DA EFERVESCÊNCIA
À QUIETUDE
Jacob Fortes
Quando as
cidades (metrópoles ou ruralizadas) despertam e põem-se de pé ouve-se, em
agitada exultação, o rebuliçar do povaréu nas feiras; destacadamente as vozes,
gritadas ou cantadas, dos pregões: vendedores e camelôs em euforia soltam a voz
em gorjeios estentóreos. Com seus bordões afinados e compridos proclamam, num
vozear festivo, as suas mercadorias, quinquilharias
e bugigangas: ora empoleiradas, ora estendidas sobre o chão poento. Do palpável
ao impalpável, há de tudo: o alimento; o produto; o serviço, inclusive o de
cerzir sob uma tenda; o escambo, deste por aquele; panaceias para todos os
males, realçando a medicina hipocrática; a
salvação da alma, pelo ocultismo ou práticas
mágico-religiosas; o amuleto, contra acontecimentos funestos e
malefícios de qualquer natureza; o grito chamativo; um assobio; a contravenção,
(mocozeada num repartimento secreto) exprimindo o esperançar dos que se
entregam a um bom palpite na bicharada; o tatuador, zebrando corpos com suas
agulhas; a melodia solitária, sem ovação, de uma flauta ou uma sanfona. Enfim,
nesse picadeiro de existências ensanduichadas e sofridas, mas exultante de
vida, (onde à alegria, labutam pessoas sem as distinções inventadas pelo homem),
assiste-se a cenas de todos os matizes
e vê-se de tudo; do reles ao magnífico, do trivial ao bizarro: sapato
para galinha, bainha para foice e, obviamente, os parasitas que não trabalham:
carteiristas, malandros e vadios. Também, em meio a essa bulha, os resíduos
humanos, de mãos súplices, no ofício da mendicância (retalhinhos das chagas
sociais de um país tão exuberante feito um automóvel galhardo, mas em estado de
enguiço, apeado do vigor, exposto ao vexaminoso flagrante de pôr-se a reboque por lhe haverem despojado as partes
valiosas. Ensoberbecido e afeito ao raro privilégio dos menus à La
carte, o país instou-se a migrar para o cardápio dos comuns: lata de almoço debaixo do braço. “O que é que você troxe na marmita, Dito? — Troxe
ovo frito e torresmo a milanesa”).
Mas a página efervescente
das feiras esmaeceu, apequenou-se. O destino, agenciador de venturas e
desgraças, encarregou-se de aplacar o fervor desses ababelados locais de
mercancia popular. O que era exaltação e arrebatamento quedou-se: virou acalmia
melancólica. Enquanto houver uma feira triste haverá uma pátria mal aviada.
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