segunda-feira, 3 de junho de 2013

Teresina, sujismundos


Fonseca Neto

Quem suja a cidade? Seus moradores. Motivo? Compulsão ainda não refreada pelos deveres do viver coletivo.

Não é de hoje que as cidades buscam ordenar tal questão, muito agravada com o adensamento do fenômeno urbano dos últimos séculos. 

Ilustremos com esta notícia multimilenar: Roma, cabeça de Império, definia, já, políticas para manejar o lixo produzido em sua cotidianidade. Menciona-se a “cloaca” romana e os lugares “baldios” do destino de suas efluências. “Cloaca” é uma derivação de verbo grego; purgo. Lembra-nos R. Bluteau (1712) que cloaca, “antigamente, em Roma, era o grande, e público receptáculo das imundícias da Cidade, o qual dividido em três canos, as descarregava no Rio Tybre, perto da ponte dos Senadores”. Acrescenta o grande lexicógrafo: “Tarquínio Prisco (morto em 579, a.C), foi o inventor dessa obra, com tão curiosa arquitetura, que para a executar foi preciso abrir montes [e] pelo espaço de setecentos anos não recebeu dano algum da continuação daqueles fétidos enxurros”. E faz esta oportuna observação: “Não servia de coisa alguma fazerem na dita Cidade semelhantes Cloacas” – “cano de limpeza”, no dizer do pai da Arquitetura ocidental, Marcus Vitruvius, no século I, a.n.e.

A citação é para realçar o exemplo muito antigo que envolve o lixo como desafio às administrações públicas das cidades e também assinalar a ironia na comparação da Roma tarquínia com a capital potira e piauiense de hoje, igualmente lançando dejetos em rio podre que corre no solado dos pés das casas parlamentares, isto é, dos seus “senadores” municipais e estaduais.

Os teresinenses têm muito pouco apreço aos espaços comuns de circulação: praças, ruas, calçadas, adros, parques; escolas públicas e seus equipamentos adjacentes; estádios; os próprios rios; lagoas. São espaços condenados à depredação. E só a muito custo mantidos limpos e íntegros. Costuma-se dizer que é o atraso cultural da população. Seja o que for, a falta de respeito com os lugares do viver comum, tem na sujeira da cidade um exemplo deplorável.

São muitas as maneiras de como os moradores emporcalham a cidade: papel de bombom atirado a esmo, aos milhões; nuvens de fumaça da frota automotiva; carniças fedentas lançadas ao relvado da Marechal Castelo; placões autidóricos roubando o que sobraria de paisagem para se ver; monturos orgânicos, inorgânicos; cusparadas e escarros abundantes, até de janelas dos carros; esgotos larvosos correndo aos pés das calçadas; horríveis estruturas da fiação roçando beirais; sucatas de tudo se derramando de calçadas; poluição das zoeiras incontidas ensurdecendo uma geração inteira. Dizem que tem bocões de cloacas saindo de shoppings e da cidade vertical rumo aos rios, com tanta podridão, que já nutriria uma raça nova de ratões.

Há uma percepção e atitude de muitos que fazem da rua o espaço degradado e de despejo dos rejeitos da vida privada, cujos lugares seriam assépticos e bem amados. Já vimos gente reiterando a estupidez e dizendo que suja, mesmo, “porque tem a prefeitura para limpar...”. E por falar nisso, cumpre esse órgão administrativo as suas atribuições nesse campo? Pode-se dizer que corre atrás, literalmente: um aparato seu à frente, desentulhando, e outro, esculachado e sujismundo, atrás, sujando de novo, ferindo as posturas. 

Na China, cuspir em via pública dá multa pesada; baganas acesas, ou não, em muitos lugares, dá cadeia, assim, sujar um rio, lago, pichar obras de arte, ferir as árvores de parques e passeios públicos. Alenta-nos o ativismo de um vereador para limpar as paisagens da cidade: postes, pontes, troncos de árvores –estão pichando o caule amarelado dos pés de “angico branco”. No Natal passado, sujaram oficialmente pilastra da Ponte Mestre João com anúncio de bebida que vicia –e felizmente a prefeitura, gestão nova, já mandou limpar. Mas há muita feiura no aparentemente desregrado anuncismo, sobretudo nas avenidas e ruas principais. Abominável o enxurro especulador dos bagrões quanto o escarro geral.  


Um Brasil mais consumista tá implicando mais lixo. Consumo é bom mas é barra. E não se faz, por mero decreto, alguém se tornar repúblico. 

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