Dílson
Lages Monteiro
Em
1995, governava o Piauí uma figura ao mesmo tempo caricata e
carismática, de apelido inusitado – apelido que fora, talvez, um
dos elementos para a ascensão a postos de destaque na
política. Seu nome ainda permanece na memória coletiva, como
sinônimo de muitos significados. E até de encantamento. “Ué,
esse bicho é até poeta”, conforme disse um dia o eleitor
embriagado, em praça pública, diante das alusões às
sagradas escrituras e do bordão laudatório: “Cá ajuda de Deus e
seu voto, eu sou o próximo Governador do Piauí”. E, em 1995, era.
E encantava principalmente os desfavorecidos.
Foi
naquele ano que se ilumina em minha lembrança... Naquele ano, Assis
Brasil, depois de longas décadas, regressava ao seu estado
natal. Veio receber a Medalha do Mérito Conselheiro
José Antônio Saraiva, proferir
conferências, lançar livros e revisitar as raízes, sem talvez
imaginar o quanto era venerado aqui. O quanto sua obra significa para
os milhares de leitores que o transformaram numa espécie de símbolo
de uma era e de uma gente. As paredes da Casa da Cultura, no centro
de Teresina, espremidas, aplaudiram vibrantemente o escritor,
confirmando o reconhecimento do homem de letras que mais orgulho traz
às mais diversas gerações de piauienses.
Mão
Santa, o caricato e carismático, nascido na mesma cidade de Assis
esteve na solenidade, comprimindo-se entre populares, como Assis, e
quem queria receber um volume da Antologia de Poetas Piauienses do
Século XX. Com muito suor, saí de lá com meu exemplar. Gostaria de
tê-lo comprado, apesar dos parcos recursos de professor iniciante –
acredito no trabalho remunerado – mas era grátis e lutei pelo meu.
Até figura folclórica de minha cidade natal, inseparável
companheiro de um bom copo de espumante, sujeito que imagino nunca
leu a linha de um verso, orgulhava-se de exibir ali o exemplar
conquistado a empurrões. Dali a alguns minutos, certamente o esforço
de Assis em forma de livro se converteria em uma dose de pinga
ou em uma “cu de jia”, como chamam em Barras do Piauí uma
cerveja gelada.
Ouvira
na universidade atentamente a voz inequívoca de um intelectual , voz
imensamente maior do que sua feição franzina. Eu já ouvira o
escritor; ainda assim, fui à antiga Casa do Barão de
Gurgueia, movido pelo encantamento de obras como A Filha do Meio
Quilo. Ouvi-o comentando as influências literárias, as motivações
de sua criação, os caminhos da crítica literária. Um escritor de
teoria e prática. Consciente de sua função como literato.
Eu
revivia as leituras de obras como Os que bebem como os
cães, Beira rio, beira vida, Os crocodilos, mas principalmente a de
um livrinho infanto-juvenil, então recentemente rabiscado e
rabiscado - Mensagem às estrelas. Em todos essas leituras, o
encantamento se justificava pela seguinte razão: Assis funde em seu
fazer literário a inventividade ao interesse em valorizar,
como temática, a dimensão humana dos personagens.
Falando
hoje a alunos de escola de Teresina, onde fui convidado a dar longo
depoimento sobre a obra infanto-juvenil de Assis Brasil,
mais particularmente sobre os livros que editei em parceria com
Leonardo Dias, proprietário das livrarias Nova Aliança e
Entrelivros, comentei sobre o que encanta em livros como Gavião
Vaqueiro – o bom ladrão da floresta e O menino que vendeu sua
imagem.
Vejo
uma aproximação entre a técnica que utiliza na literatura para
adultos e na literatura para crianças. A antecipação de
cenas e a narrativa cíclica, características de livros como Beira
rio, beira vida, também estão presentes, guardadas as
devidas proporções, em livros de sua coleção para os
pequenos, assim também como o olhar de ternura e humanidade para
personagens em situações adversas. Nesse quesito, Assis
revela forte influência da ideologia cristã – expressa por
analogias até mesmo em objetos como espelhos, aquários e
punhais, por exemplo. O assunto vale artigo acadêmico, se é que já
não foi construído.
Saí
empolgado do diálogo com a meninada. Alegrou-me, sobretudo, a
vibração perceptiva da garotada. No fundo, também a minha
convicção diante das leituras – a meninada convicta de que, em
Assis Brasil, nossa missão aqui é servir; valorizar o que há de
humano e verdadeiro na vida e em tudo que a ela fornece sentido e
encanta.
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