terça-feira, 28 de maio de 2013

Praticando a escrita na Internet


Cunha e Silva Filho

Há algum tempo já se falou que nossos alunos não escreviam redações porque não tinham suficiente prática de expor-se pela palavra escrita. Mesmo alguns professores – e me refiro principalmente aos de língua portuguesa - pouco ou nada escreviam a não ser para algumas finalidades básicas da vida cotidiana. Os professores desta disciplina, sobretudo os do ensino fundamental ou médio, o que mais desenvolviam em atividade envolvendo   a habilidade da escrita,  quando o  faziam na verdade,  era ler e corrigir  redações de seus alunos, i.e., eram profissionais que corrigiam aquilo que, na prática, eles próprios não faziam. Alguns deles me confessavam que    não tinham  talento  para escrever, até mesmo do ponto de vista teórico!
É possível corrigir bem uma redação sem que o que corrige domine bem a habilidade escrita? Não há aí uma certa contradictio in teminis? Como exigir do aluno uma boa redação se o próprio educador não a tem no exercício de ensinar a língua portuguesa e, no caso específico, de ensinar redação?

Corrigir redação não se cinge a reconhecer os erros de gramática do aluno, mas sim avaliar a capacidade de desenvolvimento do pensamento crítico do discente ao se lhe propor um tema para expor com originalidade e discernimento.

É óbvio que o professor de língua portuguesa,com seu tirocínio, a sua experiência de leitor observará que um texto escrito não se limita a construções da língua normativa, mas a elementos essenciais que estão implicados na construção de um texto: a capacidade de criatividade, o horizonte cultural do aluno, a coerência textual, a coesão, um bom ou ótimo domínio da articulação das ideias com a habilidade de a elas dar uma forma  determinada.

Na realidade, há muitos professores que leem bem, mas escrevem mal, o que me leva a supor que existe alguma tendência ou vocação para escrever bem, não obstante haja  linguistas que não veem a questão sob este ângulo especulativo ou teórico. Eles, os linguistas (principalmente),  possivlemente alguns   gramáticos, e filólogos (estes últimos, infelizmene,  não estão mais em moda nos estudos de linguagem, sobretudo com a chegada da linguística, ciência da linguagem que se constituiu no final do século 19), negam  essa tndência inata para  escrever  bem. Alegam que, se bem  orientados e se bem  expostos  à prática da língua escrita,  será possível  alguém  melhorar  sua  capacidade  de  escrever
 Tudo dependeeria de uma  efetiva e fucional  forma de  ensino de redação,  mostrando ao discente  como  funciona  internamente o mecanismo  da estruturação   de um texto, através de estratégias linguísticas  aplicadas  que  proporcionem ao estudante   o que  tanto os linguístas   gostam  de  frisar  : a consciência  metalinguística  que os alunos devem ter  na elaboração  de  qualquer texto,  mesmo  que sejam  textos não-literários.
Meu pai, que foi um jornalista muito produtivo, costumava afirmar, citando provavelmente o velho gramático paulista Eduardo Carlos Pereira, que “Só se aprende a escrever, escrevendo.” Ou seja, é no batente do exercício da redação que se vai aprendendo e aperfeiçoando  a composição escrita. Eu diria, acrescentando, que esse aprendizado deve pressupor um background cultural do aprendiz, quer dizer, o aluno vai melhorando sua capacidade escrita com um combustível essencial: a constância da leitura de bons autores em língua portuguesa: ficcionistas, poetas, contistas, dramaturgos, em suma, de autores que saibam lidar com a habilidade  da  escrita, ainda que não só necessariamente escritores, ficcionistas ou poetas, mas historiadores, filósofos, matemáticos, físicos etc, ensaístas não apenas do âmbito literário estritamente falando, mas também do campo científico. O ato de escrever bem e com elegância e respeitando a variabilidade de natureza do texto pode ser executado por toda pessoa que tenha  adquirido a habilidade da escrita. Quem deseja aperfeiçoar a sua maneira de escrever também passa pela prática constante de ler bons jornais e revistas de alto nível no uso da competência linguística. O grande crítico Antonio Candido, certa vez, recomendou a leitura, diária se possível, de jornais para quem desejasse nutrir-se culturalmente e ao mesmo tempo aprimorar sua capacidade de escrita.

