Fonseca
Neto
Oeiras do
Piauí é um núcleo que inaugura a vida letrada no Piauí. Sede da
burocracia colonial primeira é lugar difusão da cultura vocabular
nesta parte velha América portuguesa. Não é à-toa que essa cidade
é avoenga e berço de muitos escritores.
Há pouco
mais de dois anos foi ali criado mais um sodalício de letras, a
Confraria Eça-Dagobertiana, grêmio que promove a cultura literária
do povo local, nas sendas abertas pela obra do literato português
Joaquim Maria Eça de Queiroz e do escritor nativo Dagoberto Carvalho
Júnior.
Neste
sábado, 17, a cidade de Oeiras prestigiou o lançamento da Revista
da Confraria Eça-Dagobertiana, número 2, numa noite festiva que
encheu de gente a sala maior do Cine-Teatro, à Praça da Vitória.
Entre outras mais atividades ali vistas, uma breve e significativa
apresentação do coral Vozes de Oeiras, regido pelo maestro oeirense
Aurélio Melo, além de duas palestras a cargo de confreiras
habilitadas examinando aspectos da obra de Eça e Dagoberto.
Quais
melhores palavras haveríamos de usar para em breves linhas
apresentar essa obra e sua relevância?
Não é
fácil apresentar obra assim coletivamente elaborada; obra de diversa
autoria, “cada cabeça, uma sentença”, com cada
protagonista-autor insculpindo em sua arte escritural aquele detalhe
singular, fio da própria alma. Para relativizar nossas dificuldades,
seguramo-nos na colunata mais segura que constitui a matéria da
Revista e que é sua referência e motivo maiores: a vida e obra dos
co-patronos da Confraria –e também parte inseparável delas, os
cenários de seus mundos, assim os reais, assim os imaginários. Com
efeito, os escritos ora publicados, são criações intencionalmente
inter e entretextuais, sobretextuais.
A Revista
da Confraria é uma façanha. E a exemplo do primeiro número, Eça e
Dagoberto vêm tinindo em suas páginas, que fixam para Oeiras do
Piauí e para todos os lugares da lusofonia, as vozes que se
amplificam do primeiro e o tirocínio incansável do segundo,
fazendo-lhes ressoar, onde existir ouvido de ouvir e olhos de ver, e
ler.
Dagoberto
Carvalho Júnior já narrou ene vezes sobre as formas com as quais
construiu as pontes entre sua alma oeirana e o mestre oitocentista da
Póvoa de Varzim. E para nós essas pontes são uma tessitura cujos
pilares invisíveis estão solidamente enfincados nas duas margens do
Atlântico: nas lusas costadas e calhas portucalenses de lá,
derramando-se ao mar, e nas sertanias de cá, no vale do Canindé do
Piauí, e das Tranqueiras.
Quando Eça
viveu, o Portugal que subjugara este país pindorama era, já, apenas
a memória dos feitos de uma espécie de aventura antepassada, levada
a grandes efeitos por dinastias, de afonsinas a bragantinas,
formações sociais particulares ora aceleradas (1380) e ora
aguilhoadas pelas guerras peninsulares e pelas guerras de mundos
(1600). Quando Dagoberto Jr. nasceu, a Oeiras do Mocha e do tempo de
Eça haviam, já, passado, e nela, fustigando a mansidão e silêncio
do tempo, a memória dos feitos de uma espécie de paroquialidade
insistente. Essa memória de lá e a de cá, a rigor, são
indissociáveis, um manancial de nervuras historicamente enleiadas.
O ambiente
do encontro entre o patrono Carvalho Jr. de cá e o Eça de lá,
antes de ser uma expressão física/fisiográfica – a destempo, não
importa – é o lugar da memória muito bem cultivado na estrutura
das ideias e tradições entremeadas desse universo de mundos
confluentes. O Portugal que vem para este ermo (na percepção de lá)
é já uma nação unificada e unificada sob a égide de culturas
herdadas as mais diversas – dos iberos, dos lusos, latinos,
visigodos, árabes, entre as referências maiores de sua
ancestralidade. Pois bem: a obra de Eça, elaborada no último
quartel do século XIX, é um estuário em sede romancística, pelo
qual correm os fluxos dessas culturas cruzadas e baldadas, sobre a
face de uma gleba euro-atlântica, solar, voltada aos mar de ansiosas
interrogações...
Muito do
que vem publicado na Revista foi dito em encontros
lítero-gastronômicos em Oeiras. Come-se, bebe-se, proseia-se. Bom
participar dos saraus dessa gente da póvoa do Mocha, vitoriana e
rosária - e muito melhor porque o bispo da cor do burgo é confrade.
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