(c) Foto de Chico Rasta |
Poeta, contista, cronista, romancista, memorialista e diarista. Membro da Academia Piauiense de Letras. Juiz de Direito aposentado. *AS MATÉRIAS ASSINADAS SÃO DE RESPONSABILIDADE DE SEUS AUTORES, E NÃO TRADUZEM OBRIGATORIAMENTE A OPINIÃO DO TITULAR DESTE BLOG.
sexta-feira, 31 de julho de 2020
A Pedra sem Sal
quinta-feira, 30 de julho de 2020
O doce de buriti
Fonte: Google/Jardim Exótico |
Brincadeira tem hora! Certamente,
pensando assim, José Gregório, dono de um rústico engenho de cana, tornou-se
inimigo de Tomás Maurício, vaqueiro. O primeiro residia na Fortaleza. O outro,
em Sussuapara. Localidades do município de Oeiras. O fato jocoso envolvendo a
ambos aconteceu na década de 40.
A feira citadina se realizava, então,
somente aos sábados. Certa vez, ao entardecer, Tomás comprou no Mercado Público,
um caixão de doce de buriti. Rumou viagem de regresso. Logo que atingiu o bairro
Canela começou a comer a referida iguaria. Passou-a toda no papo. Quando chegou
mais a frente, desceu do cavalo e foi fazer uma precisão, debaixo de um frondoso Chapada. Terminado o serviço, como o auxílio de um graveto,
colocou o excremento dentro do caixote, lacrando-o. Depois deixou este presente no meio da estrada. Ora, Tomás
sabia que quem iria encontrá-lo era Zé Gregório, pois o tinha visto
preparando-se para voltar a sua casa. O caminho a ser percorrido era aquele.
Dito e feito. Não custou muito,
Zé Gregório avistou logo o achado. Saltou-se do meio da carga do jumento.
Apanhou o caixote, guardou-o. Satisfeito, dizia para si:
– “Ah! Atrás deste é que eu andava”.
Apressou a viagem com medo
do dono do doce voltar para procurá-lo.
Zé Gregório chegou em casa lá
pelas sete horas da noite. Mandou a sua mulher, Ana Maria, botar logo a janta.
Estava cansado, faminto. Morava com o casal um neto de nome Sabino, desorientado
do juízo. Vivia pelo mato, não trabalhava. Negro dos olhos amarelos e pés
rachados. Sabino gostava de espiar a comida dos outros. Estava ali reparando o
avô devorar o seu descomunal prato. Uma lamparina luzia vagamente aquele tosco
ambiente.
Acabando de jantar, Zé Gregório
gritou a sua mulher:
– “Ana Maria, traga da mala um doce de
buriti que tá aí...”
A velha veio pressurosa. Colocou
o doce em cima da mesa. Quando Zé Gregório começou a tirar a primeira tala do
caixote, sentiu um mau cheiro avassalador. Pensou que tivesse sido Sabino que
tinha dado um vento. Indignado, bateu
a mão a cintura:
– Espera fio duma égua, que tu vai já cagar fedorento no mato.
Sabino correu de porta afora,
caiu no escuro...
Em seguida, Zé Gregório desmiolou
o doce com uma colher. Quando ia levando-a à boca cismou com os caroços de
feijão no doce. Cientificou-se bem:
– Mas menino, que cabra sem vergonha, fio dum mil e seiscentos
diachos!, bradou.
– O que foi José?, indagou Ana Maria, apavorada.
– Isto é arrumação de Tomás Maurício, eu pensava que era doce e o
condenado era só bosta, respondeu.
Pegou o caixote, atirou-o no
terreiro. Ouviram-se os estalos dos porcos que saboreavam a deliciosa fruta.
– No dia em que eu me encontrar com Tomás eu mato ele, prometeu Zé
Gregório.
A notícia do doce correu célere.
Todos da redondeza tomaram conhecimento desta presepada. A gozação foi geral!
