segunda-feira, 7 de maio de 2018

Capitão Francisco da Cunha e Silva Castelo Branco



Capitão Francisco da Cunha e Silva Castelo Branco

Reginaldo Miranda (*)

Em seu tempo foi um dos cidadãos mais abastados, importante prócer político e o principal comandante militar da vila de Campo Maior, no centro-norte do Piauí. Com ele tem início a tradição da família Castelo Branco naquela vila, hoje cidade. É o patriarca de uma das mais distintas famílias do Brasil, de que descendem muitos escritores, jornalistas, professores, magistrados, profissionais liberais, políticos, inclusive barões do Império, parlamentares, presidentes de província, governadores de Estado e um presidente da República.

Porém, a história de sua família lhe precede no Nordeste do Brasil. Tem início a família Castelo Branco com seu avô materno, o nobre português Dom Francisco de Castelo Branco, mui impropriamente dito Dom Francisco da Cunha Castelo Branco, natural de Lisboa, capitão de infantaria radicado na cidade da Paraíba do Norte, em 1695 e, depois, em São Luís do Maranhão, a partir de outubro de 1700, onde veio a falecer no recuado ano de 1733. Dele herdou o nome e os foros de nobreza, vez que aquele era irmão do conde de Pombeiro e com raízes plantadas no seio das mais distintas famílias lusitanas. A avó materna, Maria Eugênia de Mesquita, não menos nobre, era também lisboeta e falecera em outubro de 1700, na baía de São Marcos, nas costas do Maranhão, quando de mudança para aquela cidade, deixando três filhas menores: Ana, Clara e Maria de Monserrate, que sobreviveram ao naufrágio.

Portanto, sua distinta família tem tradição matrilinear, tendo sido sua iniciadora dona Clara de Castelo Branco Cunha e Silva, filha daquele casal, que, depois do consórcio mudou sua residência para a fazenda Boa Esperança, hoje cidade de José Freitas, então integrante do território em que se fundaria o curato de Santo Antônio, no ano de 1711. Embora nobre, seu avô materno faleceu sem deixar cabedais. Foi seu pai, o comissário de cavalaria Manoel Carvalho de Almeida, quem construiu a fortuna da família, fundando diversas fazendas com numeroso rebanho. Era também português, filho de Belchior Gomes da Cunha e de sua esposa, dona Izabel Rodrigues Correa (o nome Carvalho de Almeida, certamente, homenageia ancestrais remotos). Tendo mudado para a colônia, casou-se com aquela nobre portuguesa e fixou-se no vale do Longá, onde iniciou carreira militar no posto de alferes de ordenança, depois passando a comissário de cavalaria. Foi o mais valoroso auxiliar do mestre-de-campo Bernardo de Carvalho e Aguiar, na luta contra as nações indígenas daquele território, em cuja campanha ganhou notoriedade.

Manoel Carvalho de Almeida, foi um dos fundadores do curato de Santo Antônio, que deu origem à cidade de Campo Maior, em terras do mestre-de-campo Bernardo de Carvalho e Aguiar. Provavelmente, esse último era seu tio materno, porém, ainda não temos prova dessa assertiva. O certo é que pouco tempo depois da fundação do curato, em 1711, Bernardo de Carvalho e Aguiar muda seu domicílio para a Aldeia Velha, no Maranhão, hoje cidade de São Bernardo. E o comissário de cavalaria Manoel Carvalho de Almeida, se firma como o principal líder da nova freguesia, depois termo e vila de Campo Maior. Esses fatos têm causado certa celeuma. No entanto, é hora de colocarmos cada fato em seu lugar. O mestre-de-campo Bernardo de Carvalho e Aguiar, em 1695, foi fundador da fazenda Bitorocara, depois Santo Antônio, que deu origem ao curato, depois cidade de Campo Maior. Foi co-fundador e benemérito do curato e capela de Santo Antônio, em 1711. No entanto, dez anos depois abandonou essa localidade, passando a residir no Maranhão.  Embora tenha deixado um filho naquele termo, cidadão abastado, que também exerceu influência, provavelmente aliado ao primo, não se pode negar que, pela patente militar e pela abastança das fazendas, foi Manoel Carvalho de Almeida o sucessor de Aguiar no comando militar e na liderança social do novo termo de Santo Antonio dos Alongases, depois vila de Campo Maior. Embora a liderança tenha sido, a princípio, compartilhada entre esses dois líderes, mais tarde esse último se consolidaria na chefia do lugar. Não há dúvida, pois, de que foi o comissário de cavalaria Manoel Carvalho de Almeida quem criou a base econômica e projetou a família Castelo Branco, em Campo Maior e no Piauí de antanho. Construiu ele ao lado de sua residência, a capela de Nossa Senhora do Livramento, com licença do governador do Bispado, Dr. Antônio Troiano, onde mais tarde tomou sepultura, assim como também sua esposa e outros familiares.

