M. Paulo Nunes
Foi com
muita tranquilidade, que realizamos recentemente um voo direto de S.
Paulo a Teresina, após mais uma visita das que periodicamente
fazemos àquela cidade para realizar exames de saúde, com a mais
absoluta segurança. Faltou-nos, entretanto, uma coisa importante
para manter o bom humor e o equilíbrio na viagem, ou seja, comida a
bordo. Não, é claro, com a fartura de antigamente, quando viajar de
avião era uma festa ou uma farra, e hoje constitui “o mais triste
dos prazeres”, como diria a fabulosa Madame de Stäel, quando
viajava para o exílio, para cumprir um edito de Napoleão Bonaparte,
de quem era desafeta.
Mas, embora faminto, tive, no meu caso,
outra compensação, a companhia do velho Braga, na certidão de
nascimento, Rubem Braga, a que os seus leitores poderiam acrescentar
o cognome de nosso cronista-mor. Alguns o consideram do mesmo nível
de Machado de Assis, o que constitui um exagero, dada a
universalidade do “bruxo do Cosme Velho.” Mas esta é outra
história.
O que posso acrescentar é que os dois diferem
fundamentalmente na temática. Ambos cronistas da cidade e, no caso,
da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, o autor de Dom
Casmurro é o cronista, e também contista e romancista, da classe
média urbana, enquanto que o velho Braga, seguindo a lição do
Modernismo, que ora completa 90 anos, introduziu o povo na criação
literária, como ocorreria com os demais representantes dessa
corrente em nossas letras, a exemplo do romance de 30 ou de
documentação sociológica da vida brasileira, de que destacaríamos,
“a vol d’oiseau”, José Américo de Almeida, Graciliano Ramos,
José Lins do Rego, Jorge Amado e Rachel de Queiroz.
O livro
de que me utilizei para este passeio ou por esta volta ao passado, em
companhia do velho Braga, foi 200 Crônicas Escolhidas (Seleção
Saraiva – Edição Best – Rio de Janeiro, 2011). Aí são
recolhidas as melhores crônicas de todos os seus livros, em ordem
cronológica de publicação, quais sejam: O Conde e o Passarinho,
Morro do Isolamento, Com a FEB na Itália, Um Pé de Milho, O Homem
Rouco, A Borboleta Amarela, A Cidade e a Roça, Ai de Ti,
Copacabana!, A Traição das Elegantes.
Não pratiquemos uma
desatenção com os demais oficiantes do mesmo credo, como Joel
Silveira, Fernando Sabino, Otto Lara Rezende e outros monstros
sagrados. Mas, depois de João do Rio, pseudônimo literário de
Paulo Barreto, o cronista-mor da “belle époque”, autor daquela
admirável farsa vicentina O Homem da Cabeça de Papelão, ninguém,
como o velho Braga, marcou tão fundamente a sua época. Façamos
assim o mesmo voo.
Fonte: site da APL
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