Na sexta-feira seguinte, quando
vinham para a cidade, os dois voltaram a se encontrar quase no mesmo local onde
o doce fora deixado, na bifurcação da estada. Tomás Maurício vendo o seu compadre
foi logo se derretendo em gargalhadas. Tinha uma gaitada puxada. Zé Gregório
não perdeu tempo. Partiu com um facão para cima de Tomás. Este procurou se
safar. O jeito que teve foi se espreguiçar o seu cavalo.
O pobre brejeiro se tornou um homem enfezado para o resto da vida!
quarta-feira, 29 de julho de 2020
ROCHA FURTADO E OS PADRES UCHOA E CIRILO
Rocha Furtado Fonte: Google |
ROCHA FURTADO E
OS PADRES UCHOA E CIRILO
Elmar Carvalho
Lendo a
excelente entrevista do ex-governador Rocha Furtado, concedida ao historiador
Manuel Domingos Neto, contida no seu livro “O que os netos dos vaqueiros me
contaram – o domínio oligárquico no Vale do Parnaíba”, admirei-me da severidade
com que o entrevistado se referiu ao monsenhor Lindolfo Uchoa (Pedro II, 1884 –
Teresina, 1966), que sempre foi considerado um dos grandes beneméritos da
Educação no Piauí.
Foi vigário de
Barras nos períodos de 1925 a 1941 e 1942 a 1957. Nessa cidade, em 1954, com a
ajuda de irmãs da Ordem Mercedária do Brasil, fundou a Escola São Pedro Nolasco
e o Patronato Monsenhor Bozon, assim como em Floriano fundou e dirigiu o
Colégio “24 de Fevereiro”.
Vejamos o que
sobre ele diz o historiador Wilson Carvalho Gonçalves: “Nele sobressaía também
o educador, e nesta qualidade criou e dirigiu, por dez anos, o Colégio “24 de
Fevereiro” – famoso em Floriano, e que preparou para a vida a juventude do
tempo, dando-lhe estrutura moral, religiosa e intelectual. Gratíssima à notável
obra, a Princesa do Sul nunca pode esquecer o gesto de benemerência de
Monsenhor Uchoa – e lhe reverencia a memória com o nome aureolado em rua, em
estádio, em grêmio escolar, em biblioteca, em estabelecimento de ensino,
zelando a majestade de um patrimônio inesgotável de exemplos dignificantes”.
Cotejemos agora
o que diz Rocha Furtado, referindo-se ao monsenhor e a seu educandário de
Floriano:
“Aquele colégio era mais um campo de
concentração do que um colégio. Nunca passei tanta fome e nunca pensei que um
jovem adolescente pudesse ter tanta resistência para passar um ano comendo tão
miseravelmente. Forçados pela fome, arrancávamos raízes de umbu e comíamos. O
padre Lindolfo Uchoa, muito injustamente, é considerado um grande educador no
Piauí. Ele não tinha a mínima noção do que fosse educador! (…) Várias vezes
deixei de comer porque vinha bicho no prato e quem ia ser garçom tinha o
direito de comer da comida do padre. Ele tinha uma mesa separada e comia as
melhores iguarias. Os que iam servir-lhe tinham esse direito”.
Na entrevista,
Rocha Furtado conta que todo mês eram abertas inscrições para quem quisesse
disputar o cobiçado lugar de garçom da mesa do padre Uchoa, mas que ele e seu
irmão Antônio sempre se recusaram a participar dessa disputa, que consideravam
coisa de escravo. No depoimento, afirma que no ano em que foi interno desse
colégio, em Floriano, só comeu bem no dia 7 de setembro de 1922, quando foi
convidado a almoçar na casa do doutor Fernando Marques, uma vez que, “durante o
resto do ano, passamos fome, vendo nos servir paneladas podres e as coisas mais
abjetas”.
Entretanto,
perguntado sobre se aproveitara alguma coisa no colégio do padre Uchoa,
respondeu que os professores eram bons; que não tinha a menor ressalva quanto a
isso; que ele e seus colegas aprenderam bastante e que foi um tempo muito útil
para todos.
