terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Do romance Terra do Fogo


Geraldo Borges

Estava posto em sossego lendo o romance - Guerra e Paz, de Leon Tolstoi, quando alguém tocou a campainha. Fui ver quem era. Na porta o carteiro me entregou um pacote. Era o romance – Terra do Fogo do escritor Edmar Oliveira, recém lançado pela editora  Viera Lent. Tive então de suspender a leitura do grande tijolo da literatura russa, e, comecei  a saborear o   biscoito da nossa literatura regional. - Terra do Fogo.  

               Ora lia em pé, ora sentado,  – Terra do Fogo. Um título é sempre um chamativo para o leitor curioso. Perguntei-me que terra do fogo é esta? Ao penetrar na leitura do livro fui entendendo. O romance tem como pano de fundo os incêndios na capital do Piauí, e todo um período que vai, desde a infância, a adolescência, a mocidade do narrador, desenrolando o seu leque de recordações. De modo que o leitor atento vai descobrindo que no romance existem duas histórias, uma que pode ser escrita com h, uma infra-história  e outra que pode ser escrita com é. Trabalhada simplesmente no campo da ficção, embora com o suporte dos fatos reais, que, de tanto passarem de boca em boca, terminam virando lenda.

               Os  personagens do seu romance, no meu modo de entender, estão classificados em duas categorias. Os que verdadeiramente dão dinâmica a estória. A começar por Jaci e Alaríco que mantém o eixo romântico do fluir da narrativa. Observa-se que os personagens imaginados têm mais força, e são, na verdade, quem conduzem o enredo do romance. Quanto aos históricos, são amorfos, embora ajam como vetores de transformações sociais, sobrevivem em livros didáticos ilustrando a nossa história contada ao sabor das conveniências ideológicas. São múmias petrificadas.

               O que notei na leitura do romance de Edmar Oliveira é que ele, embora narre e conte uma estória bem urdida, há momentos em que se empolga com a outra história, a história oficiosa e oficial o que se pode  notar com a escolha do título Terra do Fogo, que não passa de pano de fundo para a verdadeira estória  de ficção. Talvez por curiosidade, se alguém fosse desmontar o romance, ou condensá-lo, como se fazem  aos romances da revista Seleções, primaria por manter  na integra o texto narrativo, e capar de preferência a dissertação sobre os incêndios. Claro que a atmosfera do incêndio poderia continuar, mas em pequenos tópicos, como subtexto, como, por exemplo, o sonho pesadelo nas paginas 88, 89, 90.

               Sei que Edmar vivenciou, por muito tempo, esta estória, desde menino. O personagem narrador é autobiográfico. E teve de se utilizar de um truque, bastante inteligente, muito conhecido na história da literatura ocidental. Trata–se do resgate de um documento onde existe um manuscrito, um dossiê, de onde pode-se  extrair uma pista para uma estória. O vazio, as brechas, podem ser preenchidas pela imaginação e memória criativa do autor.

               O romance de Edmar Oliveira, ainda tem as influencia de seus primeiros livros, dois, - Ouvindo Vozes, da editora Viera Lent e Von Meduna, editora Oficina da Palavra, os quais ele  mescla crônicas, contos, relatos, bem acabados,   onde traça perfis de tipos populares, juntamente com seu trabalho acadêmico. Pois a ênfase dos livros, os anteriores, está colocada em relatar resultados de pesquisas e projetos. Com pequenas pitadas de especiaria devido ao seu estilo leve e envolvente. Este último - Terra do Fogo, revela a grande  potencialidade que  o seu autor tem para a arte de ficção.

De um pequeno ponto, que é o casamento de Jaci com Inácio, seu primo, que morre afogado; depois viúva, ainda menina, casa se  com Belizário, um truculento fazendeiro que a maltratava, e o aparecimento de Absalão, que a tira de seu lugar de origem,  oferecendo  lhe liberdade para a aventura do romance, o autor tricoteia  uma estória que vai perpassando toda uma época com a duração de  meio século. Dentro de todo esse período Jaci se envolve com vários homens que, em certo momento, representaram algum valor em sua vida. É a personagem mais exponencial da estória do romance e com ela que o autor dá inicio ao seu romance

Depois da morte de Jaci, aconteceu algo que só agora posso revelar.”

Esta revelação esta no dossiê. E repare como o romancista aguça logo no começo a curiosidade do leitor. Jaci já está morta quando a estória começa, mas, é justamente a personagem mais viva do romance.

               São muitos os personagens que se aglomeram pelo vasto cenário suburbano da cidade de Teresina na época dos incêndios. Multidões aflitas, vendo seus lares devorados pela fúria do fogo, tiveram que pagar pela modernização arquitetônica da cidade.

O romance de caráter histórico ainda é uma vertente importante na literatura ocidental, e o escritor Edmar Oliveira estreia muito bem neste ramo de ficção. Não obstante, alguns reparos feitos por um resenhista bisonho que agora volta a enfrentar Guerra e Paz.   

Fonte: blog Piauinauta

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