JONAS FONTENELE
Advogado e professor
Advogado e professor
Trabalhava eu, lá pelos idos de 1989, em uma empresa de transporte público aqui em Brasília, no departamento jurídico, e apesar da seriedade do trabalho desenvolvido por mim e às vezes até mesmo pela aparência mais sóbria, não demorou muito para que os companheiros de trabalho notassem o meu espírito alegre e brincalhão, sempre disposto a brincar até mesmo com coisas mais sérias, e talvez ou por isso mesmo, fui convidado a participar de uma brincadeira com um companheiro nosso apelidado de JACARÉ. Apesar do meu espírito brincalhão, algo internamente me alertou para não participar daquela brincadeira que teve um final inesperado como vocês verão ao final da narrativa.
Jacaré era um trabalhador honesto, muito sério e morava na época na periferia de Brasília, levando uma vida muito sofrida, que ele acreditava um dia acabaria, quando ganhasse na loteria (não me lembro se na época era loto, sena ou outro nome parecido), pois segundo ele, um dia – não seria possível que esse dia não chegasse – os números que ele jogava (que depois foi descoberto, apesar de ele os esconder a sete chaves) equivalentes a data de nascimento dele haveriam de ser sorteados, razão pela qual, toda semana, invariavelmente Jacaré jogava os mesmos números, às vezes era sorteado um número daqueles, outras vezes dois números, o que motivava o mesmo a dizer a todos, está quase a chegar o meu dia, qualquer hora sai os meus números e adeus vida de pobre, era o que sempre dizia, chegava mesmo a fazer planos com sua fortuna imaginária, presenteando um sobrinho com um carro zero, uma casa nova para os pais, uma lancha para si mesmo, e quem sabe, dependendo da bufunfa, até mesmo um aviãozinho para poder ir ao seu querido Piauí, de onde era oriundo e não se esquecia um só minuto, lá de um povoado de Luís Correia, local que para ele era simplesmente o paraíso terrestre.
A empresa em que trabalhávamos era pública, e como tal sofria os dissabores da política local, mudando de presidente sempre que mudava o governador, pois este nomeava pessoa de sua confiança e que o tinha apoiado para a presidência da empresa, não sem ferir vaidades dos que ali trabalhavam e sonhavam alçar ao cargo, e estes preteridos sempre achavam um jeito de boicotar o novo presidente, forçando a sua queda, para quem sabe ser o novo nomeado. Faziam de tudo, escondiam informações vitais, davam informações erradas, colocavam apelidos depreciativos, enfim faziam o que chamamos de jogo sujo, para forçar o sujeito a cair do cargo ou desistir e pedir o chapéu.
Mudou o governador, mudou o presidente da empresa, e como não poderia ser diferente, novas táticas de guerra suja, e não se sabe como, alguém descobriu que o novo presidente, que não era lá de muita brincadeira, tinha um apelido que o deixava furioso, não se sabe bem o por que, pois o apelido nem era assim tão jocoso – PÉ DE VENTO – mas se sabia que quem assim o chamasse cairia na desgraça, e logicamente os contrários à sua indicação cuidaram logo de espalhar a notícia dentro da empresa, e na surdina todos tratavam o presidente somente pelo apelido, sabendo que sua menção na frente do mesmo era passível de demissão por justa causa.
Voltando ao nosso personagem JACARÉ, um dia ele recebe um telegrama da família informando que seu pai havia se internado em Parnaíba com uma doença própria da velhice, achando o Jacaré que deveria ir até lá para fazer uma visita ao seu velho pai, então foi falar com o presidente da empresa, para que esse o liberasse por uns dias, o que lhe foi negado, mesmo o Jacaré tendo argumentado que pagaria com horas extras, ou que descontasse de suas férias vindouras, nada, absolutamente nada sensibilizou o coração do presidente para a liberação de alguns dias para que o Jacaré fosse visitar seu pai. A mágoa ficou encruada no coração do Jacaré.
Um dia, recebo um grupo de companheiros da empresa, só de gozadores, desses que perdem um amigo mas não perdem a chance de fazer uma grande sacanagem, me chamando para participar de uma brincadeira que iriam fazer com Jacaré. Eu, apesar de brincalhão, achei aquela brincadeira pesada demais e não topei, apesar de saber o que ia ser feito: Prêmio acumulado, milhões e milhões para quem acertasse as dezenas naquela semana, sonho de muitos, Jacaré incluso, eles planejavam o seguinte: Toda semana, um dos gozadores era encarregado de ligar para a loteria para saber quais os números sorteados, fato que era feito em voz alta, para que todos da seção pudessem anotar os números sorteados, e dessa vez, ele iria dizer os números que eram jogados sistematicamente pelo Jacaré, que ele achava que ninguém sabia, mas a turma já havia decifrado o enigma.
Chega o tão esperado dia, ressalte-se que isto se seu uma semana após o presidente ter negado a licença ao Jacaré ir a Parnaíba, sorteio realizado as 15:00 da quinta-feira, ligação feita às 15:05 da seção para a loteria – lembre-se na época não tinha nem celular e nem internet – Zé Filho então “canta”os números que teriam sido sorteados, números esses que iriam deixar arquimilionário quem os acertasse, e “canta” os números falsos, que eram aqueles jogados pelo Jacaré. Os que sabiam da mutreta, eu era um deles, ficaram só observando disfarçadamente a reação do Jacaré, que após conferir por umas três vezes os números mágicos, se levantou sem nada dizer, abriu a porta, e pra azar do destino, no mesmo momento em que o presidente ia passando, Jacaré então não se conteve e a plenos pulmões berrou : PÉ DE VENTO FILHO DA PUTA, ENFIA ESSA EMPRESA NO C*, EU AGORA SOU MILIONÁRIO E VOU PRA PARNAIBA É NO MEU AVIÃO. O desfecho dessa história? Ora, essa eu deixo para sua imaginação.
Caro Elmar, quando escrevi essa pequena crônica, que é espelho da realidade não pensei em publicá-la, mas seu coração generoso, o fez. Obrigado. Pra vc posso dizer o final. Jacaré foi suspenso por 09 dias, e os gozadores 3 dias. Isso pque foram até o presidente, assumiram a culpa e rogaram até por santos inexistente que o Presidente não demitisse o Jacaré. Espero que o Jacaré tenha assimilado a lição. Abs Jonas Fontenele
ResponderExcluirCaro Jonas,
ResponderExcluirDiante do perfil de carrasco que você traçou do chefe Pé de Vento, eu imaginei que o nosso pobre Jacaré seria abatido ou com uma "papo amarelo" dos velhos caçadores ou com uma demissão. Mas torci para que o chefe tivesse uma "crise" humanitária e não fosse tão severo com anfíbio, que afinal fora vítima de uma brincadeira engraçada, mas, convenhamos, de gosto duvidoso.Consideradas as circunstâncias, até que podemos afirmar que a história teve um final infeliz, ou pelo menos não tão infeliz, como era de se prever.
Diante do desfecho da história envolvendo o nosso pobre jacaré, só resta lembrar a estória do sapo e também idêntico jacaré(mamífero rastejante) em cujo final trágico do episódio o sapo fala bicudo: "coitado do jacaré, coitado do jacaré!"
ResponderExcluiraté mais.
De qualquer sorte, acho que o Jacaré deveria ter aproveitado os nove dias de suspensão para fazer a sua tão sonhada e desejada viagem ao litoral piauiense, até para esquecer o vendaval provocado pelo Pé de Vento.
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