Boca de forno...jacarandá...se
não for, apanha!
José Maria Vasconcelos
Cronista,
josemaria001@hotmail.com
Líder grita: Boca de forno. Garotada responde:
Forno. Líder: Jacarandá. Garotada grita: Dá. Líder aumenta o tom: Se eu mandar.
Garotada animada: Vou. Líder ameaça mais alto: Se não for? Garotada surpreende:
Apanha. Líder, decidindo: Reman, reman, quem trouxer... Todos os comandados
ouvem, atentos, a ordem para tarefa ingrata, e correm para cumpri-la. Quem
regressar de mãos vazias, leva uma palmadinha. A folclórica e inocente
brincadeira encontra-se desaparecida da moderna geração adolescente, perde a
inocência, ludibriada com as fantasias virtuais. A brincadeira, continua,
mas diabólica, na ciranda de adultos
poderosos da República. No Piauí, principalmente. Volto já ao assunto.
Minha doce infância, anos 50,
modesta Teresina, Piçarra piçarrenta,
inúmeras casas de palha, ruas sem água encanada nem calçamento e
iluminação pública. Noites de lua cheinha de luz, mocinhas e crianças brincavam
de ciranda, meio da rua, boca de forno, jacarandá. Ainda pirralho, sentava-me
na calçada da bodega de meus pais, Martinho e Dedé. Divertia-me só de ver a
bela Princesa, filha de Seu Artur e Dona Mariquesa, comandando o círculo de
cantigas e canduras. Princesa mais tarde casaria com o empresário Nilo,
proprietário de livraria, hoje várias filiais nas mãos prósperas dos herdeiros.
“Ciranda, cirandinha, vamos todos
cirandar/Vamos dar meia volta/Meia volta vamos dar!” O tempo passou.Volto
a outras cirandas e bocas de fornos
diabólicos a engabelar a opinião pública com rodeios, tapeações, falsas
promessas e desvios de dinheiro público. Enchem a cara de hipocrisias e risos a
fim de esconder fortunas das bocas de fumo, verbas públicas. Milhões de
cidadãos, coitados, na ciranda das precariedades nos serviços públicos. A ciranda
de governantes dança, carnavaleia, turistando mundo afora, tripudiando sobre
salários atrasados dos funcionários, discurso arrocho em vista a
responsabilidades fiscais No Palácio, repartições e setores da imprensa, porém,
distribuem-se comissões a centenas de comandados, que, “se ele mandar...vou...se não for...” não
pega “faz-me rir” e bacalhau. Subservientes até por talagada de propina, mesmo
que uma bolsinha contra fome.
Genial Luís Gonzaga gravou a bela
e popular canção (Boca de Forno) da garotada,
em 1982. A brincadeira estimula a agilidade, capacidade motora, talento,
concorrência decente. Buscar a prenda sem punição (e Lava Jato) ou recompensa
falsa. Ciranda do companheirismo decente, sem passar a perna para derrubar os
outros. Sem consciência imunda.
A esperança de nosso povo anda
por um fio de perder a fé no impossível de acontecer: justiça, caça aos
larápios da merenda escolar, saúde dos velhinhos, crianças e senhoras grávidas,
sem leitos nem atendimento. Puxa-sacos e vira casacas correm às bocas de forno
e jacarandás, atrás da ajudinha em troca da dignidade. Sem méritos, sem
convicções sociais, sem patriotismo. É a pátria pelo prato.
Na infância, sonhei belos
castelos, mesmo na pobreza de meus pais. Na modesta bodega, depois farmácia,
vi-os conquistar a prosperidade, mas distribuindo generosidades aos mais
pobres. Nós, filhos, herdamos-lhes virtudes como dádivas. Hoje, observo quão cruel
a dura realidade por que atravessam milhões de brasileiros. Esvaíram-se sonhos
extraídos das brincadeiras de cirandas de antanho: coleguismo prazeroso,
agilidade, mérito e justiça. Hoje, só desencanto, assistindo a tragédias
sociais e morais, a ponto de, em vez das cirandas, cirandinhas e boca de forno,
revivo, outrossim, versos do soneto de Augusto dos Anjos: “Meu coração tem
catedrais imensas/ Templos de priscas e longínquas datas,/Onde um nume de amor,
em serenatas,/Canta a aleluia virginal das crenças/... No desespero dos
iconoclastas/Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!"
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