sexta-feira, 18 de julho de 2014

HISTÓRIAS QUE A VIDA CONTA


HISTÓRIAS QUE A VIDA CONTA

Valério Chaves (*)

         Cego Zeferino era um perito improvisador.
         Cegou quando tinha apenas dois anos de idade, mas apesar da deficiência visual era um dos cantadores mais espontâneos dos sertões do Ceará.
Ganhava o sustento cantando versos próprios, geralmente pondo em evidência os dotes pessoais de quem apreciasse sua poesia cabocla tirada do povo, hábitos e costumes da vida sertaneja.
         Certa vez quando cantava poesia na porta de um bar de sua cidade natal (sempre acompanhado da mulher Zefinha), na expectativa de aumentar os “trocados” do dia, resolveu fazer versos exaltando a figura dos fregueses mais ilustres que iam aparecendo no local.
 A certa altura da cantoria, Zefinha, cuja missão era dizer o nome das pessoas que iam chegando, falou ao pé do ouvido do marido avisando que acabava de chegar o Tenente Geronço, delegado de polícia da cidade.
          Geronço, militar por vocação, detestava cantador de viola, e às vezes, do alto de sua ignorância, chegava a ameaçar de prisão quem se atrevesse fazer rimas com seu nome pelo meio.
 Quando avistou o cego sentado, com a viola sobre o peito diante de um tamborete com um prato em cima, olhou de alto a baixo, e avisou: - vou lhe dizer uma coisa, ceguinho. Não faça versos rimando com meu nome pelo meio. É uma ordem.  Entendeu?
         Naquele dia, porém, parece que o tenente não estava mesmo com sorte, porque quando ele entrou no recinto do estabelecimento, o cego já havia começado a rima com o sufixo “ão”.
         E, pra não interromper a toada, diante da reprimenda do militar, e fazendo de conta que não tinha ouvido seus desaforos, continuou o improviso construindo o primeiro verso da sextilha:
- E para o tenente eu dou mais um galão.
- Alto lá, ceguinho – interrompeu o delegado em tom grotesco e rude.
- Não continue fazendo versos com o meu nome, pois do contrário vai se arrepender.
Em seguida, sem dar ouvido ao tenente, e sem fugir do improviso, o cego emendou num só fôlego:

- Mas tenente, que é que eu hei de fazer?
Pois minha intenção não é lhe promover
Pois o galão que eu falo é um galão diferente:
É um pau com duas latas
Uma atrás e outra na frente.

Em seguida, amofinado pelo azar, só restou ao tenente Geronço dar meia volta e sair de fininho, lamentando-se:
- Pra que diabo eu fui me meter com este cego cantador de viola.
- Isto só sendo castigo!

(Extraída da obra inédita – Casos de Justiça e outras histórias)

(*) Valério Chaves é Desembargador Inativo do TJPI, membro da UBE-PI e da Academia de Letras da Magistratura Piauiense.      

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