Arquivo
delicioso
Gutemberg
Rocha
Sócio do Instituto Histórico de Oeiras
Arquivo
silencioso, este é o título do recém-lançado livro do historiador
oeirense Francisco de Moraes Rêgo, título emprestado de uma das
mais de quarenta crônicas que compõem a obra, prefaciada por
Dagoberto Carvalho Jr., autor do consagrado Passeio a Oeiras. Arquivo
silencioso também é um fascinante passeio, e bem poderia ser
Arquivo delicioso, pois é uma delícia passear pelas ruas e becos,
igrejas e casarões, morros e riachos, fatos e lendas da Velha
Capital; é delicioso pisar os lajedos da doce colina, tocar as
grossas paredes dos sobrados centenários e contemplar os telhados
envelhecidos, testemunhas da História e de mil histórias que não
podem ficar perdidas no passado.
É
delicioso perambular pela cidade, integrando-se ao burburinho da
feira; mergulhar no Mocha, deleitando-se com o canto das lavadeiras;
ouvir os sinos da Matriz a badalar finados, missas e batizados;
adentrar os templos vetustos, relicários da fé de um povo temente a
Deus; ajoelhar-se ante a imagem do Bom Jesus dos Passos; participar
da Festa do Divino e das procissões da Semana Santa; visitar os
presépios com cheiro de alecrim...
É
delicioso cruzar com figuras emblemáticas da Velha Urbe, seja pela
loucura, como Antônio Bocão e Dorete, seja por outras
singularidades, como o jardineiro Zé de Helena (carregador oficial
do tamborete da Maria Beú), o seresteiro Ciço Cego (proprietário
do famoso CCC: Cabaré de Ciço Cego), o Padre Freitas (que abandonou
o celibato sem deixar a batina), o músico e artesão Batata
Tabaqueiro (que optou por viver recolhido como um monge), o folião
Eurico, o sineiro Manoel do Padre, o engraxate Cosme...
É
delicioso festejar São Benedito em antigas novenas animadas pelas
bandas “Triunfo” e “Vitória”, na Igreja do Rosário; dançar
ao ritmo do badalado conjunto “Os Falcões”; ouvir a música
celestial que flui dos bandolins de Petronília Amorim, Lilásia
Freitas, Maria José Cabeceira, Rosário Lemos e Antonieta Maranhão,
carinhosamente chamadas de “bandoleiras”...
É
delicioso trilhar as sendas da Igreja, dos clérigos que deixaram
suas marcas na Paróquia de Nossa Senhora da Vitória e na Diocese de
Oeiras: Dom Expedito Lopes, Dom Edilberto, Cônego Cardoso, Monsenhor
Leopoldo, Padre João de Deus (ainda na ativa) e tantos outros;
viajar pelos mistérios das lendas: o Pé de Deus, o Carneirinho de
Ouro, a Baleia da Igreja da Conceição, o Cavaleiro da Meia-Noite...
É
delicioso, sim, embora algumas narrativas remetam à mais crua
realidade, desde conflitos pessoais que resultam em vingança e morte
até episódios chocantes da época da escravatura. Mas isso também
faz parte da vida da cidade, e essa é a matéria-prima usada por
Francisco Rêgo, que mistura acontecimentos reais com preciosidades
do folclore e do imaginário popular. Uma valiosa contribuição do
escritor para a preservação da memória sentimental, cultural e
social de Oeiras.
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