Pois, conforme dissemos na abertura desse ensaio biográfico, foi seu sucessor na carreira militar e na liderança comunitária, o filho Francisco da Cunha e Silva Castelo Branco, também assinando Francisco da Cunha Silva de Castelo Branco. Nasceu ele na referida fazenda Boa Esperança, hoje cidade de José de Freitas, cerca de 1716, onde viveu sua infância e mocidade, alternando os banhos nos riachos com as correrias pela fazenda e brincadeiras típicas de sua época.

Recebeu educação apropriada para um menino de sua condição social, com futuro projetado para a carreira militar, exercício dos cargos públicos e administração de fazendas. Essa educação foi ministrada na própria fazenda, pelos genitores e depois aprimorada pelas aulas particulares do padre Manoel Ribeiro Meira, presbítero do hábito de São Pedro, que ali na fazenda, às expensas de seu pai, lhe ministrou aulas de gramática, assim como a outros familiares e amigos da família. O mais aprendeu como autodidata.

Desde cedo ingressou na carreira militar, sentando praça nos postos inferiores a ascendendo gradualmente: soldado, furriel, alferes, tenente, etc. Por esse tempo servia ao lado do pai, a quem se propunha imitar.

Com a organização das forças militares do Piauí, por ordem régia de 1760, foi ele provido no posto de capitão de cavalaria auxiliar da capitania, em cujo exercício se distinguiu e se singularizou. Passou a chefiar a companhia sediada na vila de Campo Maior.

Com a guerra na Europa, seus serviços se fizeram mais laboriosos no ano de 1762, quando foi destacado com sua companhia para o porto da vila de São João da Parnaíba, aonde se demorou oito meses, sob o comando do primo, tenente-coronel João do Rego Castelo Branco. Ali permanecerem de atalaia, alojados na praia em barracas de palha por eles construídas, comendo carne de gado sequestrado das fazendas de seu cunhado Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar, o velho, como herdeiro do irmão José de Abreu Bacelar, cuja alimentação era alternada com peixes e mariscos pescados no delta pela soldadesca ociosa. De olhos postos no mar, à espera do inimigo francês que nunca chegou, retornaram em junho de 1763, depois de receberem notícia da paz firmada entre os contendores e autorização para retornarem ao seu quartel (Arquivo Público do Piauí. Códice 146. P. 84v/86. 117).

Desde então, passou a fazer as mais diferentes diligências do real serviço, visando dar segurança ao termo de Campo Maior e adjacências. Em carta de 7 de junho de 1779, o governo interino do Piauí participa ao general do Estado, Joaquim de Melo e Póvoas (17.10.1761 – 5.11.1779), dos insultos praticados por grande quantidade de facinorosos, entre esses um celerado Antônio Félix, da família dos Mombaça, que infestavam os termos das vilas de Campo Maior e Marvão, corridos que eram das capitanias vizinhas. Então, pelo novo general Dom Antônio de Sales e Noronha(6.11.1779 – 13.2.1784) foram encarregados da arriscada diligência de captura dos mesmos, os capitães Francisco da Cunha e Silva Castelo Branco e Luiz Carlos Pereira de Abreu Bacelar, o moço, tio e sobrinho, ambos “sem dúvidas oficiais de muita honra e probidade, e de quem nunca houveram queixas que criminassem o seu comportamento”, diria o referido general. E marchando esses militares em cumprimento de seu dever, tiveram notícia de que aquele celerado e seus agregados se achavam arranchados num sítio denominado Romão, para onde seguiram de forma imediata, bloqueando os caminhos e cercando as rancharias. Então, enviaram um contingente para que os intimassem a render as armas e se entregarem presos em nome de Sua Majestade. Porém, aqueles criminosos resistiram, respondendo com rajadas de tiros contra a tropa, que teve de apear com rapidez e proteger-se por trás dos cavalos de montaria. Morrem alguns dos animais e ficou levemente ferido Luiz Carlos e um seu fâmulo ou escravo. A esta resistência se opôs tenazmente a tropa, respondendo com armas de fogos e com catanas, em acirrado combate com os criminosos, entre esses caindo sete mortos e fugindo outros que escaparam ao cerco. Estava cumprida a arriscada diligência, de que provaram o seu valor.

Mais tarde, em dezembro de 1780, aparecendo em São Luís do Maranhão os cabos da tropa para darem parte da missão, foram embaraçados em seu retorno e covardemente presos à ordem do general do Estado, que teve a desfaçatez de dizer que foram apenas acautelados para resguardá-los da vingança dos Mombaça. Em verdade, ficaram encarcerados por quase três anos, em segredo, sem culpa formada, de que tudo foi denunciado a el-rei. De fato, tratava-se de intrigas e desavenças, entre outras, envolvendo seu sobrinho Luiz Carlos e o ouvidor do Maranhão, Julião Francisco Xavier da Silva Sequeira Monclaro (AHU. ACL. CU 016. Cx. 14. D. 796).

