zé Francisco Marques, Vicentinho e Elmar. Na quarta, Vicentinho e seu filho Henrique, ambos com o uniforme do Comercial, time pelo qual o craque também jogou.

24 de janeiro de 2010

Fui a Campo Maior visitar meus pais. Aproveitei para ir a casa do Henrique, filho do craque de futebol Vicentinho, para tirar umas fotografias deste atleta, com a finalidade de ilustrar uma crônica que fiz em sua homenagem. Foi ele o maior cobrador de faltas do futebol piauiense, por causa da precisão e força de seus chutes. Inteligente, era um grande armador de jogadas, em razão de seus arremessos certeiros e da boa distribuição em seus lançamentos. Atuou nos arquirrivais Comercial e Caiçara, embora este último seja o time de seu coração, pois foi o que o trouxe do Ceará, e foi neste esquadrão, sanguíneo e sanguinário alvirrubro, que atingiu o ápice de sua glória e performance. Enquanto esperava a vinda de Vicentinho, fiquei numa mercearia vizinha, a conversar com o amigo Zé Francisco Marques e o professor de química Carlos Sousa. Através deste, fiquei sabendo que o craque, em virtude de sua alta qualidade, tinha o privilégio, na época em que jogou no Comercial, de não ter que ir para a “concentração”, que ficava no Horto Florestal, do outro lado da barragem. A casa de Vicentinho ficava perto do Estádio Deusdete Melo. Os jogadores, quando estava perto do início do jogo, atravessavam o paredão da barragem e seguiam pela rua onde o atleta residia até a praça futebolística. Contou-nos o Carlos que, duas horas antes da partida, o craque lhe pedia fosse comprar um copo de pinga no bar e mercearia do senhor Antônio Borges, e tomava duas ou três talagadas da calibrina. Um pouco depois, chegava o time comercialino e Vicentinho engrossava o cortejo em direção ao estádio. Carlos Sousa contou ainda um outro episódio interessante da biografia futebolística do atleta. Certo dia, na preliminar do jogo em que o Tiradentes (PI) jogou contra o Flamengo (RJ), o Comercial venceu o Piauí pelo placar de cinco a dois (5 X 2). O magnífico craque Deca marcou três gols, e Vicentinho, dois, em exímias cobranças de falta, em que a bola passou no chamado L da trave, local onde a coruja costuma dormir, no jargão do futebol. Antes de começar a partida principal, o craque flamenguista Zico, no início de sua carreira, foi pedir lições e explicações ao Vicentinho. Acredita-se que essas dicas preciosas foram importantes na irrepreensível trajetória do grande Zico.

Após a conversa e as fotografias, retornei a casa de meus pais, em companhia do Zé Francisco, para inaugurar o que chamei Recanto da Saudade, em homenagem ao bar de mesmo nome, do saudoso Dom Augusto da Munguba. O Recanto fica no quintal da casa, debaixo de frondosa mangueira, enlaçada por belas parasitas e rodeada por outras plantas de menor porte, algumas ornamentais e outras frutíferas.

POSSE DA NOVA DIRETORIA DA APL



Na primeira foto, flagrante do auditório lotado. Na foto acima, a mesa de honra, vendo-se o desembargador Ribamar Oliveira, representando o TJ-PI, Cineas Santos, presidente da FCMC, Marleide Lins, representante da FUNDAC, desembargador Manfredi Mendes de Cerqueira, presidente da APL, Reginaldo Miranda, novel presidente, e Wellington Soares, coordenador de Comunicação Social do Estado.

Aconteceu ontem, dia 22.01.2010, à noite, a posse da nova diretoria da Academia Piauiense de Letras, tendo como presidente o historiador e advogado Reginaldo Miranda da Silva. O presidente da solenidade, desembargador Manfredi Mendes de Cerqueira, fez uma breve prestação de contas de sua gestação no último biênio e desejou sucesso ao novo gestor do sodalício. Reginaldo Miranda, após fazer a louvação de seus antecessores, em discurso entusiasmado, falou de suas principais metas. Discorreu de forma sucinta sobre sua carreira literária e de historiador, demonstrando ser um cidadão compromissado com as letras e a cultura de nosso estado. Todos os membros da nova diretoria compareceram e tomaram posse. Além de Reginaldo, são membros da atual administração: Raimundo Nonato Monteiro de Santana (vice-presidente), Oton Mário José Lustosa Torres (secretário geral), José Elmar de Mélo Carvalho (1º secretário), Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz (2ª secretária) e Manoel Paulo Nunes (tesoureiro). O vice-presidente e o tesoureiro já foram presidentes da APL, e fizeram profícua e dinâmica administração, com a publicação de vários livros e da revista da APL, além da promoção de vários eventos culturais. O Auditório Wilson de Andrade Brandão estava lotado. Após a solenidade, foi servido um farto e variado coquetel.

