Cunha
e Silva Filho
Em
entrevista recente (seção Mundo, Folha de São Paulo,
19/05/2013), ao New York Time, o famigerado ditador sírio,
Bashar-al-Assad, demonstra, mais uma vez, sua contumaz
impassibilidade diante da tragédia que se abate sobre o seu país,
não se importando com as milhares de mortes causadas sobretudo pelas
armas pesadas de seu poderoso exército, e sabendo por experiência
de usuário da sua língua do que é possível fazer para
retoricamente afirmar o que lhe é conveniente a fim de dar uma
aparência de verdade às suas mistificações dos fatos e da real
situação vivida pela Síria.
Suas
resposta às indagações do repórter são calculadas, bem
fundamentadas nas suas invencionices de cinismos ditatoriais chegando
ao acúmulo de chamar os rebeldes contra a ditadura de “terroristas”,
infiltrados de outros “ inimigos” que agrupados estão lutando
para derrubar um governo eleito pelo povo! Ora, sabemos que a
história política da Síria, a partir de seu pai, Hafez
al-Assad, não é mais do que o continuísmo de uma oligarquia
que se apoderou do poder na Síria pelo Partido
Socialista(sic!) Árabe Ba’ath para ali se perpetuar e se
beneficiar das delícias do poder sem limites. Riqueza, fausto,
viagens aos países civilizados, ai se incluindo sua esposa de
cidadania inglesa e origem síria, é o que no centro do
poder ditatorial não faltam, tendo tudo isso um corolário formado
de um rastro de barbárie e de derramamento de sangue sem precedente
no país.
Se
autodefinindo, a esta altura da carnificina, como o “capitão do
navio,” para a reportagem declara que não arredará pé enquanto
poder de fogo tenha para repelir os “terroristas” Negando ser um
historiador para ter visão mais apurada dos grandes desastres
humanos da História, como foi o Holocausto, ele próprio se perde na
sua argumentação quando diz que fatos narrados pela história “...
dependem” de quem os escreve e “.. a história às vezes pode ser
falsificada.” O que, em síntese, quer significar é sua recusa em
não reconhecer como um acontecimento verdadeiro o Holocausto. Ao
trazer à baila um outro episódio lamentável, que foi o ataque das
forças aliadas contra o Iraque, que, para mim foi um ato de natureza
genocida de governos ocidentais, sobretudo da responsabilidade de
presidente George W. Bush filho, o ditador desloca o centro de seu
desgoverno e da sua tirania para aparentar um senso de justiça que
na verdade não possui.
Ajudado
pelos governos da Rússia e do Irã, e tendo apoio da China, o
ditador sírio emprega sua retórica de governo coitadinho a fim de
captar a simpatia da comunidade internacional que, no geral, repudia
as ignomínias, as atrocidades,, até possível uso de armas químicas
contra a oposição que resiste, firme, aos bombardeios ordenados
pelo ditador sem levar em conta que não somente está ceifando
milhares de inocentes sírios, aí incluindo crianças, jovens,,
adultos e velhos, além de estar destroçando a infraestrutura do
país . A Síria, hoje, é uma terra arrasada pela determinação de
um autocrata que, por cima de tudo, ainda se define como “capitão
de navio”. Só se for de um navio de tripulantes sanguinários
levando a pique os inocentes passageiros, um “capitão” sem leme
nem destino certo, um criminoso prestes a ser destronado pelo
heroísmo resistente da oposição que não lhe dá trégua e que o
fará decerto desistir do posto.
Parte
de seu exército já o abandonou, dezenas de sírios saíram do país
e foram para a Turquia ou outras paragens como refugiados. A Síria é
uma terá solitária, isolada, abandonada. Por isso, neste artigo não
quero fazer nenhuma referência a organismos internacionais que se
proclamam asseguradores da pax universalis. Estou
cansado do jogo de palavras e de afirmações de cunho apenas
diplomático.
Até
que ponto um a ditadura é capaz de provocar ações reprováveis,
como a daquele rebelde do Exército Sírio Livre, de nome Abu Sakkar,
que, canibalizou o pulmão de um militar de Bashar al-Assad, cena que
apareceu em vídeo na internet há poucos dias. O rebelde da
Província de Homs asseverou que não se recusaria a ser julgado pelo
ato praticado, mas o fez levado pela indignação dos crimes do
ditador sírio contra mulheres e crianças. Abu, desesperado,
confessa que, enquanto os crimes da ditador continuarem sendo
cometidos, “... cada sírio vai se tornar um Abu Sakkar” Ele
mesmo pôs na internet o vídeo e é importante frisar que ele
comandava, na condição de rebelde, a Província de Homs.
Fico
imaginando como cidadãos da mesma pátria, falando língua comum,
vivenciando experiências iguais ou diferentes, sendo todos, cada
qual a seu modo, sujeitos da formação social e histórica de seu
país podem se tornar tão hostis e indiferentes entre si,
posicionando-se uns a favor da barbárie e outros a favor da
liberdade e de melhores condições de vida. Se alguns afagam e
apoiam os tiranos, outros são por este trucidados. A pátria, pois,
se forma não só da união de irmãos mas das repudiáveis
diferenças de ideias, de interesses, de ambições e, acima de tudo,
de individualismos que teimam em se aliar, vendendo a alma aos deuses
de barro para manterem-se em suas riquezas, privilégios e egoísmos.
Os outros, os que estão fora do poder feito da violência política
e armada, da submissão imposta a ferro e fogo, esses são os
chamados “rebeldes”, “terroristas”, “inimigos do governo.”
Essa
é a retórica do lobo travestido em cordeiro. Ela se mostra em toda
a parte, mesmo em países que se dizem democráticos. Neste ponto, se
põe a ideia de definirmos o que seja o conceito de concidadão, de
compatriota, de nacional, de nação, de pátria. Onde estaria
situado o elemento agregador e solidário quantos aos valores morais,
de compreensão, de amizade, de união? O que unificaria os homens de
um país a fim de que fossem levados ao pleno conceito de cidadãos
irmanados, com suas diferenças sociais, culturais mas sem nunca
alcançar o limite perigoso da hostilidade que leva a guerras civis,
último estágio do radicalismo que explode nas tiranias e nas
ditaduras em qualquer parte onde faleçam os valores espirituais do
entendimento do ser para outro ser, de carne e osso, não de
abstração e distanciamentos com pruridos de comiseração hipócrita
de quem está bem confortavelmente refestelado em poltronas do
elitismo cultural e meramente acadêmico?
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