Em matéria de defesa juntaram os injustiçados presos muitos documentos e declarações de autoridades do Piauí, atestando o seu bom procedimento. Entre essas a do padre Antônio Luiz Covete, mestre em Artes e presbítero secular do hábito de São Pedro, pároco e vigário da vila de Marvão do Piauhy, datada de 26 de janeiro de 1782. Atesta “debaixo do juramento dos Santos Evangelho, em Juízo se necessário for, aos que a presente atestação virem, em como o capitão Luiz Carlos Pereira de Abreu Bacelar e seu tio o capitão Francisco da Cunha e Silva de Castelo Branco, em todo o tempo que sirvo de pároco nesta vila, dos ditos senhores mencionados sempre tive perfeito conhecimento de serem abastados de bens temporais, de graduação e nobreza, e a principal família desta Capitania; vivendo sempre com capricho e honras, (...) e nunca constou estes nem todos os mais irmãos e sobrinhos da Casa da Serra Negra matassem e nem espancassem a pessoa alguma e nunca (...) ultrajaram a ninguém, [sendo] muito tementes a Deus e a Justiça de Sua Majestade” (AHU. ACL. CU 016. Cx. 14. D. 796).

Portanto, depois de provarem a sua inocência e a arbitrariedade da prisão, foram, ambos, postos em liberdade e, assim, retornaram às suas respectivas casas e fazendas, bem como às suas atividades militares.

O capitão Francisco da Cunha e Silva Castelo Branco, era abastado criador e senhor de fazendas no termo de Campo Maior, hoje de José de Freitas, entre as quais: Boqueirão, onde passara a residir, com duas léguas e meia de comprido e outras tanto de largo, havida por herança de seu genitor; um sítio(roça) há duas léguas de distância do corpo dessa fazenda, com área que não chegava a um quarto de légua, cujo terreno fora descoberto por um escravo de seu pai e fora por ele povoada; Mundo Novo, com três léguas de comprido e uma de largo, que lhe fora dada em sesmaria; por fim, no vale do rio Piauí, termo de Oeiras, possuía a extensa fazenda Água Verde, com sete léguas de comprimento e meia de largura, que fora povoada pelo pioneiro Martinho Soares e deste passou aos jesuítas, de quem fora sequestrada e passada à real fazenda, depois lhe sendo doada por el-rei em razão de relevantes serviços prestados à coroa.

O capitão Francisco da Cunha e Silva Castelo Branco, foi um homem de prestígio em seu tempo, dominando a vila de Campo Maior, no centro-norte do Piauí. Seu sobrinho Luiz Carlos Pereira de Abreu Bacelar, era também o cidadão mais abastado e o principal chefe político da vila de Valença, exatamente a municipalidade contígua entre Campo Maior e Oeiras, então capital do Piauí. Em Oeiras foi paulatinamente assumindo a liderança política do lugar, o ajudante Antônio do Rego Castelo Branco, primo dos antecedentes. Na vila de Jerumenha, vale do Gurgueia, também era grandiosa a influência de Antônio do Rego Castelo Branco, porque ali morara, era a terra de sua genitora, tinha inúmeros parentes, inclusive sendo também área de influência de seu cunhado Antônio Pereira da Silva, este com inúmera parentela no lugar. Portanto, esses três parentes representavam o âmago do poder na capitania do Piauí nos últimos decênios do século XVIII e primeiro do século seguinte, porque eram ricos, poderosos, respeitados e governavam o centro da capitania. Nas três vilas remanescentes, tínhamos Parnaíba com Simplício Dias da Silva, também rico herdeiro, boêmio, dândi revolucionário, que ficou à margem dessa engrenagem política, o mesmo acontecendo com seu primo Manuel Antônio da Silva Henriques, ambos tendo se recusado, em oportunidades diversas, a assumir o governo do Piauí,  e o mais político deles, João Paulo Diniz, que, de uma forma ou de outra, aliaram-se a esse grupo; na vila de Marvão, hoje cidade de Castelo do Piauí, nunca existiu uma grande liderança influente no Piauí, porque as famílias mais abastadas como os Guedelha Mourão e os Lima, do vale da ribeira do Crateús, foram mais ligadas comercialmente ao Ceará; ali também tinha muitas fazendas e exercia influência, Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar, o moço, Senhor de Serra Negra; o mesmo ocorria com a vila de Parnaguá, no extremo-sul, onde a oligarquia local então liderada por José da Cunha Lustosa, era mais ligada ao sertão do rio São Francisco, e, consequentemente, à Bahia. Portanto, a família Castelo Branco dominava o Piauí naquele período histórico.