DIÁRIO INCONTÍNUO



17 de janeiro de 2010

Do barzinho onde eu tomava umas cervejas, vi o velho boêmio Jurandir em sua casa defronte. Em companhia de um outro boêmio, fui cumprimentá-lo, aproveitando o ensejo para fazer um “discurso relâmpago” em sua homenagem. O velho fauno, até os oitenta anos, bebeu bravamente, e se gabava de ainda abater umas “lebres”, como dizia um colunista federal das fofocas. Após as oitenta primaveras, ficou bastante decrépito, e a saúde já não lhe permitia as libações etílicas, como costumava dizer o popular Pacamão, que serviu de título a um livro do romancista Assis Brasil. Sua filha, parece ter fechado o portão, gradeado como se fora uma gaiola, porque de minha mesa eu observava o Jurandir a voltear no pátio, de um lado para outro, como um pássaro engaiolado ou como um velho leão, já sem juba, sem garras e sem dentes, saudoso de sua liberdade, nostálgico dos tempos em que percorria as savanas da África, como um legítimo Rei dos Animais. Certamente, o velho boêmio estava a recordar os áureos tempo das boas talagadas de calibrina e a época em que desbravava virilmente as curvas de um corpo feminino.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

POSSE DE ELMAR NA ALMP




Na primeira foto,veem-se os acadêmicos Reginaldo Miranda, Emília Paixão (Bizinha), Elmar Carvalho, Virgílio Queiroz, Francisco Almeida (Dr. Tatá) e o engenheiro Pedro Alberto Campos Oliveira. Na segunda, Fátima Carvalho, mulher do novel acadêmico, coloca-lhe o manto acadêmico. Na foto acima, da esquerda para a direita: Neto Leal, presidente da Câmara Municipal de Regeneração, Elmar Carvalho, Francisco Almeida (Dr. Tatá) e Virgílio Queiroz, presidente da Academia de Letras do Médio Parnaíba.

Na solenidade promovida pela Academia de Letras do Médio Parnaíba, ocorrida no dia 5 de dezembro de 2009, o Dr. Tatá fez uma bela palestra de improviso sobre a vida e a obra do poeta Da Costa e Silva, recitando vários poema de cor, o que demonstra ter ele uma memória invejável.
Elmar Carvalho foi recebido por Virgílio Queiroz que lhe fez o elogio acadêmico, e analisou sua obra literária, sobretudo a poética, além de ter falado de sua vinculação afetiva e literária com Amarante e Regeneração.
Elmar Carvalho também falou de improviso, entretanto aproveitou o ensejo para ler sua crônica Recuerdos de Amarante e recitar o seu poema Amarante, em que exalta a bela cidade de Da Costa e Silva.
Compareceram, entre outros,além dos já referidos, os acadêmicos Reginaldo Miranda e Emília Paixão (Bizinha)e o engenheiro Pedro Alberto Campos Oliveira. Plateia seleta e atenta.

