Fonte: Diário de Pernambuco/Google |
BRAÇOS, MÃOS, BOCAS E LÁBIOS,
PARA QUE OS QUERO?
Antônio Francisco Sousa – Auditor
Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)
Outro
poder que o coronavírus demonstrou ter nestes tempos de pandemia foi e é o de
transformar e reformular o conceito de morte, que quase deixa de ser uma
circunstância natural na vida de todos nós, para se transformar em algo banal,
corriqueiro, simples, substituível pela sensação de entorpecimento, letargia,
assunto, rapidamente, encerrado.
O
fato de não podermos velar nossos mortos conforme gostaríamos, uma das punições
impostas pelo vírus, como que nos induz a considerar o corpo infectado de um
ente amado, um objeto, cujo desapego tem que se dar o mais rapidamente
possível, pois familiares e amigos queridos do falecido perderam o direito de,
pelo tempo que julgariam conveniente para as despedidas merecidas, ficarem ao
seu lado. A esses ou, se não o fizerem, ao estado cabe, sem as preparações
cadavéricas tradicionais, dele livrar-se, apressadamente, enterrando-o ou o
cremando. Porque assim, enquanto volta ao pó mais celeremente, contribui para
que a disseminação do microrganismo que o levou a óbito não prolifere nem se
dissemine no seio da comunidade nem, principalmente, entre os que prefeririam
poder velá-lo, satisfatoriamente.
Antes
da pandemia, corriqueiro, hoje, já modificado, também pelo coronavírus, o uso,
diríamos, antropológico de nossas mãos: sem peias, amarras sanitárias ou
remorsos, com elas não mais devemos cumprimentar amigos, camaradas, gente de e
com quem nutrimos amizades ou laços de proximidade, tal seria o risco, não
descartável, de os estarmos, de algum modo, infectando ou, inadvertidamente,
transferindo-lhes seres microscópicos condutores desta ou de outras mazelas patológicas;
assim como, em contrapartida, recebendo daqueles, dos mesmos ou de infestadores
de outros tipos.
Nossos
braços, semelhantemente, perderam uma de suas principais funções: a de abraçar,
a de trocar amplexos carinhosos, calorosos ou saudosos com o amigo a quem
reencontramos; oferecê-los àquele ente querido ao qual parabenizaríamos pela
obtenção de um de êxito ou conquista de um sucesso há muito almejado. Com a
naturalidade de antes da malsinada e maldita pandemia, dificilmente, nos
comportaremos em relação ao abraço, daqui para frente. Os que utilizarmos para
estreitar pessoas queridas, possivelmente, vão se restringir às do convívio
diário, íntimo, reservado; selecionadas em razão do perigo ou mal que nos
possam causar ou de elas serem vítimas.
Lábios
e boca, igualmente, foram afetados pela peste do coronavírus. Para os que
gostam – e quem não gosta? – de cheiros e beijos, como fazê-lo sem o auxílio
luxuoso do nariz, que também foi prejudicado? Nos beijos mais afetuosos,
amorosos, ou amigáveis, que os seres humanos podem trocar, dos mais íntimos,
mais próximos, não há como se furtar de valer-se da boca e dos lábios. Talvez,
se aquele que Judas Iscariotes aplicou em Jesus Cristo, traindo-O e O
entregando aos inimigos, fosse hoje, o discípulo pensaria muito antes de
fazê-lo. Possivelmente, o beijo no coração, metaforicamente, dado de qualquer
distância, e sem uso de tais itens anatômicos, ganhará enorme destaque; quem
sabe seja até um incentivo para que o abraço e o aperto de mão, do mesmo modo,
cordialmente metafóricos, surjam?
Notadamente,
entre nós, um lugar de gente cordial, que tem prazer em se mostrar efusiva,
alegre, expansiva; se necessário ou interessante, pronta para abraçar, beijar,
apertar o maior número de mãos possível; tanto de pessoas conhecidas, próximas,
queridas, quanto daquelas de quem nos queremos aproximar e, assim, passarmos a
integrar círculos de amizade comuns, essa vigilância à qual, pelo menos, por
algum tempo – tomara não muito longo -, teremos que nos submeter, no que tange
ao uso – e, claro, usufruto – de braços, mãos, bocas e lábios, far-nos-á, não
temos dúvidas, muito mal. Com muita esperança, também não duvidamos,
aguardaremos por aquele dia, a partir do qual poderemos dizer, sem peias nem
qualquer tipo de cerceamento ético-sanitário-moral: braços, mãos, bocas e
lábios, para que os quero? Abraçar, cumprimentar, cheirar e beijar – como dizia
o bordão de uma pequena-grande humorista brasileira – muito! Xô coronavírus!
Vade-retro pandemia!
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