Livro artesanal editado por Edson Guedes Moraes |
17 de dezembro Diário Incontínuo
POEMAS EM
GARRAFAS AO MAR
Elmar Carvalho
No dia 27 de
novembro, cedo da manhã, cheguei à portaria do prédio onde mora o poeta Rubervam
Du Nascimento, meu amigo e conhecido desde o final da década de 1970, quando
nos conhecemos, em Parnaíba, conforme já registrei neste diário. O vate não se
fez esperar, e logo seguimos para Luzilândia, onde participaríamos do II
Festival Literário das Águas – FLIÁGUAS. Eu faria uma palestra sobre o tema “A poesia no contexto das
novas linguagens e recursos tecnológicos” e o Rubervam discorreria a respeito
de “O Lugar do Poema”, em que ele aplicaria uma oficina poética.
Embora nossa
amizade tenha se mantido sempre firme, sem nenhuma espécie de arranhão, nos
encontramos raramente, mas sempre que isso acontece a alegria e o congraçamento
são efusivos, de sorte que a viagem de mais de quatro horas, posto que fui sem pressa,
foi entremeada de histórias e de “causos” pitorescos, jocosos, anedóticos.
Recordamos algumas conversas anteriores, mas surgiram muitas novidades, tanto
minhas como dele.
Há muitos anos
li texto, no qual o escritor Eduardo Galeano dizia que publicar livros é como meter
uma mensagem numa garrafa e lançá-la ao mar; a possibilidade de que alguém a
leia é muito remota. Exatamente por causa dessa frágil perspectiva, fiquei
admirado de três, digamos, coincidências que Rubervam me relatou.
Disse-me que
nos idos de 2003, numa viagem de fiscalização do Ministério do Trabalho,
encontrou na cidade de Paulistana a professora Tânia Rosado Paranaguá, que lá
se encontrava em trabalho de pesquisa sobre a oralidade de quilombolas da
região. Ela lecionava na Universidade Federal de Pernambuco – Campus de
Arcoverde, em cuja cidade residia. Ela lhe revelou apreciar minha poesia. Por
que meios misteriosos alguns de meus poemas chegaram a seu conhecimento não
posso imaginar, uma vez que nossas edições são pequenas e precárias, e sempre
circunscritas a algumas poucas pessoas de Teresina e de duas ou três cidades
interioranas.
O nosso poeta,
em outra viagem a serviço, em 2004, encontrou em um restaurante da longínqua
Parnaguá um rapaz de nome Evangelista de Lima, que se encontrava, sozinho a uma
mesa, a ler um livro de poemas de H. Dobal. Por ser um fato raro, chamou a
atenção de Rubervam, que entabulou rápida conversa com ele. Descobriu tratar-se
de um leitor contumaz de literatura, que disse gostar de nossa poesia. Como
meus versos foram esbarrar em plagas tão distantes e cair em terreno tão fértil
também me é outro mistério, que prefiro não decifrar, para entender esse fato
pouco provável como algo um tanto enigmático.
Rubervam também
me falou que muitos anos atrás, ao participar de um debate sobre poesia na
desvairada Pauliceia, encontrou o poeta José Almino, nascido em Pernambuco, que
se referiu a minha poemática de forma elogiosa. Disse que a conheceu através do
festejado poeta e sociólogo Clóvis Moura, que me incluíra na seção Quatro
Poetas (do Piauí) da revista LB – Revista da Literatura Brasileira, número 6,
na qual me encontro na agradável companhia de Da Costa e Silva, H. Dobal e
Clóvis Moura. Aproveitei para ler e reler o grande poeta José Almino, que é a
melhor maneira de se render homenagem a um literato, sobretudo numa época em
que poucos leem os escritores e poetas nacionais.
Ainda na
esteira dessas surpresas agradáveis, contei a Rubervam que havia recebido,
alguns meses atrás, um e-mail do poeta e contista Edson Guedes Moraes, no qual
ele, de forma elegante, me pedia “desculpas” por somente agora haver conhecido
minha poesia. De forma surpreendente, no mesmo bilhete eletrônico, o poeta, que
é também editor, anunciou-me que faria uma edição artesanal, de exemplar único,
contendo o meu poema Noturno de Oeiras. Guedes foi além do anunciado, e poucos
dias após me enviou um volume primoroso, verdadeira obra de arte, com o
referido texto, devidamente ilustrado, em papel couchê de altíssima qualidade,
e mais alguns exemplares artesanais (diria louçanias gráficas) de uma bela
antologia de meus poemas. Sem dúvida, o escritor e poeta Edson Guedes Moraes
recebera uma das garrafas lançadas ao mar, cujo conteúdo era alguns de meus textos
poéticos.