ANITA


ANITA

Elmar Carvalho

Parece um floco ambulante de nuvem ou de algodão. É o mimo predileto da casa. Pacote vivo de pura maciez.
Seu caminhar é sinuoso, coleante, elegante. Uma elegância discreta e natural. Caminha como se desfilasse, mas sem se preocupar com os olhares de admiração. Uma verdadeira micro top model, por mais paradoxal que seja a frase.
Quando é vista na rua, desperta olhares embevecidos. Mas, desprovida de vaidade, sequer percebe essa varredura visual.
Até para comer, é toda cheia de graça. Concentra-se no que está fazendo, e os rictos que faz para morder são um ritual de beleza.
Entre vários que havia, veio para nós como uma dádiva. Parece que nos havia sido feita de encomenda, tal a afeição que despertou em nossa família. E ela corresponde na mesma intensidade a esse sentimento. Adotou-nos e foi por nós adotada, passando a ser parte integrante da família.
Durante certo tempo, curtiu uma micose que lhe fez cair o pelo do pescoço. Feria-se ao se coçar. Por essa razão, pusemos um prato adaptado em seu pescoço, para que não se ferisse. Pensaram que Anita estava a lançar moda, porque o artefato realçava a beleza de sua já formosa cabeça.
Certa vez, minha mulher mandou desinsetizar a casa. Anita inquieta e buliçosa e curiosa, pois é muito inteligente, terminou lambendo um pouco do veneno que não fora retirado na lavagem. Ficou muito doente, fraquinha, como se fosse morrer. Eu estava distante, quando soube da notícia pelo telefone. Fiquei muito triste e preocupado. Deus, contudo, lhe devolveu a saúde e o vigor, porque sabia que precisávamos mais dela do que ela de nós.
Mas ela tem as suas manhas e manias. Como uma prima-dona tem os seus chiliques e caprichos. Às vezes, é muito voluntariosa, e só quer as coisas do seu jeito. Nada podemos fazer. Seja feita a sua vontade. Supinamente inteligente e com certa dose de “cascão”, percebe quando vai ser levada para o banho, passando a se esconder nos lugares mais recônditos e inusitados. Não vai, vai arrastada, pode-se dizer. Adora ser coçada na barriga. Quando paramos de coçá-la, com a patinha puxa nossa mão, para que continuemos a operação coça-coça. Da raça toy, faz jus ao nome: é literalmente o nosso brinquedo preferido.
Tem linguagem própria e bem definida, para os seus diferentes caprichos e desejos. Para entrar num quarto, arranha a porta. Para sair, fica postada diante da porta. Se demoramos a abri-la, começa a grunhir, como se pedisse "por favor". Se ainda assim não abrimos, late com o verbo no imperativo, dando uma ordem incontrastável, um verdadeiro ultimatum. Temos que obedecer. Já me considero o seu porteiro número um. Se deseja ir para cima da cama, late de um jeito. Se quer descer, late, digo, pede de outra forma, em outro tom e timbre. Porém, se nos alongamos em atendê-la, o latido torna-se imperioso, estridente e irrecusável.
Como a vida tem os seus contrastes e confrontos, havia em nossa casa uma cadela grande, uma fiel guardiã da residência. Não era mimada como Anita o era. Vivia no quintal. Era brava, sem bravata. Era bela, em sua beleza graúda e forte. Como eu trabalhasse em outra cidade, ela me estranhava, de modo que eu nunca a afaguei e nunca tive o prazer de sua amizade e fidelidade. Esse nobre animal contraiu calazar, pelo que me senti no dever de determinar o seu sacrifício. Também o fiz por desencargo de consciência, temendo o contágio da vizinhança. Não sei se nesse dever e nesse ato de consciência não haveria também certa dose de pusilanimidade e de utilização da lei do menor esforço e trabalho. Soube que, durante certo período, o órgão local encarregado do sacrifício de animais utilizava, por economia e rapidez, o método brutal de aplicação de choque elétrico. Para minimizar o meu remorso, levei-a para uma clínica particular e paguei a sua morte suave, através de drogas. Levaram-na para o local em que ficaria segregada até a “morte misericordiosa”. O veterinário me perguntou se eu gostaria de vê-la pela última vez. Disse que sim. Chegando até o cubículo em que ela se encontrava, vi os seus olhos tristes, os olhos tristonhos de quem se sentia abandonada pelos entes que ela mais amava e que deveriam protegê-la, qual se adivinhasse o que lhe aguardava e como se considerasse aquilo um ato de covardia e ingratidão. Mas, ao me enxergar, olhou-me altivamente, latiu com força, como se me estivesse mandando sair, como se dissesse: Recuso a tua piedade hipócrita e pusilânime. Talvez tenha feito isso por piedade, para que o meu remorso fosse mitigado. Voltei-lhe as costas, e saí cabisbaixo e envergonhado. Eu é que saía com o “rabo entre as pernas”. Senti-me um trapo, ante a nobreza daquela cachorra. Era um bravo, fiel e belo animal. Espero que ela tenha uma alma e esteja no paraíso dos animais. Chamava-se Kika.
