Manuel Bandeira. Fonte: Google |
MODERNISMO BRASILEIRO:A DIMENSÃO QUE LHE FALTOU (3)
5. MODERNISMO E MODERNIDADE
Não só no campo literário como também
nos setores institucionais, culturais e econômicos, o país que pretende
inserir-se era da modernidade deve levar em conta um saber a ser construído
tendo como condição prévia as idéias de diferença, sob pena de se manter
unilateralmente uma postura absolutista e autoritária. Esta postura assumida
não pode ter por isso um caráter intransitivo.
O projeto de modernidade brasileiro será
eficaz na medida em que se abrir alteridade – a via de acesso à “vida do
mundo.” Se, porém, limitar-se às imposições do discurso próprio e não admitir a
travessia para o discurso diferente não se constituirá em projeto solidário e
democrático[5]
Todo discurso autoritário esquece e anula
qualquer argumento em contrário. Vejam-se, no caso brasileiro, a era do Estado
Novo, o longo período da ditadura militar com o apoio de faixas da sociedade
civil. O discurso político brasileiro, mesmo nos períodos considerados
democráticos, não se fez tendo como princípio diretivo o bem-estar coletivo do
país, a massa da população. O desenvolvimento do país, quando houve, foi feito
sempre por exclusão. A modernidade que daí surgiu teve sempre um sentido de
incompletude. Os grandes projetos de desenvolvimento industrial, tecnológico,
as reformas econômicas foram concebidas sem consultar as populações em nossas
Casas Legislativas.
Os dois últimos governos federais que
tivemos, o de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, assimilando modelos
de economias advindos do neoliberalismo, são dois flagrantes exemplos de como o
conceito de democracia se relativizou. O que esses governos nos impuseram,
através de medidas provisórias, alterou profundamente a sorte dos brasileiros,
sobretudo dos mais desfavorecidos. Tudo isso se fez em nome de uma suposta
modernidade de abertura do país à globalização da economia. Ora, alterações bruscas
no sistema econômico, se por um lado alavancavam o país a muitas conquistas no
campo da economia do mercado, por outro lado essa modernidade deixava lacunas
em que certas camadas da população ainda ficaram presas a modos de vida
arcaicos e abandonados pelo Estado brasileiro.
A melhor imagem que teríamos dessa
modernidade abrupta e intempestiva é a de um país que se tem construído por
saltos e com tamanho açodamento que a realidade brasileira se torna um mosaico
de realidades convivendo, até hoje, ao mesmo tempo Primeiro Mundo com Terceiro
Mundo, considerando aqui essa divisão meramente de desigualdades e tempos
desencontrados ou assimétricos. Basta vermos o que oferece o interior do país
não só no Nordeste, mas no Sul e em toda parte, sem se falar das periferias
urbanas.
São populações que – é preciso
enfatizar - vivem em tempos diferentes e num país que se arvorou de chegar à
modernidade. Aludimos aqui à coexistência de realidades sociais díspares. Por
exemplo, convivemos ainda com crônicos problemas : analfabetismo, analfabetismo
funcional, ignorância da população sobre benefícios sociais vigentes ou que, no
vendaval das reformas, são retirados pelos governos,sem consultar os
interessados. E não estamos falando de outros gravíssimos problemas que
permanecem nos desafiando: violência, educação pública deficiente, transporte
coletivo insuficiente, saneamento básico precaríssimo.[6] Essa situação
assincrônica da realidade brasileira corresponde, no plano cultural, à
advertência de Eduardo Portella: “Com a chegada da pós-modernidade corremos o
risco de sermos uma cultura pós-moderna sem termos sido moderna.”[7]
Que modernidade é essa que permanece
subserviente a interesses de em organismos transnacionais que ditam o que bem
entendem sobre a realidade de um país do mudo, gerando mais miséria e um
contingente cada vez maior de desempregados? Que democracia é essa que vem a
reboque das ditaduras econômicas? É nessa altura de nossa reflexão que
percebemos a pertinência da interpelação lúcida do crítico Eduardo Portela:
(...) para que serve a
modernidade se não é capaz de reforçar a democracia? Se não conseguir ampliar o
campo da justiça social? Não se pode negar que o Brasil vem fazendo algum
avanço âmbito da democracia real. Menos satisfatórios ou mesmo insuficientes,
se levarmos em conta cada vez mais a velha e cada vez mais concentração de
rendas, são os ganhos em termos de equidade social. (...) [8]
Na esfera literária, os dois conceitos
Modernismo e Modernidade para Eduardo Portella merecem ser melhor equacionados
e compreendidos. O ensaísta levanta, primeiro, uma questão moderno?” O que
sucedeu ao verde-amarelismo não foi senão ter descambado para ideários
fascistoides?