Faz elogios
rasgados ao padre Cirilo Chaves, em cujo colégio estudou no ano seguinte
(1923), dizendo que este era o tipo do educador, “um homem profundamente
humano, democrata, agradável, honesto e sóbrio”. De quebra, ainda acrescentou
que a comida do padre Cirilo, então suspenso da ordem, era bem superior à
fornecida por Uchoa, e que Cirilo comia da mesma comida que era dada aos
discípulos, “numa atitude democrática, de educador”.
Consultei o
professor Roberto Freitas, nascido em 1929, e que estudou em Floriano, a
respeito da comida do internato de monsenhor Uchoa, mas ele disse nada ter
ouvido falar sobre o assunto, nem de bem nem de mal; aduziu apenas que o
vigário foi uma figura ilustre da história da cidade, e que o colégio era
respeitado e reconhecido como de boa qualidade, embora de disciplina rigorosa,
como era comum na época.
Encerro
acrescentando que a História do Piauí tem sido severa com Rocha Furtado, que
foi tão implacável com o velho educador. Seu governo é sempre considerado como
de poucas realizações, e como um período conturbado e intranquilo, com
funcionários públicos aterrorizados com o fantasma de demissões e remoções.
Alega-se, em
sua defesa, que ele não tinha maioria na Assembleia Legislativa, e que a
oposição lhe criava dificuldades, mormente não aprovando seus projetos. Deixo a
palavra final aos doutos e historiadores do Piauí.
8 de maio de 2010
terça-feira, 28 de julho de 2020
Meu padim...
Fonte: Prefeitura de Oeiras/Google |
segunda-feira, 27 de julho de 2020
A legenda de um homem de bem
3 Gerações: José Athayde, o velho guerreiro, José Athayde Neto e José Ataide Filho |
O "Véi" na colação de grau em Ciências Contábeis |
José Ataide e sua esposa Vânia |
DIÁRIO
[A legenda de um homem de bem]
Elmar Carvalho
27/07/2020
Desde o início da semana passada que venho às voltas com um prefácio para o livro “Reminiscências de Minha Vida”, que são as memórias de José Ataide Torres Costa Filho, do qual tenho a honra de ser amigo e irmão maçônico há várias décadas. Estreitei amizade com o seu irmão Carlos Cardoso e com vários outros seus parentes, entre os quais citarei apenas o saudoso Otaviano, a Cristina do Vale e Silva, o craque futebolístico Augusto César e o escritor Francisco da Silva Cardoso. Dessa forma tomei a deliberação de tornar o referido texto preambular parte integrante deste Diário. Assim, sem necessidade de delongas, ei-lo abaixo:
A LEGENDA DE UM HOMEM DE BEM
Elmar Carvalho
Conheci José Ataide Torres Costa Filho, ou mais simplesmente Zé Ataide, em 1972, quando eu tinha 16 anos de idade, e ele um pouco mais. Eu era colega de aula e amigo do seu primo e vizinho Otaviano Furtado do Vale. Através deste fiz amizade com o seu irmão Carlos Cardoso. Nessa época passei a conhecer a professora Cristina do Vale e Silva, irmã do Tavico (acima citado com seu nome completo), e o seu falecido marido Tarcísio, um bom e cordato gigante. A Cristina tinha uma boa biblioteca, com clássicos da literatura brasileira e universal, e me emprestava famosos romances, que eu logo lia e devolvia, em busca de outros. Também, claro, conheci os pais do Zé Ataide e seus irmãos Antônio Francisco e Isabel.
Com o Otaviano, saudoso amigo, eu e o Carlos praticávamos
futebol, tomávamos as libações nos finais de semana, e íamos às festas e
tertúlias, no Campo Maior Clube, no Grêmio Recreativo e em casas particulares,
como era de praxe na época.
O Otaviano, que era uma espécie de líbero e faz tudo, poderia
atuar em sete ou mais posições, e chegou a ser goleiro (reserva) do Comercial,
em que jogava o seu irmão Augusto César, um dos melhores craques do futebol
campomaiorense, em seu estilo altivo e elegante, de quem disse no meu livro O
Pé e a Bola: “quarto zagueiro, bom no domínio, boa visão, inteligente
(...)”.
