José
Maria Vasconcelos
Pela
Sky, revi cenas da minissérie da TV Globo, "Presença de
Anita", exibida em 200I. Sensualidade e ternura adolescentes na
pele da linda Mel Lisboa. Logo associei Anita a Lotita, minha aluna
do Colégio Diocesano, na década de 1970. 15 anos, exuberante,
talento para as artes. Clarice, a Lotita dos amigos.
Lotita,
depois que me leu a crônica, "VEM...QUEM SABE FAZ HORA",
inspirada em Geraldo Vandré e Chico Buarque, enviou-me email,
contando sua história, inclusive a visita que lhe fizera o genial
cantor. Ela reside no Rio de Janeiro, instrutora e dançarina de balé
clássico, entre outras atividades artísticas e profissionais. A
piauiense relata episódios compostos de absurdos e desafios, durante
os estudos e início da profissão em São Paulo, depois Rio.
Permitiu-me produzir e publicar a crônica.
Lotita
residia na Clodoaldo Freitas, antiga Rua da Palmeirinha. Criança,
sobreviveu a crise de meningite. O médico previu-lhe sequelas e
morte antes dos 15 anos. Deus esticou-lhe a vida, porém com espírito
guerreiro. Sua mãe, Rita, carnavalesca saltitante, porta-estandarte,
desfilava nas avenidas de Teresina, impecavelmente ornada de brilho e
adereços coloridos.
Não
é fácil partir, singrar mares bravios, varar noites nos livros,
profissionalizar-se, abrir espaços na cidade grande. A jovem Lotita
sentiu na pele o provérbio latino: "Ad astra per aspera",
às estrelas por caminhos ásperos. Hábil no balé clássico, na
dança chinesa, egípcia, grega, judaica, sapateado, o que lhe
comprometeu tendões das pernas e afastamento dos palcos. Optou por
ministrar cursos afins. Sobre o assassinato de seu jovem irmão,
delegado Arias Filho, há 22 anos...: "Mamãe caiu desmaiada,
foi uma barra, ela literalmente enlouqueceu e assim ficou por três
anos. Atualmente, está com doença degenerativa, uma pena... meus
filhos pequenos jamais esqueceram o transe por que mamãe passou."
O mandante da barbaridade até hoje dribla a Justiça, sem
julgamento.
E
continua: "Fiquei sete anos trabalhando em Sampa e morando no
Rio. O trabalho lá era compensador, embora o estresse e a violência
no trânsito se tornavam assustadores. Fui assaltada diversas vezes e
culminou com um fato absurdo: fui violentada por dois homens e foi
terrível! Caí em depressão, que só foi contornada, anos depois,
com o diagnóstico de bipolaridade..." Momento de rara
satisfação: "Zé, tive um susto terrível, certa vez, em São
Paulo. Estávamos ensaiando no Ballet Stagium. Vi um homem entrando.
Procurava papel para digitalizar um texto. Era um roteiro de um balé
lindíssimo: "A Dança das Cabeças", com música de
Egberto Martins. O visitante era Geraldo Vandré."
Batalhas
sempre existirão. Nada de pedir ao Altíssimo para se livrar delas,
mas as armas para derrotá-las. Lotita voltou a criar, dançar,
inaugurando outra vida, celebrando cada dia, cheia de frescor e
mocidade interior; em vez dos urubus com faro para a podridão, ir
atrás do néctar das flores, como colibris. Como se revivesse uma
minissérie global, exuberante Anita na pele de Lotita.
Nenhum comentário:
Postar um comentário