Fonseca Neto
Vivemos
num país que já foi conhecido como Pindorama ou Piratininga – a
Terra das Palmeiras. E a do buriti é considerada em todos os tempos
como a mais bela no extenso viveiro de espécies das palmáceas deste
trópico.
Agora
imagine nascer numa cidade emoldurada por um buritizal vigoroso em
que buritizeiros de todas as idades terçam suas palmas num festival
encantador. Imaginou?
Pois
assim é a cidade em que eu nasci. Seus belos buritizais formam densa
paisagem dessa palma circular, parecida com as pinturas dum
resplendor e de raios verdes plissados e pontas suavemente quebradas.
“Quando
eu me entendi” foi ouvindo minha avó Chiquinha de Moura dizer que
onde nasce buritizeiro, pode-se olhar de perto, que tem olho d’água
no pé: “ele só gosta de água minando”. Até nasce, mas nunca
cresce perto de água ou aguada qualquer: rio que vem de longe, lagoa
de água parada, açude; não adianta. Tem que ter chão minando água
límpida natural ali por perto. É exigente.
Assim
é na minha Freguesia, onde fizeram ontem taba os Aranhim: ao
nascente, uma serrota coberta de arvoredo virgem, detrás da qual
nasce o sol depois que já nasceu para todo o sertão. Nos outros
três pontos cardeais, reinam as ditas palmas-rainhas... Para as
bandas da Sant’Ângela e do sítio São Joaquim, já se mesclam às
do babaçu, da macaúba, do pati... Até dos coquitos.
Assim
como a vó sabia o xodó de vida ou morte do buritizeiro com água
virgem, o povo da minha terra sabe tudo do buriti. Eu mesmo já comi,
feito em muitos lugares, o doce preparado com sua polpa
quase-encarnada. Mas igual ao que se faz na Passagem Franca – vou
apostando –, ninguém faz. É arte antiga e já hoje rareiam os que
a praticam. Precisa paciência em busca do “ponto” perfeito, algo
incompatível com as pressas da vida presente.
O
buriti é uma dádiva divina. O que hoje a pesquisa aplicada ao seu
estudo “cientificiza”, apenas confirma o que a sabedoria das
gentes primeiras de há muito descobrira. Além do fruto, carne e
óleo, do talo, tala e palha, disto tudo se faz muita coisa que a
vida precisa, em sua gratuidade, para ser bela e prática.
Há
registros de que o buriti é originário do arquipélago de Trinidad
e Tobago. Aliás, de sua baga-semente ou bago nunca ouvi dizer o que,
dele, fazem os homens. Nesta região atualmente chamada Meio Norte, o
seu nome foi ouvido dos tupinambás pelo frei Cristóvão de Lisboa
que assim anotou –“ mburi’ti” – e daí que na língua do
invasor luso passou-se a chamá-lo de "Buriti", "miriti",
"muriti", "muritim" e "muruti".
"Carandá", noutros lugares. Reina nos brejos de quase todo
o Brasil. Mas é típico do bioma dos grandes vales do cerrado. No
Jalapão o buriti é um semideus e, claro, sem ele, essa nesga do
coração do Brasil não teria os dons de paraíso que tem. Diga-se
que ameaçado, porque as águas, virgens, que um dia lhes nasceriam
aos pés e alimentariam, estão sendo roubadas de cima das serras sob
a forma de grãos sojeiros e toras eucaliptas para o jogo vil do
capital que pouco interessa à vida.
Li
notícias de que a deputada Nise Rego, da região de Barras, das
Cabeceiras e da Boa Hora, propôs à Assembleia do Piauí medida
legislativa com vistas à proteção dessa palmeira e pensando o seu
aproveitamento sustentável no Estado. Cumprimento-a pela iniciativa.
E
até penso que o povo da Baixa Grande do Ribeiro também deveria
fazê-lo. É que, a exemplo da Passagem da minha nascença e
pertença, essa cidade gurgueiana do sul do Piauí tem a mirar a sua
grande e majestosa praça central um resplendoroso buritizal.
Num
site vi que “existem buritis machos e fêmeas”. Machos produzem
cachos que apenas desabrocham em flores; fêmeas, as flores se
transformam em frutos. E “é preciso aguardar um ano para que os
frutos estejam maduros e aptos para a colheita entre os meses de
dezembro e fevereiro”.
Colheita?
Na Passagem não se o colhe, coleta. Enquanto mansamente descem em
escamas boiando no sutil e pantanoso riacho Inhumas.
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