Circulávamos nas praças, sobretudo na Bona Primo e, às vezes,
fazíamos pequenas jornadas em nossas velhas bicicletas. Mas um ou dois anos
depois as famílias do Zé Ataide e do Otaviano foram morar em Fortaleza e
Teresina, respectivamente, e em junho de 1975 a minha se transferiu para
Parnaíba, de modo que demoramos a nos rever.
•
O tempo andou, virou e mexeu. Assumi, em setembro de 1975,
meu emprego na ECT (Empresa de Correios e Telégrafos), me formei em
Administração de Empresas (UFPI – Campus Ministro Reis Velloso – Parnaíba) e
passei em concurso do DASP para fiscal da extinta SUNAB, de cujo cargo tomei
posse no dia 10 de agosto de 1982, em Teresina, sede da Delegacia Regional.
Ainda em agosto ou setembro, no hotel da senhora Maru, no
início da Frei Serafim, perto da igreja de São Benedito e do Convento São
Francisco de Assis, recebi a visita do amigo Carlos Cardoso, que me convidou
para morar numa república, da qual ele fazia parte, instalada numa casa da
Avenida Jockey Club, que anos depois se transformou no Colégio Madre Savina.
Foi um tempo muito bom e feliz, mas que não comporta maiores detalhes neste
espaço. Meses depois o Carlos deixou o convívio republicano, por causa de seu
casamento, mas continuamos a nos rever e a nos telefonar com certa frequência.
Um belo dia, no escritório de contabilidade do Carlos, o Zé
Ataide, em presença de outro maçom, já falecido, me convidou a ingressar nos
augustos mistérios da Maçonaria. Sem dúvida, curioso como sou, devo ter feito
várias perguntas, sobretudo sobre meus deveres e responsabilidades. O certo é
que passei pela “investigação” de praxe, visita de comitiva a minha mulher, e
meses depois era iniciado em belo ritual maçônico. Portanto, considero que
adentrei na Sublime Ordem, atendendo convite de dois irmãos sanguíneos, ambos
meus amigos e velhos conhecidos.
A família do Zé Ataide e do Carlos, que já conhecia desde
minha adolescência, como disse, era bem constituída e tinha fortes princípios
religiosos e morais. O velho José Athayde também era maçom. Ele e sua esposa
dona Maria da Conceição (Maria Cardoso, como era mais conhecida em Campo Maior) trabalhavam, ele em seu escritório de contabilidade e
ela em sua casa, e acostumaram os filhos ao labor e ao senso do dever desde
meninos, tendo Zé Ataide, em sua meninice, prestado pequenos serviços a uma das
lojas maçônicas de Campo Maior.
De forma que os quatro filhos eram diferenciados, mais
sisudos e responsáveis que o comum dos adolescentes e jovens. Logo podíamos
perceber que jamais haviam sido “moleques” de rua, a fazerem peraltices,
conquanto vez que outra não tenham fugido à regra das brincadeiras próprias da
idade, como o autor confessa em seu livro. Mas o fato é que foram induzidos
pelos pais a bem cumprirem os seus deveres escolares e laborais, desde bem
jovens.
•
Na parte denominada Prelúdio o autor conta passagens
interessantes e pitorescas da vida de seus pais, de modo a lhes traçar uma
espécie de perfil biográfico, moral e de experiência de vida, quase um retrato
da personalidade paterna e materna, pelo qual podemos perceber os pais
amorosos, dedicados e responsáveis que eles foram.
Conta a experiência profissional de seu pai, como gerente de
empresa privada, como servidor público e como proprietário de importante
escritório contábil. Nesta última atividade, transmitiu seus conhecimentos aos
filhos e a José Antônio da Costa Filho, seu amigo e funcionário do Banco do
Brasil, que mais tarde lhe ajudou no processo de mudança para Fortaleza, onde
já residia. José Antônio, pelo que pude depreender da leitura destas
Reminiscências era um legítimo empreendedor, dotado de notável dinamismo, tanto
que fundou a SECREL, pioneira na capital Alencarina da contabilidade
informatizada.
