terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Buriti, rei das palmas



Fonseca Neto

Vivemos num país que já foi conhecido como Pindorama ou Piratininga – a Terra das Palmeiras. E a do buriti é considerada em todos os tempos como a mais bela no extenso viveiro de espécies das palmáceas deste trópico.

Agora imagine nascer numa cidade emoldurada por um buritizal vigoroso em que buritizeiros de todas as idades terçam suas palmas num festival encantador. Imaginou?

Pois assim é a cidade em que eu nasci. Seus belos buritizais formam densa paisagem dessa palma circular, parecida com as pinturas dum resplendor e de raios verdes plissados e pontas suavemente quebradas.

Quando eu me entendi” foi ouvindo minha avó Chiquinha de Moura dizer que onde nasce buritizeiro, pode-se olhar de perto, que tem olho d’água no pé: “ele só gosta de água minando”. Até nasce, mas nunca cresce perto de água ou aguada qualquer: rio que vem de longe, lagoa de água parada, açude; não adianta. Tem que ter chão minando água límpida natural ali por perto. É exigente.

Assim é na minha Freguesia, onde fizeram ontem taba os Aranhim: ao nascente, uma serrota coberta de arvoredo virgem, detrás da qual nasce o sol depois que já nasceu para todo o sertão. Nos outros três pontos cardeais, reinam as ditas palmas-rainhas... Para as bandas da Sant’Ângela e do sítio São Joaquim, já se mesclam às do babaçu, da macaúba, do pati... Até dos coquitos.

Assim como a vó sabia o xodó de vida ou morte do buritizeiro com água virgem, o povo da minha terra sabe tudo do buriti. Eu mesmo já comi, feito em muitos lugares, o doce preparado com sua polpa quase-encarnada. Mas igual ao que se faz na Passagem Franca – vou apostando –, ninguém faz. É arte antiga e já hoje rareiam os que a praticam. Precisa paciência em busca do “ponto” perfeito, algo incompatível com as pressas da vida presente.

O buriti é uma dádiva divina. O que hoje a pesquisa aplicada ao seu estudo “cientificiza”, apenas confirma o que a sabedoria das gentes primeiras de há muito descobrira. Além do fruto, carne e óleo, do talo, tala e palha, disto tudo se faz muita coisa que a vida precisa, em sua gratuidade, para ser bela e prática.

Há registros de que o buriti é originário do arquipélago de Trinidad e Tobago. Aliás, de sua baga-semente ou bago nunca ouvi dizer o que, dele, fazem os homens. Nesta região atualmente chamada Meio Norte, o seu nome foi ouvido dos tupinambás pelo frei Cristóvão de Lisboa que assim anotou –“ mburi’ti” – e daí que na língua do invasor luso passou-se a chamá-lo de "Buriti", "miriti", "muriti", "muritim" e "muruti". "Carandá", noutros lugares. Reina nos brejos de quase todo o Brasil. Mas é típico do bioma dos grandes vales do cerrado. No Jalapão o buriti é um semideus e, claro, sem ele, essa nesga do coração do Brasil não teria os dons de paraíso que tem. Diga-se que ameaçado, porque as águas, virgens, que um dia lhes nasceriam aos pés e alimentariam, estão sendo roubadas de cima das serras sob a forma de grãos sojeiros e toras eucaliptas para o jogo vil do capital que pouco interessa à vida.

Li notícias de que a deputada Nise Rego, da região de Barras, das Cabeceiras e da Boa Hora, propôs à Assembleia do Piauí medida legislativa com vistas à proteção dessa palmeira e pensando o seu aproveitamento sustentável no Estado. Cumprimento-a pela iniciativa.

E até penso que o povo da Baixa Grande do Ribeiro também deveria fazê-lo. É que, a exemplo da Passagem da minha nascença e pertença, essa cidade gurgueiana do sul do Piauí tem a mirar a sua grande e majestosa praça central um resplendoroso buritizal.

Num site vi que “existem buritis machos e fêmeas”. Machos produzem cachos que apenas desabrocham em flores; fêmeas, as flores se transformam em frutos. E “é preciso aguardar um ano para que os frutos estejam maduros e aptos para a colheita entre os meses de dezembro e fevereiro”.

Colheita? Na Passagem não se o colhe, coleta. Enquanto mansamente descem em escamas boiando no sutil e pantanoso riacho Inhumas.    

Nenhum comentário:

Postar um comentário