Em 1787, o capitão Francisco da Cunha e Silva Castelo Branco, pleiteou o hábito da ordem de Cristo, não lhe sendo deferido porque o processo estava incompleto, sem os serviços serem devidamente justificados. Mais tarde, em 1790, justificou nobreza recebendo brasão de armas em 24 de novembro, usando dos apelidos de Carvalho, Almeida, Cunha e Castelo Branco por serem dos ascendestes das nobres famílias a que os ditos apelidos pertencem. Em 2 de dezembro de 1788, recebe em sesmaria a fazenda Mundo Novo, à qual depois pede confirmação a El Rei (AHU. ACL. CU 016. Cx. 017. D. 85 e 851. PT/TT/CR/D-A/004/0026/00012. CRCN-PJN, mç. 26, doc. 12).

O capitão Francisco da Cunha e Silva Castelo Branco, foi casado com sua prima, dona Anna Rosa Pereira Tereza do Lago, nascida em Jacobina, na Bahia, filha de Antônio Carvalho de Almeida, português, parente distante de seu pai e de dona Maria Eugênia de Mesquita (2ª do nome), esta filha do capitão-mor João Gomes do Rego Barra e dona Anna Castelo Branco de Mesquita, irmã de sua mãe. O casal gerou seis filhos, a saber: Antônio da Cunha, Francisco Gil, Marcelino José da Cunha, Ignácia Pereira Tereza, Luiz Mariz e Anna Rosa Clara, todos Castelo Branco. Por esses varões e varoas é hoje muito numerosa e ilustrada a família desse bravo piauiense, ele com larga folha de serviços prestados ao Estado.

Foi também benemérito da Igreja Católica e da comunidade que deu origem à cidade de José de Freitas, porque na primeira metade da década que se iniciou em 1790, contratou pedreiro para fazer serviços na capela de Nossa Senhora do Livramento. Este profissional de nome Francisco Félix, veio da Bahia, enviado por seu sobrinho o cônego Antônio Borges Leal Castelo Branco, pelo preço de 162$000 (cento e sessenta e dois mil reis), de que o sobrinho adiantou 60$000 e o biografado o restante, que foi pago por seus herdeiros, em virtude de ter falecido durante as obras (CASTELO BRANCO, Miguel de Sousa Borges Leal. Apontamentos biográficos de alguns piauienses ilustres e de outras pessoas notáveis que ocuparam cargos importantes na província do Piauí. Coleção Centenário 3. 2ª Ed. Teresina: Senado Federal-APL, 2014).

Não encontramos informações do óbito desse ilustre piauiense, no entanto já não existia em 15 de agosto de 1798, quando o governador Dom João de Amorim Pereira, envia propostas para o Regimento de Milícias da Capitania, que então se criava. Faleceu já octogenário, em torno do ano de 1796, em sua fazenda Boqueirão, onde residia, hoje nos arredores da cidade de José de Freitas, deixando uma memória honrosa e grande descendência, que iria desempenhar saliente papel na vida pública piauiense.

________________

(*) REGINALDO MIRANDA, autor de diversos livros e artigos, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico Piauiense e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI. Contato: reginaldomiranda2005@ig.com.br     

5 comentários:

  1. Caro Mestre,
    o trabalho realizado pelo acadêmico e historiador Reginaldo Miranda é de uma importância ímpar, em especial por resgatar a história desses desbravadores que se estabeleceram nessa faixa estreita entre os estados do Ceará e Maranhão, e aqui deram início a formação do Piauí e da maioria das famílias piauienses. Sem entrar no mérito da sua atuação como colonizadores, mas, e também, sem desconhecer as suas importâncias como fundadores de um estado futuro.

    ResponderExcluir
  2. Aplausos, portanto, para o seu blog que tem publicado amiúde este trabalho de tanto fôlego e tamanha importância.

    ResponderExcluir
  3. Caro José Pedro,
    O nosso bravo Reginaldo Miranda vem se impontando como um dos mais importantes historiadores do Piauí, mormente com as suas pesquisas e descobertas sobre o Piauí colonial.

    ResponderExcluir
  4. Vixe, Mestre JPA, na minha resposta acima encontrei a palavra "impontando"... O que seria mesmo, um misto de impondo e despontando? Pois seja: o Mestre Reginaldo vem despontando e se impondo como um dos maiorais de nossa historiografia.

    ResponderExcluir
  5. Obrigado aos dois amigos pelos elogios ao meu trabalho! Estamos tentando revelar as origens do Piauí e de sua gente.

    ResponderExcluir