Após esse parêntese de homenagem a Kika, retomo a apologia de Anita. Através do amor dessa mimosa cadelinha, passei a gostar dos outros animais e a tentar interagir com eles. Não gostava dos cães vadios, mas, por causa dela, passei a lamentar a sorte desses animais. Passei a mais admirar meu pai, ao vê-lo alimentando as aves que pousam em suas fruteiras e alguns vira-latas abandonados, que ficam a espreitá-lo, com os olhos esperançosos e pidões, do portão de sua casa.
Quando volto de viagem, Anita me vem receber, saltitante, elétrica, balançando o rabinho, em sinal de sua alegria, ou correndo em minha volta, galvanizada em pura vida e em puro regozijo. Quando está no colo de alguém, dá-me as patinhas, querendo o meu conchego.
Muitas vezes, quedo-me a admirar o seu formoso nariz de piche e a sua bela lingüinha de fita escarlate, no contraste artístico com a plumagem clara.
Em suas memórias, Humberto de Campos refere-se a uma mulher do povo, que andava acompanhada de um verdadeiro séqüito de cães, que formavam a sua guarda, como se ela fora uma espécie de Diana. Li que o grande Clóvis Beviláqua tinha amor aos animais, tanto que alguns passarinhos adejavam dentro de sua casa, pousando em seus móveis, talvez em sua biblioteca. Ouvi falar de um homem, que, ao falecer, teve o seu sepultamento acompanhado por um bando de aves, quiçá uma celestial homenagem a alguém que amara os passarinhos. Com Anita, repito, passei a respeitar e estimar as criaturas de Deus. Aliás, em Atos dos Apóstolos, consta que Pedro teve uma visão, em que um grande painel descia dos céus, com “toda sorte de quadrúpedes e bichos rastejantes da terra e aves do céu” estampados nele. Tendo esse apóstolo dito que não comeria os animais aviltados e impuros, foi repreendido por uma voz, para que não mais chamasse de impuros os seres feitos pela mão divina. Todos têm a sua beleza, todos têm a sua serventia e todos amam e querem continuar vivos. Amemo-los e deixemo-los vivos e em paz, para gáudio nosso e glória do Senhor.
Na pequenina Anita, contemplo a imensidão de sua beleza e bravura, aliás, bravura inversamente proporcional ao seu gracioso, porém, minúsculo porte. Relembro a lapidar, literalmente lapidar frase do imenso poeta Lord Byron, referente ao seu inesquecível cão: “Aqui jazem os restos mortais de um ser que possuiu a beleza sem vaidade, a força sem a insolência, o valor sem a ferocidade e todas as virtudes dos homens sem os seus vícios. Aqui estão os restos de um amigo. Eu não conheci mais nenhum, senão este que aqui repousa e dorme o sono eterno.”
Quando o divino Mozart foi sepultado, num dia cinzento, frio, encoberto por espessas névoas, fustigado, em certos momentos, por violenta borrasca de neve, ninguém acompanhou a entrega de seu corpo aos cuidados da mãe terra, salvo o coveiro. Exceto o coveiro, sim, e o seu devotado cãozinho branco, que o acompanhou, como amigo fiel que era, prestando-lhe a sua última e saudosa homenagem. E, talvez, tenha orvalhado o seu túmulo com lágrimas sentidas.
E ao lembrar os cães de Byron e de Mozart, sei que a centelha divina do amor sem jaça, que pulsava neles, também pulsa na alma de minha pequenina e graciosa Anita.

ENIGMA

Elmar Carvalho

entre o som
o sono
o sonho
a sombra e a sobra
eu me decomponho
em escombros
em farpas e agulhas
escarpas e fagulhas
desfeito enfim
em fogos de artifício
feito estrelas de mim
esfinge autoantropofágica que
não se decifrou e que a si
mesma se devorou

AUTOBIOGRAFIA ZODIACAL

Elmar Carvalho

Sou do signo de
Carneiro
mas meu coração é um
Touro indomável.
No meu sangue
corre a fúria de
Leão.
Entre uma Virgem e duas
Gêmeas
meu coração/bala
Balança.
Sou um Câncer
nos chifres de
Capricórnio.
Sou Peixes libertário
sem o cárcere de um
Aquário.
Sou Sagitário
a
r
m
a
arco e flecha
d
o
d
e
( A flecha é uma cauda de Escorpião.)