Dois
epílogos para os ditadores
Cunha
e Silva Filho
Não
existem diferenças entre os ditadores no que há de essencial nos
aspectos da persona que encarnam. Na América Latina, por exemplo,
tudo indica que praticamente estão saindo de cena, e a tendência é
que, com a morte deles, sumam de cena das chamadas sociedades
democráticas. No Brasil, tivesse havido punição logo após a
redemocratização de nossa vida política e de nossas instituições,
os culpados da repressão militar seriam punidos com mais
propriedade, e as autoridades responsáveis pelo
regime discricionário teriam recebido suas
punições, seja qual fosse a patente que detinham.
Alguns
de nosso ditadores militares considerados mais autoritários
juntamente com alguns civis que exerciam funções de relevo no
governo federal foram na realidade considerados culpados pela ações
repressoras pelas quais o país passou. No entanto, entre nós, todos
os presidentes militares já são falecidos.
De
que modo poderiam eles agora serem julgados por crimes contra a
humanidade ou por torturas contra os adversários do regime, quer
fossem militares, quer civis? Obviamente, somente us poucos dos civis
que apoiaram o regime militar ainda se encontram vivos e até hoje
permanecem ilesos.Para falar a verdade, parte da sociedade brasileira
esteve ao lado do regime. Por conseguinte, torna-se quase uma
abstração procurar punir a massa da sociedade que apoiou a
ditadura.
O
papel da Comissão Nacional da Verdade, autorizada pela presidente
Dilma Rousseff, tem o compromisso de discutir a situação e de
traçar planos de medidas a serem adotadas a fim de encontrar aqueles
que devem ser responsabilizados pelo desaparecimento de militantes
políticos, pelos que foram assassinados e torturados durante a
repressão. A própria presidente Dilma Rousseff foi vítima da
tortura, segundo declaração feita em público. Desta forma, a
Comissão de saída mostra-se um instrumento um tanto enfraquecido
para dar um passo decisivo no avançar desta questão devido a muitas
dificuldades e óbices para reunir provas que chegassem aos
responsáveis diretos pelos vários tipos de violação dos direitos
humanos por parte dos membros de repressão, em cujo grupo
poder-se-iam incluir tanto homens das forças aramadas como da
polícia civil.
Além
disso, é notório que os membros mais elevados sobre os quais recaem
as responsabilidades já se encontram mortos e sepultados.
A
Lei da Anistia veio para reconciliar os segmentos militares e civis,
ou seja, instalou-se para restituir os direitos políticos de
brasileiros cassados pela ditadura militar. Parte considerável deles
vivia no exílio, Eram professores secundários, professores
universitários, cientistas, escritores, artistas, em suma, gente
oriunda das várias atividades profissionais.A despeito disso,
parentes das vítimas, e mortos pela repressão têm direito de
reivindicar o paradeiro dos entes queridos desaparecidos e
assassinados, e, como tal, igualmente têm o direito de exigir
punição para torturadores declarados. Obviamente, isto exige
profunda investigação para cada caso de modo a evitar-se ações
atabalhoadas que poderiam penalizar inocentes ou pessoas que, por um
motivo ou outro, não fossem devidamente investigadas e consideradas
erroneamente como culpadas.
A
tortura, seja qual forma assuma, psicológica, física, é um ato tão
vil e abjeto que não se coaduna com a racionalidade humana e, por
isso, não deve ser praticada ainda que seja por ordem de superiores
na hierarquia do poder. Se ela se comporta assim é porque a
hierarquia deixou de ter validade e transformou-se em força bruta,
animalesca, covarde e abominável . Tal se deu com o nazismo, nos
crimes do Holocausto, Quer dizer, ao ser praticada, ela esquece os
limites do respeito ao ser humano e age como monstros destituídos de
sentimentos elevados.
Acredito
que os militares das novas gerações tenham uma outra visão das
atrocidades cometidas durante os “anos de chumbo”
(1968-1974), i.e., o período mais repressivo dos governos militares.
São jovens com outra formação político-histórica. Creio mesmo
que hoje só aspiram desempenhar seu papel em defesa do território
brasileiro e da estrutura político-institucional. Este é o papel
que efetivamente lhes cabe na conjuntura contemporânea.
A
longa experiência ditatorial que tivemos serviu às Forças Armadas
como um exemplo deplorável que jamais se deve repetir numa fase
histórica em que o pais está consolidando sua vocação
democrática e seu quase pleno amadurecimento de nação
em desenvolvimento servindo de modelo a outros países do mundo que
não alcançaram esse nível de progresso.
Julgo
que a Comissão Nacional da Verdade tem um desafio delicado pela
frente e há de encontrar uma maneira de atender aos apelos dos que
sobreviveram à violência de um regime de força e dos que perderam
seus entes queridos, muitas vezes de forma injusta e descabida. Tudo
deverá ser medido e qualquer decisão que peque por excessos deverá
ser evitada, principalmente porque estamos muito distantes do início
sombrio de uma era que não queremos mais ver se repetir.
Se
os homens da lei não resolvem alguns crimes que permanecem impunes,
por fraqueza das instituições, os criminosos e torturadores, no
íntimo de seus seres, na consciência pesada de seus delitos, e com
a chegada da velhice, dos achaques e da falta de reconhecimento da
sociedade, são por eles mesmos punidos. Não há sentença pior do
que a consciência pesada de ser contemplados pelos outros como um
abominável criminoso.
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