sexta-feira, 3 de julho de 2015

DA EFERVESCÊNCIA À QUIETUDE


DA EFERVESCÊNCIA À QUIETUDE

Jacob Fortes

Quando as cidades (metrópoles ou ruralizadas) despertam e põem-se de pé ouve-se, em agitada exultação, o rebuliçar do povaréu nas feiras; destacadamente as vozes, gritadas ou cantadas, dos pregões: vendedores e camelôs em euforia soltam a voz em gorjeios estentóreos. Com seus bordões afinados e compridos proclamam, num vozear festivo, as suas mercadorias, quinquilharias e bugigangas: ora empoleiradas, ora estendidas sobre o chão poento. Do palpável ao impalpável, há de tudo: o alimento; o produto; o serviço, inclusive o de cerzir sob uma tenda; o escambo, deste por aquele; panaceias para todos os males, realçando a medicina hipocrática; a salvação da alma, pelo ocultismo ou práticas mágico-religiosas; o amuleto, contra acontecimentos funestos e malefícios de qualquer natureza; o grito chamativo; um assobio; a contravenção, (mocozeada num repartimento secreto) exprimindo o esperançar dos que se entregam a um bom palpite na bicharada; o tatuador, zebrando corpos com suas agulhas; a melodia solitária, sem ovação, de uma flauta ou uma sanfona. Enfim, nesse picadeiro de existências ensanduichadas e sofridas, mas exultante de vida, (onde à alegria, labutam pessoas sem as distinções inventadas pelo homem), assiste-se a cenas de todos os matizes e vê-se de tudo; do reles ao magnífico, do trivial ao bizarro: sapato para galinha, bainha para foice e, obviamente, os parasitas que não trabalham: carteiristas, malandros e vadios. Também, em meio a essa bulha, os resíduos humanos, de mãos súplices, no ofício da mendicância (retalhinhos das chagas sociais de um país tão exuberante feito um automóvel galhardo, mas em estado de enguiço, apeado do vigor, exposto ao vexaminoso flagrante de pôr-se a reboque por lhe haverem despojado as partes valiosas. Ensoberbecido e afeito ao raro privilégio dos menus à La carte, o país instou-se a migrar para o cardápio dos comuns: lata de almoço debaixo do braço. “O que é que você troxe na marmita, Dito? — Troxe ovo frito e torresmo a milanesa”).


Mas a página efervescente das feiras esmaeceu, apequenou-se. O destino, agenciador de venturas e desgraças, encarregou-se de aplacar o fervor desses ababelados locais de mercancia popular. O que era exaltação e arrebatamento quedou-se: virou acalmia melancólica. Enquanto houver uma feira triste haverá uma pátria mal aviada.   

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