Fonseca
Neto
Aqui
na borda equinocial da Sul América, desde os primeiros séculos da
colonização, o Maranhão se fez uma referência das literaturas.
Uma narrativa da fundação da chamada França Equinocial é um
bom exemplo disso, publicada em Paris, em 1614 e 1616, já então a
capital francesa um polo difusor da cultura do ocidente latino.
Séculos
depois, segunda metade do Oitocentos, um médico nascido no interior,
em Caxias, dedicou sua vida a coligir as fontes escritas sobre a
formação do Maranhão – aqui entendido, assinale-se, (a) região
e a forma de capitania hereditária e real que esse topônimo
representou e (b) o Maranhão enquanto Estado. Este, uma forma
político-administrativa autônoma em face do Estado do Brasil, de
1621 a 1811, tendo São Luís como capital e sua territorialidade
variável no tempo. Estado em cuja jurisdição foi instituída a
capitania real do Piauí, em 1718, definitivamente dele separada no
referido ano de 1811.
O
médico-historiador assim dedicado chamava-se César Augusto Marques
– medicou no Piauí em 1857. Publicou ele o mais importante livro
que o Maranhão conhece, porque um manancial generoso de fontes
inventariadas e que impactam a pesquisa social-historiográfica
brasileira até hoje – o Dicionário Histórico-Geográfico da
Província do Maranhão, com a primeira edição saída em 1870.
Acima de tudo, espécie de enciclopedização do conhecimento
testemunhal-escritural sobre o antigo Maranhão. Labor de pesquisa
muito significativo para o Piauí, em particular, considerada sua
vinculação histórica ao Maranhão desde sempre.
O
Dicionário é uma espécie de guia de fontes sobre uma enorme gama
de temas. Fontes hauridas de arquivos governamentais locais,
eclesiásticos, acervos hemerográficos, memórias de diversos
modais, documentos manuscritos e tipografados de repartições
portuguesas etc.
Ao
ser lançada, a obra causou muito impacto e logo foi canonizada, mas
sua difusão cobriu o autor do desafio de agregar a ela novos
suportes registrais que a primeira edição potencializou – ao
evidenciar lacunas e senões eventuais – e o acréscimo de outras
informações, além de achegas revisoras. Nessa direção, o próprio
Marques faleceu em 1900 trabalhando um projeto reeditorial do
Dicionário, não logrando fazê-lo, pois surpreendido com a
“indesejada das gentes” cassando-lhe o destino entre os viventes,
aos 74 anos . Deixou, contudo, revisões, verbetes novos e outras
anotações relevantes.
Assumiu
a tarefa de continuador desse esforço, todavia, um dos mais notáveis
historiadores do Maranhão do tempo, Antonio Lopes. Este vianense
encorpou o projeto reeditorial respectivo com qualificadíssima
contribuição, fruto de sistemáticas investigações e chaves de
compreensão sobre alguns temas e verbetes. Em que pese todo esse
esforço, consumindo-lhe precioso tempo de vida, faleceu em 1950 sem
vê-la, em folhas. Veio, após, a segunda edição, chancelada por
Raimundo Nonato Cardoso, em 1970, entre os auspícios do “Maranhão
Novo”, liderado pelo intelectual José Sarney.
Agora,
a terceira edição do Dicionário, dirigida pelo escritor Jomar
Moraes, coroando as celebrações alusivas ao centenário da Academia
Maranhense de Letras: eis o prêmio que este sodalício concede à
cultura historiográfica geral, mais especificamente referenciada ao
Brasil e a Portugal. A rigor, edição pluriautoral, pois agrega a
escrita de origem, revisada e ampliada pelo próprio Marques, o texto
suplementar de Antonio Lopes, além e principalmente, as anotações
e apuração textual elaboradas por Moraes. Também contribuições
pontuais da Comissão César Marques e o Índice Remissivo organizado
por Lino Raposo Moreira.
Ao
dedicar mais de vinte anos de sua vida a preparar a presente edição,
aliás, enquanto presidia a AML, Moraes chamou a si o cometimento
próprio do chefe de um “patriarcado de loucos” varridos, numa
república de letras. Para se tenha uma ideia do zelo extremado, ele
escrutinou, letra a letra, a imensa fortuna de textos de todas as
edições publicadas, das edições preparadas e não publicadas,
notas prefaciais e conexas de todas elas; releu fontes. Elaborou
1.508 notas explicativas, cujo apuro confere ao leitor de hoje uma
indispensável segurança na ancoragem das consultas.
Comovente
o espírito manifesto de Jomar Moraes, revisando, anotando e
verbetando essa obra, complementar e criticamente, em proveito das
atuais gerações de pesquisadores das chamadas ciências do Homem. E
quanto deixa pistas, à mostra, para a escritura dos pósteros.
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