Em 1981 essa empresa contábil se estabeleceu em Teresina, com
o concurso primordial dos servidores Vicente Miranda, Carlos Cardoso e Manoel
Teófilo Maia, tornando-se a pioneira em serviço contábil informatizado no
Piauí. Anos depois, Vicente Miranda fundou a sua própria empresa de informática
jurídica (STS – Informática Ltda.), que presta serviços de assessoria e
consultoria ao serviço público, sobretudo municipal, bem como se tornou notável
historiador e genealogista do Piauí e do Ceará, mormente da região da Ibiapaba
e adjacências. Carlos Cardoso instituiu e ainda hoje mantém o seu próprio
escritório de contabilidade, que presta serviços a várias e importantes
empresas teresinenses. Manoel Teófilo se tornou proeminente professor da
Universidade Federal do Piauí e do Instituto Federal do Piauí (antiga Escola
Técnica Federal).
Fala também dos irmãos, dos colegas de aula e de
brincadeiras, dos velhos professores, dos filhos, dos filhos e irmãos do
coração, dos colegas do serviço público e dos amigos que amealhou ao longo da
vida, claro que em breves palavras.
Veio a descobrir que a vida não é feita somente de luzes e
cores, de festas e de flores, quando foi testemunha ocular, ainda na infância,
da morte de dona Domingas Puba, uma vizinha, cujo desfecho ele narra de forma
pungente, quase dramática, nestas suas confissões.
Para ser sintético e não fazer um spoiler, importa dizer que
o autor relata fatos e episódios interessantes, singulares ou jocosos de sua
infância, como eventuais travessuras, suas e de familiares, as brincadeiras da
época, em que não havia brinquedos ou jogos eletrônicos, e a sua trajetória de
vida, com vitórias, conquistas e eventuais frustrações. Contudo, farei
referência, de forma concisa a alguns desses fatos e “causos”, para atrair a
curiosidade do leitor, como se fora um aperitivo, e assim fazê-lo ler o livro
na íntegra, em todos os seus pormenores.
Nas suas memórias vislumbramos as sonhadas e gostosas férias
de julho, passadas na fazenda Palestina, situada na beira do Parnaíba, no lado
maranhense, a seis léguas da cidade de Timon, onde aconteceram dois episódios
engraçados, em que foram protagonistas sua prima Dulce e seu irmão Carlos.
Basta que se veja o índice e se leiam alguns desses fatos e
“causos”, para que tenhamos uma ideia dos costumes de uma cidade interiorana
como Campo Maior, nos anos 60 e 70, quando o extrativismo econômico já se
encontrava no final de sua amarga derrocada, quando os velhos e pitorescos
cabarés, como o Isabelão (ou Zabelona) e os da Rua Santa Antônio, outrora bela e poeticamente
denominados “Zona Planetária”, já marchavam para o seu melancólico crepúsculo.
Anfion percorre os sulcos
dos discos das vitrolas e as
emoções são alinhadas pedra a pedra.
Apolo é qualquer moço feio
que nos vitrais Narciso se julga.
De repente, Átropos corta o fio da vida
que era tecido pelas Parcas lentamente
pelos golpes de facas, adagas ou estiletes
nas mãos de um velho Pã embriagado.
(...)
Através de suas páginas recordamos os encantados circos de
nossa infância, por natureza nômades, e a maioria mambembe, com seus
malabaristas e trapezistas e os engraçados palhaços, de espalhafatosos adereços
e roupas. Faz referência à antiga “procissão na carreira”, hoje extinta, que
percorria várias ruas no entorno da Matriz, por ocasião da abertura das
festividades. Lembramos os festejos de Santo Antônio, com suas barracas de
palha de carnaúba, a bandinha do Antônio Músico, os leilões gritados por Bilé Carvalho,
os foguetes e rojões, e as deslumbrantes estrelas da pirotécnica.
