Geraldo
Borges
Estava
posto em sossego lendo o romance - Guerra e Paz, de Leon Tolstoi,
quando alguém tocou a campainha. Fui ver quem era. Na porta o
carteiro me entregou um pacote. Era o romance – Terra do Fogo do
escritor Edmar Oliveira, recém lançado pela editora Viera
Lent. Tive então de suspender a leitura do grande tijolo da
literatura russa, e, comecei a saborear o biscoito
da nossa literatura regional. - Terra do Fogo.
Ora
lia em pé, ora sentado, – Terra do Fogo. Um título é
sempre um chamativo para o leitor curioso. Perguntei-me que terra do
fogo é esta? Ao penetrar na leitura do livro fui entendendo. O
romance tem como pano de fundo os incêndios na capital do Piauí, e
todo um período que vai, desde a infância, a adolescência, a
mocidade do narrador, desenrolando o seu leque de recordações. De
modo que o leitor atento vai descobrindo que no romance existem duas
histórias, uma que pode ser escrita com h, uma infra-história e
outra que pode ser escrita com é. Trabalhada simplesmente no campo
da ficção, embora com o suporte dos fatos reais, que, de tanto
passarem de boca em boca, terminam virando lenda.
Os personagens
do seu romance, no meu modo de entender, estão classificados em duas
categorias. Os que verdadeiramente dão dinâmica a estória. A
começar por Jaci e Alaríco que mantém o eixo romântico do fluir
da narrativa. Observa-se que os personagens imaginados têm mais
força, e são, na verdade, quem conduzem o enredo do romance. Quanto
aos históricos, são amorfos, embora ajam como vetores de
transformações sociais, sobrevivem em livros didáticos ilustrando
a nossa história contada ao sabor das conveniências ideológicas.
São múmias petrificadas.
O
que notei na leitura do romance de Edmar Oliveira é que ele, embora
narre e conte uma estória bem urdida, há momentos em que se empolga
com a outra história, a história oficiosa e oficial o que se
pode notar com a escolha do título Terra do Fogo, que não
passa de pano de fundo para a verdadeira estória de
ficção. Talvez por curiosidade, se alguém fosse desmontar o
romance, ou condensá-lo, como se fazem aos romances da
revista Seleções, primaria por manter na integra o texto
narrativo, e capar de preferência a dissertação sobre os
incêndios. Claro que a atmosfera do incêndio poderia continuar, mas
em pequenos tópicos, como subtexto, como, por exemplo, o sonho
pesadelo nas paginas 88, 89, 90.
Sei
que Edmar vivenciou, por muito tempo, esta estória, desde menino. O
personagem narrador é autobiográfico. E teve de se utilizar de um
truque, bastante inteligente, muito conhecido na história da
literatura ocidental. Trata–se do resgate de um documento onde
existe um manuscrito, um dossiê, de onde pode-se extrair
uma pista para uma estória. O vazio, as brechas, podem ser
preenchidas pela imaginação e memória criativa do autor.
O
romance de Edmar Oliveira, ainda tem as influencia de seus primeiros
livros, dois, - Ouvindo Vozes, da editora Viera Lent e Von Meduna,
editora Oficina da Palavra, os quais ele mescla crônicas,
contos, relatos, bem acabados, onde traça perfis de
tipos populares, juntamente com seu trabalho acadêmico. Pois a
ênfase dos livros, os anteriores, está colocada em relatar
resultados de pesquisas e projetos. Com pequenas pitadas de
especiaria devido ao seu estilo leve e envolvente. Este último -
Terra do Fogo, revela a grande potencialidade que o
seu autor tem para a arte de ficção.
De
um pequeno ponto, que é o casamento de Jaci com Inácio, seu primo,
que morre afogado; depois viúva, ainda menina, casa se com
Belizário, um truculento fazendeiro que a maltratava, e o
aparecimento de Absalão, que a tira de seu lugar de
origem, oferecendo lhe liberdade para a
aventura do romance, o autor tricoteia uma estória que
vai perpassando toda uma época com a duração de meio
século. Dentro de todo esse período Jaci se envolve com vários
homens que, em certo momento, representaram algum valor em sua vida.
É a personagem mais exponencial da estória do romance e com ela que
o autor dá inicio ao seu romance
“Depois
da morte de Jaci, aconteceu algo que só agora posso revelar.”
Esta
revelação esta no dossiê. E repare como o romancista aguça logo
no começo a curiosidade do leitor. Jaci já está morta quando a
estória começa, mas, é justamente a personagem mais viva do
romance.
São
muitos os personagens que se aglomeram pelo vasto cenário suburbano
da cidade de Teresina na época dos incêndios. Multidões aflitas,
vendo seus lares devorados pela fúria do fogo, tiveram que pagar
pela modernização arquitetônica da cidade.
O
romance de caráter histórico ainda é uma vertente importante na
literatura ocidental, e o escritor Edmar Oliveira estreia muito bem
neste ramo de ficção. Não obstante, alguns reparos feitos por um
resenhista bisonho que agora volta a enfrentar Guerra e Paz.
Fonte: blog Piauinauta
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