No pensamento do ensaísta o que
seria mais saudável e proveitoso à nossa herança cultural teria sido não uma
cisão, mas um aproveitamento do legado romântico e a apreensão das novas
contribuições que vieram somar-se àquelas oriundas do Romantismo, movimento
cultural com amplas ressonâncias que vão até às vanguardas.
A realização plena e compensadora entre
polos diferentes só se efetiva na convivência das diferenças, ou, como assinala
Portella, no “... chegar de coabitação fácil e frutíferas convivências
imprevisíveis e de intercâmbios simbólicos inabituais.” [9]
Portella propõe três tipos de
modernidade no quadro da cultura brasileira contemporânea, convivendo
sucessivamente ou, segundo ele próprio sugere, simultaneamente: modernidades
das nações, dos nacionalismos e das desnacionalizações. O ensaísta ainda fala
de uma outra, a que chama de “derradeira modernidade.”
Antes de se configurar como um povo com
contorno nítidos o brasileiro sofre o impacto catastrófico do anonimato e de
uma realidade conturbada pela invasão das massas e presa fácil, conforme acentua
o ensaísta, de manipulações.
Retomando a advertência feita
anteriormente no mesmo ensaio ao afirmar que os podíamos cair no risco de
sermos pós-modernos sem sermos modernos, Portella reclama por uma revisão
crítica do Modernismo. Todavia, na concretização desse objetivo ele
desqualifica a discussão por ele denominada peleja mesquinha entre
mundialização dos mercados e mundialização dos valores. Nesse ponto, não vejo
como peleja mesquinha uma discussão mais ampla entre duas realidades
confrontadas pela Modernidade.
A globalização afetará, sim, a universalização dos valores. Os males
provocados pela economia globalizada neoliberal trazem no seu bojo os
sacrifícios populações mais desafortunadas, sobretudo com o desemprego, a instabilidade
no trabalho com o temor implantado sub-repticiamente pela engrenagem dos
mecanismos psicológicos, a miséria, a fome em gruas progressivos, assim como –
e já estamos sentindo isso na pele em nosso país - a redução do papel do Estado
como responsável por áreas vitais como saúde, educação, formando um quadro
social injusto e comprometendo as condições de vida no planeta.[10]
Seria muito bom e tranquilo para os
destinos da humanidade se a globalização e o universalismo na visão que nos
passa Rouanet[11] tivessem na práxis os resultados por ele pretendidos. Não
bastam só organismos democraticamente formados para decisões de foro
internacional a fim de que soluções sejam encaminhadas convenientemente. O
vetor da racionalização, para usarmos o termo desse ensaísta, ipso facto, não
vai, posto que de forma duradoura, conviver pacificamente com o vetor da
emancipação dos indivíduos.
A economia - ninguém pode refutar esse fato – pouco está se importando
com o comportamento humano, uma vez que o racionalismo nela está assente em
fatores tais como lucro, risco e competição, os quais, por só, nada têm a ver
com solidariedade e sentimentos piedosos...
Portanto, o pensamento projetivo
de Rouanet nos parece mais um objetivo de teor triunfalista e mesmo utópico,
ainda quando procura atenuar conceitos como globalização e internacionalismo ao
defender aqueles que lhe parecem mais apropriados ao entendimento da
modernidade: autonomia e universalismo. (Continua).
NOTAS:
[5] PORTELLA. Eduardo (1984. Op.
cit
[6] Este ensaio é uma versão refundida
de uma monografia escrita durante o meu Doutorado na UFRJ, em 1998. A
perspectiva histórico-ideológica se restringe à realidade do país das décadas
de 1980 e 1990. O tema desenvolvido se encontra ainda bem atual. A situação
social, com a economia em recessão, foi agravada profundamente. O resultado de
governos mal administrados e perdulários, entre outros malefícios que nos
afligem, logo se fez evidente na escalada da violência. A nação atravessou e
está ainda atravessando uma fase de imoralidade política jamais vista na
historia política brasileira diante do pipocar de escândalos de corrupção
governamental nos níveis federal, estadual e municipal. Corruptores e
corrompidos se deram as mãos no enlace fatídico e cínico entre o público e o
privado. A senha entre público e privado passou a ser a propina, o dinheiro em
malas, a formação de quadrilhas e a lavagem de dinheiro no setor público aliado
a parte do alto empresariado conforme se viu no Escândalo do Mensalão, Operação
LavaJato e tantos outros surgidos atualmente no país envolvendo os governos
Lula, Dilma, Temer, governadores e políticos no exercício de seus mandatos.
[7] PORTELLA, Eduardo (1984),
op.cit., p.6.
[8] PORTELLA, Eduardo (1986), OP.
CIT., P. 5-6.
[9] PORTELLA, Eduardo (1997), OP.
CIT., P. 7.
[10] BOURDIEU, Pierre. (1999).
[11] ROUANET, Sérgio Paulo 1997).
Op. Cit.
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