sábado, 2 de junho de 2012

Assis Brasil e a arte do encantamento



Dílson Lages Monteiro

Em 1995, governava o Piauí uma figura ao mesmo tempo caricata e carismática, de apelido inusitado – apelido que fora, talvez,  um dos elementos  para a ascensão a postos de destaque na política. Seu nome ainda permanece na memória coletiva, como sinônimo de muitos significados. E até de encantamento. “Ué, esse bicho é até poeta”, conforme disse um dia o eleitor embriagado,  em praça pública, diante das alusões às sagradas escrituras e do bordão laudatório: “Cá ajuda de Deus e seu voto, eu sou o próximo Governador do Piauí”. E, em 1995, era. E encantava principalmente os desfavorecidos.
 
Foi naquele ano que se ilumina em minha lembrança... Naquele ano, Assis Brasil, depois de longas décadas, regressava ao  seu estado natal. Veio receber a Medalha do Mérito Conselheiro José Antônio Saraiva, proferir conferências, lançar livros e revisitar as raízes, sem talvez imaginar o quanto era venerado aqui. O quanto sua obra significa para os milhares de leitores que o transformaram numa espécie de símbolo de uma era e de uma gente. As paredes da Casa da Cultura, no centro de Teresina, espremidas, aplaudiram vibrantemente o escritor, confirmando o reconhecimento do homem de letras que mais orgulho traz às mais diversas gerações de piauienses.
 
Mão Santa, o caricato e carismático, nascido na mesma cidade de Assis esteve na solenidade, comprimindo-se entre populares, como Assis, e quem queria receber um volume da Antologia de Poetas Piauienses do Século XX. Com muito suor, saí de lá com meu exemplar. Gostaria de tê-lo comprado, apesar dos parcos recursos de professor iniciante – acredito no trabalho remunerado – mas era grátis e lutei pelo meu. Até figura folclórica de minha cidade natal,  inseparável companheiro de um bom copo de espumante, sujeito que imagino nunca leu a linha de um verso,  orgulhava-se de exibir ali o exemplar conquistado a empurrões. Dali a alguns minutos, certamente o esforço de Assis em forma de livro se converteria  em uma dose de pinga ou em uma “cu de jia”, como chamam em Barras do Piauí  uma cerveja gelada.
 
Ouvira na universidade atentamente a voz inequívoca de um intelectual , voz imensamente maior do que sua feição franzina. Eu já ouvira o escritor; ainda assim, fui  à antiga Casa do Barão de Gurgueia, movido pelo encantamento de obras como A Filha do Meio Quilo. Ouvi-o comentando as influências literárias, as motivações de sua criação, os caminhos da crítica literária. Um escritor de teoria e prática. Consciente de sua função como literato.
Eu  revivia  as leituras de obras como Os que bebem como os cães, Beira rio, beira vida, Os crocodilos, mas principalmente a de um livrinho infanto-juvenil, então recentemente rabiscado e rabiscado - Mensagem às estrelas. Em todos essas leituras,  o encantamento se justificava pela seguinte razão: Assis funde em seu fazer literário a inventividade  ao interesse em valorizar, como temática, a  dimensão humana dos personagens.
 
Falando hoje a alunos de escola de Teresina, onde fui convidado a dar longo  depoimento sobre a obra infanto-juvenil de  Assis Brasil, mais particularmente sobre os livros que editei em parceria com Leonardo Dias, proprietário das livrarias Nova Aliança e Entrelivros, comentei sobre o que encanta em livros como Gavião Vaqueiro – o bom ladrão da floresta e O menino que vendeu sua imagem.
 
Vejo uma aproximação entre a técnica que utiliza na literatura para adultos e na  literatura para crianças. A antecipação de cenas e a narrativa cíclica, características de livros como Beira rio, beira vida, também  estão  presentes, guardadas as devidas proporções,  em livros de sua coleção para os pequenos, assim também como o olhar de ternura e humanidade para personagens em situações  adversas. Nesse quesito, Assis revela forte influência da ideologia cristã – expressa por analogias até mesmo em objetos como  espelhos, aquários e  punhais, por exemplo. O assunto vale artigo acadêmico, se é que já não foi construído.
 
Saí empolgado do diálogo com a meninada. Alegrou-me, sobretudo, a vibração perceptiva da garotada.  No fundo, também a minha convicção diante das leituras – a meninada convicta de que, em Assis Brasil, nossa missão aqui é servir; valorizar o que há de humano e verdadeiro na vida e em tudo que a ela fornece sentido e encanta.

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