As novenas do padroeiro são realizadas na imponente catedral,
construída por iniciativa do pároco Pe. Mateus Cortez Rufino, no lugar da
vetusta igreja colonial, demolida em 1944, cuja origem remonta ao mestre de
campo Bernardo de Carvalho, fundador de várias cidades e igrejas no Piauí e no
Maranhão, que construiu a primeira igreja de Santo Antônio do Surubim em 1711,
a pedido de seu parente, o Pe. Tomé de Carvalho, vigário da Freguesia de Nossa
Senhora da Vitória, que então se estendia de Oeiras a Campo Maior.
Perlongando as páginas de seu livro, notamos que o autor, ao
contar a sua história ou o romance de sua vida, colheu o ensejo para relatar um
pouco da rica e antiga história de Campo Maior, bem como para falar, em
momentos apropriados, da antiga arquitetura de sua terra natal, dando ao leitor
uma ideia de alguns dos seus principais edifícios públicos, de suas praças,
logradouros e dos vetustos sobrados e casarões solarengos. Assim, discorreu
sobre o histórico de algumas dessas construções ou sobre as pessoas que lhe
deram o nome, entre as quais podemos citar o Estádio Deusdete Melo, o
Patronato, o Grupo Escolar Briolanja Oliveira, as praças Bona Primo e Rui
Barbosa, o Cine Nazaré, etc. Sobre este último tive ocasião de dizer:
“O Cine Nazaré, pertencente ao Sr.
Zacarias Gondim Lins, ficava ao lado da matriz, hoje Catedral de Santo Antônio
do Surubim, entre as praças Bona Primo e Rui Barbosa. Fui a algumas sessões
levado por meu pai (que também me levou a partidas de futebol e a espetáculos
circenses), quando ainda menino, e sozinho em minha adolescência.
Havia um grande anteparo com espelho, que separava o hall de entrada da sala de exibição propriamente dita. As cadeiras eram de madeira, e a parte para sentar era móvel, de forma que poderia ficar na vertical, quando desocupada. Parecia nele ter cadeira cativa a negra Dodó, esguia e um tanto espigada, descendente de escravos, trazida de Colinas (MA), segundo consta, pelo padre Benedito Portela; morava ela na Praça Bona Prima ou em seu entorno.
Como um Cérbero do bem, guardava-lhe a porta de entrada o senhor Estácio, pai do historiador padre Cláudio Melo. Só que, enquanto Cérbero era guardião de Hades, deus do reino das sombras subterrâneas, o velho Estácio vigiava a portaria de um paraíso, um Éden cinematográfico; ao passo que o monstruoso cão infernal fazia festas aos que entravam e impedia ferozmente a saída, o segundo exigia o bilhete de entrada e franqueava, com a maior prodigalidade, a saída.”
Deu um bom destaque ao nosso belo e pequenino Açude Grande, que deslumbra os turistas e todos os campomaiorenses, sobretudo os nostálgicos, que residem em plagas distantes. Eu, que em sua orla joguei futebol e em suas águas plúmbeas tomei banho, em minha adolescência, já tive o ensejo de o cantar em verso e prosa, pelo que peço licença para fazer duas breves transcrições de minha autoria:
"Açude Grande
apenas no nome, mas pequeno
na paisagem ampla dos descampados.
Tuas águas cinzentas
azularam-se em minha saudade.
Tuas águas barrentas
são tingidas de azul pelo
azul do céu que se espelha
em tuas águas de chumbo."
“O açude era o meu imenso mar-oceano.
O mar mesmo eu só conhecia na prosa poética de Iracema, a
linda índia de Alencar, de longos e escorridos cabelos negros, mais negros que
a asa da graúna: “verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a
jandaia nas frondes da carnaúba”...
As carnaúbas, com sua beleza esbelta, com suas palmas
farfalhando ao vento, com seus quebros e requebros de moça faceira e dengosa,
ornavam a orla sinuosa do açude.
O movimento do mar eu só conhecia através da tela panorâmica
e technicolor do velho Cine Nazaré, do senhor Zacarias, em filmes de pirata,
com sua perna de pau, caolho, braço de gancho, a carregar no ombro o indefectível
papagaio, tal como no rótulo do Ron Montilla, ou em filmes épicos de heróis ou
deuses da velha Grécia, com suas ilhas paradisíacas.”
