Falar de mim –– é arrepiante, porém não mais me perturba...
Os dias passaram tão jovens, os meses se aproximavam de si,
os anos se despiram em suas galerias abraçados a enormes luas sonâmbulas... e
eu nessa puerícia vivi como um louco, um santo, um profano, talvez por odiar
tantas pressões convencionais. Mas nunca fui cheio de mistérios, apenas fui um
andarilho solitário, sofrendo em cada lugar, a cada hora, um amor perdido...
cruel despedida...
em cada instante, minha incompreensão escandalosa e
provocativa, escrevia em manuscritos arcaicos os dias nos dias seguintes. Após
as tormentas brincar de amar...
Minha insensatez era pura alegria, um jeito manso de viver e
de ver o mundo num facho de luz. Juntava-me aos amigos de sangue e de luz para
gozar de uma embriaguez gloriosa e fugir da saudade pelos meus prazeres
ilícitos. Raízes e sangue já não existem, apenas o meu profético apelo à
abstração.
Enfim cerro a porta de uma vida que foi tão breve, que tanto
me esforcei para entender sua instabilidade e análise da minha própria vida.
Fui um “eu” fugitivo de mundos e de mim, fugia para me libertar dos mistérios
de um tempo que tanto se alonga e de vidas que eram tão sucintas. Aqui estou
regressado ao lugar da minha essência.
O excesso das minhas emoções me violenta na fragilidade dos
meus enigmas. Desço sobre mim um novo olhar quando vejo o meu corpo imóvel e calado
para sempre estendido na tumba. Sinto-me fatigado, assustado e ao mesmo tempo
feliz... e quando o gênio da noite adormece eu posso vislumbrar a chuva
descendo com o ritmo da ventania, olhar as estrelas no céu fugindo perfumadas
de saudade e eu a socorrer a tristeza da noite quase acabada...
É bom regressar e estar só para ouvir o rumor das minhas
palavras cheias de ecos, ainda soltas escorrendo pelas ruas, becos e avenidas
desertas, vagando sobre estradas de trilhos cegos, navegando em águas salgadas e
desconhecidas, amando o entardecer quando a noite se avizinha.
Não mais existe esse “meu” corpo. Ele perdeu sua memória.
Agora existe uma grande distância entre nós. Matéria e Espírito. Meu corpo
pesado abrigava um espírito tão leve, avulso e frágil, dotado de uma
necessidade oprimida. Não encontro lugar para deitar minha alma. Ela vive ainda
uma vida dupla.
Meu coração, ainda sinto o seu pulsar... é uma metamorfose de
um poema épico de cigano de terras distantes.
A morte prendeu meu corpo, jamais meus andarilhos e profanos
pensamentos,
–– águas viageiras de mim.
Gilda Freitas.
OBS.: O texto acima me foi enviado pelo Carlos Rubem, para que o
publicasse no blog, com o seguinte registro, de sua lavra:
“A Gilda Freitas, oeirense nascida em
São João do Piauí, ao aposentar-se como bancária (BNB), desembestou-se a
escrever. Eclodiu toda sua força literária. Revelou sua espiritualidade. Mantém
intensa atividade acadêmica em Fortaleza. Já lançou livros...
Tive a honra de fazer a ponte de
amizade entre ela e o Joca Oeiras - o Anjo Andarilho, falecido há um ano. Ambos
se corresponderam virtualmente.
Agora, ela nos brinda com as
“Confissões do Anjo Andarilho”, em memória do nosso comum amigo, como se vê
abaixo. Uma página de arrepiar!...”
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