Quando menos
esperei, ante a agradável conversa que tivemos, eu e o poeta Rubervam chegamos
a Luzilândia, onde fomos recebidos, com toda fidalguia pelo escritor e poeta
Ivanildo Di Deus, que todos os anos, há mais de duas décadas, promove encontros
literários e culturais em sua bela terra da luz, à beira do Velho Monge
erguida.
Entre outros, lá
estavam os poetas, escritores e historiadores Dalila Teles Veras (da qual tive
a satisfação de receber os livros Solidões da Memória, estranhas formas de vida
e Retratos Falhados), Adrião José Neto e João Renôr Ferreira de Carvalho. Em
Luzilândia, Rubervam me autografou seu livro Espólio, vencedor do VI Prêmio
Literário Livraria Asabeça 2007 – Categoria Poesia. Aliás, nos últimos anos o
vate de A profissão dos peixes arrebatou importantes prêmios nacionais com a
sua poesia sempre carregada de novidades estéticas e estilísticas.
À noite, em
esplêndida homenagem, recebemos (Dalila, Adrião, Rubervam, Francisco Miguel de
Moura, Hardi Filho (in memoriam), Cícero Brito, Glayds Castro e este cronista)
o honroso Título de Cidadão Luzilandense, concedido pela Augusta Câmara
Municipal de Luzilândia, em que todos os vereadores, o vice-prefeito
Oliveirinha e os homenageados proferimos breves e comovidas palavras.
Ao escrever um artigo recente acerca do que chamei de "escritores em perigo", no qual comentei as atuais dificuldade de quem escreve, pelo menos, em terras brasileira, agora, lendo o seu diário, me refaço de alguma tristeza que deixo transparecer no meu citado artigo.
ResponderExcluirOs relatos que V., Elmar, com tanta leveza faz na crônica acima, são provas evidentes dos acasos da vida mitas vezes madrasta
Fiquei contente por V. e pela conversa do Rubervam das notícias boas sobre ressonâncias e feedbacks que só acalentam os nossos espíritos quando se encontram anuviados de melancolia à maneira de grande parte dos textos do sempre celebrado romancista Machado de Assis.
Ora, isso faz bem ao nosso íntimo, às nossas por vezes desesperanças de vida de escritor em qualquer gênero literário.
Por isso, o texto do seu diário ora rapidamente comentando, é prova irrefutável de que nem tudo está contra os escritores. Se não é muita notícia, o suficientemente para alegrar as nossas mentes, a sua, a minha, a dos outros homens de letras de que este país é tão rico, graças a Deus.
É um conforto que todos esses incidentes se tenham dado a conhecer e, o que é melhor, testemunhados a tempo e em tempo.
Aguardo que outros lhe venham e aos demais escritores do Piauí e de outras partes do imenso Brasil a fim de nos confirmarem que não estamos tão isolados assim dos leitores.
Um grande abraço do
Cunha e Silva Filho
Errata: No primeiro parágrafo do meu comentário, em vez de "terras brasileira", corrija-se para "terras brasileiras." Obrigado.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirCaro Cunha,
ResponderExcluirEvidentemente, tive, ao longo de minha vida, outras poucas e alegres "coincidências", como as relatadas na crônica, mas não tratei delas por dois motivos: um, para não alongar o texto; dois, porque desejei me restringir apenas às abordadas na viagem.
Abraço,
Elmar Carvalho
Caro Poeta,
ResponderExcluirÉ esse, me parece, o verdadeiro pagamento recebido pelos operários das letras nesses país de poucos leitores. E não é pequena coisa. Depoimentos deste tipo enche a nossa alma de júbilo.Que melhor estipêndio poderíamos desejar?
Caro JP,
ResponderExcluirVc captou o espírito da coisa.
Já que financeiramente a literatura em plagas piauienses não rende lucros, esses raros e circunstanciais reconhecimentos nos estimulam a continuar produzindo nossos textos, que são os que falam de nossa aldeia e de nossa província.