•
Já me alongando além do que deveria, partirei agora para um
conciso arremate.
Além de suas memórias, de uma árvore genealógica, da memória
fotográfica e do Diário, feito por sua mãe, sobre o seu primeiro ano de vida, o
autor ainda dá uma significativa contribuição à historiografia genealógica do
Piauí, ao se reportar às estirpes Costa, a que pertence, e Veloso, de que faz
parte Vânia, sua esposa.
Retornando ao Piauí, já formado em engenharia agronômica, nos
idos de janeiro de 1978, Zé Ataide foi trabalhar na CIDAPI – Companhia de
Desenvolvimento Agropecuário do Piauí, empresa de economia mista, na qual exerceu
cargo de chefia de departamento, até a sua extinção, quando foi trabalhar na
Secretaria de Agricultura, em que se aposentou, sem nunca receber qualquer tipo
de punição, de modo que pode ser considerado um legítimo ficha limpa.
Porém, como se tudo isso não fora o bastante, em 2011, já
aposentado, ainda cometeu a proeza de ingressar no curso de Ciências Contábeis,
concluindo-o em fevereiro de 2015. Na sua turma era chamado carinhosamente
pelos seus jovens colegas de Véi, que certamente lhe admiravam a garra e a
força de vontade, que lhes serviam de estímulo e exemplo.
Ingressou na maçonaria, em oficina obreira vinculada à Grande
Loja do Piauí. Em virtude de fatos e atos administrativos dos quais discordava,
que no livro ele relata em detalhes, desligou-se da Potência a que
pertencia, e foi admitido no Grande
Oriente do Brasil/Piauí. Juntamente com alguns companheiros, entre os quais eu,
fundou a Augusta e Respeitável Loja Hiram Abib, que funciona no prédio da
Caridade II, loja mãe da maçonaria piauiense. Sentou no trono de Salomão
(exerceu o cargo de Venerável) e hoje preside a Assembleia Legislativa
Maçônica. Em resumo, é um maçom paradigmático, que se iniciou nos augustos
mistérios não para ser servido, antes para servir e prestar bons serviços à
sublime Ordem.
Flertou, paquerou, namorou, mas cedo se fixou em Vânia, com
quem construiu uma bem estruturada família, como a que seus pais haviam
constituído décadas atrás. O casal teve os filhos Olívia, médica, Larissa e
Liana, advogadas, e o caçula José Athayde Neto, formado em Ciência da
Computação.
Portanto, como engenheiro agrônomo plantou várias árvores,
que deram inúmeros frutos; como pai de família, teve bons filhos, que também
tiveram seus filhos. E agora escreveu este livro, que é, como eu disse, a
história ou o romance de sua vida. Assim, cumpriu o que o adágio recomenda:
plantou uma árvore, teve filhos e escreveu um livro.
Uma vida sem drama e sem tragédia, principalmente grega, mas
uma bela vida, de um homem digno, de um homem bom, de um homem que se consagrou
ao bem.
Batendo, por três vezes, o martelo, posso dizer que Zé Ataide
amou e buscou o belo, o bom e o bem.
O belo ele encontrou na beleza de sua família, o bom ele sempre o teve na bondade de seu coração, e o bem lhe foi inerente, através do bem que espargiu em sua vida digna e honrada.
domingo, 26 de julho de 2020
Seleta Piauiense - Jorge Carvalho
Fonte: Google |
sábado, 25 de julho de 2020
Ruas de Campo Maior
Fonte: blog Bitorocara/Google |
Rua da Lagoa (rua dos Negros), atual Maranhão. O escritor Marcos Vasconcelos fez um amplo roteiro histórico-sentimental da rua da Lagoa no livro Raízes de Pedra (2006). |
Rua coronel Antônio Maria Eulálio (1913) [antiga Barão de Uruçuí (1898)]. A foto registra a carreta em comemoração ao Dia do Motorista (1962). Fotógrafo Raimundo Holanda. |
sexta-feira, 24 de julho de 2020
O cavador de buracos
JOSÉ DE LIMA COUTO
Escola em homenagem ao Prof. José de Lima Couto |