No domínio da Internet, tenho verificado que, ao contrário do que algumas pessoas andaram prognosticando ou apregoando, os seus usuários, sobretudo utilizando-se do Facebook e do e-mail, têm dado provas evidentes de exercitar a complexa atividade da escrita. Por um razão bem simples: quando o usuário da Internet recebe um e-mail, por exemplo, e vai  dar-lhe resposta,  estará empregando todo o seu esforço intelectivo  para  dar uma resposta bem clara e, quanto possível, bem organizada, e é aí que passa a desempenhar seu papel de autor de um texto que, tanto melhor será expresso quanto maior for seu repertório informativo-cultural. É lógico que não me atenho aqui àquele usuário amante e devoto das linguagens cifradas ( porém claríssimas para a faixa de jovens, principalmente no que concerne a abreviaturas, relaxamento da construção sintática e desprezo pela forma normativa de escrever).

Nesta situação pode-se falar de mau uso da comunicação escrita via Internet. No entanto, se o jovem ou o adulto precisam se exprimir por essa forma virtual, nada melhor do que aprimorar o domínio do texto escrito ao enviar e-mail ou ao escrever suas mensagens no Facebook., espaço virtual que, por sinal, tornou-se uma espécie de fórum em escala global para a expressão da troca de informações entre as pessoas e oportuna maneira de, sem que se perceba o fato,  atuar dinamicamente no processo da escrita, porquanto aquele espaço virtual muitas vezes tem virado verdadeira coluna de jornal com a finalidade de transmitir opiniões,  informação, tornando-se, assim,    locus propício para diálogos entre interlocutores em diversas áreas e riqueza de variabilidade de temas. Sem sombra de dúvida, têm sido agora esses espaços virtuais grandes estimuladores de melhoria de qualidade da escrita e de fonte contínua de ensejo para leituras e reflexões entre as pessoas.Ou, por outro lado, a  constância de fazer uso da escrita, por si só, se torna um inestimável espaço. Louvável se fez esse canal de comunicação escrita que só tem aumentado a possibilidade de transmitir ideias e pensamentos na prática da escrita, a grande vencedora em termos de melhoria de qualidade na práxis de provocar e de habituar seu usuário a redigir textos. Essa foi sua grande vitória  no campo virtual.

Reconheço, ademais, que a prática da redação foi grandemente melhorada com o avanço e desenvolvimento de campos de investigação da linguagem e entendimento de textos, como a análise do discurso, a  linguística textual. Novos aspectos do estudo da linguagem foram surgindo e se tornando  decisivos para a melhoria    de técnicas de redação. Só para ficar em alguns  exemplos, mencionaria  o estudo da constituição do parágrafo, a identificação do chamado tópico-frasal, a classificação de tipos diversos de parágrafos, o estudos dos conectores e de sua gama de sentidos, os quais  contribuíram sobejamente para o incremento do ato de redigir não só para fins de comunicação literária e não-literária, mas também para tornar os estudantes muito mais metalinguisticamente conscientes do “como” e do “por quê” no uso adequado de todos os elementos gramaticais e semânticos na estruturação adequada e na eficácia de um parágrafo e do todo de um texto. Grande conquista essa dos modernos estudos de língua e da linguagem! No exemplo acima, não cabe esquecer o grande contributo que deu para o ensino de redação no Brasil o professor e ensaísta Othon M.Garcia com o seu clássico livro Comunicação em prosamoderna ( Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1967). há poucos anos ainda muito recomendado a alunos de jornalismo. A originalidade do estudo aprofundado do parágrafo não foi dele, ele a trouxe dos americanos e, no país, teve uma fortuna crítica admirável avançando, desta maneira, os estudos de linguagem escrita e, portanto, de redação entre nós.


Lembro-me muito bem de um professor, que nem mesmo era formado em língua portuguesa, mas exercia a  função de professor desta disciplina num cursinho pré-vestibular. No Piauí, adolescente, já havia publicado diversos artigos em jornais, mas, apesar de tudo isso, ao redigir um texto sobre um tema proposto por aquele professor, a primeira coisa para qual me chamou a atenção foi, na folha escrita à  mão, a minha ausência de “dar margem aos parágrafos. Ora, nos jornais que publicava os meus artigos em Teresina esta minha “ausência” era corrigida na própria redação do periódico. Escritores antigos não tinham nenhuma noção linguísticamente orientada da importância de um parágrafo bem estruturado. Eles conseguiam formular seus enunciados graças ao talento, à observação meticulosa dos exemplos dos melhores autores, mas lhes faltava ainda a consciência metalinguística para estas noções da escrita.

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