DIÁRIO
[Apresentação de Diário Incontínuo]
Elmar Carvalho
22/10/2020
Tendo
tomado a decisão de publicar meu Diário Incontínuo, ao menos como “volume”
virtual ou e-book, dediquei os últimos dias a lhe fazer rápida revisão, pelo
corretor ou editor do notebook, e algumas modificações formais, sobretudo
criação de novos parágrafos, para tornar sua leitura menos cansativa e mais
atraente ao meu possível e futuro leitor.
É
possível que lhe faça a edição impressa. Por isso estou adotando as
providências para a sua formatação e programação visual, bem como confecção de
sua capa. Não terá memória fotográfica, pois será um volume um tanto encorpado,
já que abarca cinco anos (2010 – 2014), no qual trato dos mais variados
assuntos, sobretudo literários, artísticos, históricos e culturais.
Também
lhe fiz a apresentação, uma espécie de breve ensaio sobre memórias e diários,
que abaixo transponho para este outro Diário (em tempos de pandemia), que lhe guarda alguma
semelhança:
APRESENTAÇÃO
Em 22 de janeiro de 2010 minha filha Elmara Cristina criou
meu blog http://poetaelmar.blogspot.com, e nesse mesmo dia nele eu publicava
as primeiras matérias. Com a sua criação, me senti estimulado a continuar escrevendo o meu Diário Incontínuo, porque
tinha a perspectiva de publicação virtual imediata.
Assim, no dia seguinte, postei o primeiro registro desta obra
diarística, datado do dia 17, em que me referia a um velho boêmio da
vizinhança, dono de um boteco, que veio a falecer poucos anos depois.
No início, escrevia dois ou mais textos por semana, mas na
sequência diminuí para um, excepcionalmente dois. Às vezes, alguns desses
registros tinham mais de um tema, que eu separava por asteriscos. Também no
princípio fiz essas anotações em um só bloco, isto é, sem dividi-las em
parágrafos.
Há momentos de desânimo, de falta de estímulo e, talvez, de
assunto e da chamada inspiração, em que não se sabe ao certo se a obra valeria
a pena. Sobre esses momentos de marasmo e calmaria, vejamos o que disse Sully
Prudhomme, vencedor do Prêmio Nobel de 1901, em seu Diário Íntimo: “Há dias que
não cuido de meu diário. Falta-me energia ou, melhor, não acho que o resultado
valha dispêndio de energia.”
Mais adiante, resolvi fazer a divisão em parágrafos, para
torná-las uma leitura menos cansativa e mais atraente ao leitor. Já então eu
havia lido várias obras memorialísticas e o Diário Completo de Josué Montello,
em dois volumosos tomos, de mil e tantas páginas cada um. Obra primorosa, feita
por um estilista à Machado de Assis, que tinha o que contar e sabia contar,
ainda mais por ser um grande romancista. Resolvi adotá-la como paradigma,
embora não estando eu à altura, como é óbvio, do notável escritor.
Vi outros Diários, ao menos em simples folhear, mas não me
foram inspiradores. Uns eram refertos, quase sempre, de elucubrações filosóficas, digressões
abstratas, quase apenas tentativas de trazerem para a escrita pensamentos de
alta abstração ou sobre sentimentos, que a meu ver interessariam a pouquíssimos
leitores. Outros, continham notas muito superficiais, beirando a banalidade, o
trivial.
Recentemente, dei uma boa olhada, quando este livro já estava
concluído há alguns anos, em O Diário de Florença, do poeta Rainer Maria Rilke.
Contudo, apesar da beleza de seu estilo, percebi que ele se detinha muito em
comentários sobre obras de arte, de maneira muito profunda e por assim dizer de
forma um tanto abstrata, numa análise que me pareceu um tanto impressionista,
se é que não estou incorrendo em alguma heresia. Seja como for, não me foi
útil, tanto porque o meu Diário já se encontrava encerrado, como também porque
não se coadunava com o que eu projetara.
No início de minha juventude eu havia lido Memórias, de
Humberto de Campos, que considero uma das melhores obras em seu gênero, tanto
pelo estilo do autor, como pelos seus relatos e pela coragem que ele teve de
narrar certos fatos, que outra pessoa, mais tímida ou mais cheia de pudor,
jamais o faria. Também havia lido alguns dos livros memorialísticos de Pedro
Nava, e sobretudo havia lido com verdadeiro encantamento Confesso que vivi, de
Pablo Neruda, que por vezes toma o formato de uma verdadeira prosa poética,
mormente nos derramamentos e arroubos líricos do autor.
O escritor e historiador Fonseca Neto, meu amigo desde o
final da década de 1970 e meu confrade na Academia Piauiense de Letras, em
15/10/2011, conforme o autógrafo, me presenteou com os dois volumes do Diário
Secreto de Humberto de Campos, que li com sofreguidão e vívido interesse.
Consta que ele recomendara que esse livro só fosse publicado alguns anos após
sua morte.
O certo é que ele foi publicado de forma sequenciada pela
revista O Cruzeiro, em 1950. O autor falecera em 5 de dezembro de 1934, aos 48
anos. Leio na orelha do volume I, editado pelo Instituto Geia em 2011, o
seguinte: “Aqui será bastante referir que tal intenção afastava-se do
espalhafato e do escândalo que o Diário provocou, quando começou a ser
publicado, em partes semanais, na revista O Cruzeiro, em 1950”, portanto há
mais de 15 anos após sua morte.
É que muitos acharam que o autor fora indiscreto e mesmo
impiedoso ao relatar certos fatos, e que por isso mesmo fora ingrato com
pessoas que o ajudaram, e de quem ele se dizia amigo. De qualquer forma, em seu
Diário Secreto, Humberto narra fatos interessantes e mesmo escabrosos,
acontecidos com parentes e com pessoas de sua amizade. Alguns eu considero
verdadeiros contos da vida real, permeados, algumas vezes, por belas descrições
e por digressões outras, em que tenta perscrutar intimidades e motivações.
Ao longo de quase toda a minha vida de literato, alimentei o
desejo de escrever uma obra memorialística, mas nunca executei esse desiderato,
embora muito tenha meditado sobre isso, e, de certa forma, me tenha preparado
para essa empreitada, ao ler várias obras autobiográficas e de memórias, muito
além das que citei acima.
Um diário, a rigor e em tese, pelo que sugere a sua própria
classificação, deveria se voltar mais para o presente, ao passo que as
confissões, as memórias e as autobiografias se voltariam mais para a narrativa
de fatos pretéritos.
Mas, lendo os diários mais notáveis, verifiquei que esse
gênero literário, conforme a habilidade e o talento do autor, bem se presta, ao
ensejo de uma recordação, de um sonho, de uma conversa, de um acontecimento, de
uma solenidade cultural e outras, bem se presta, repito, a evocar fatos de
nossa própria vida, da vida de outras pessoas, de episódios pitorescos,
singulares, jocosos, anedóticos, bem como a relatar uma conversa, um fato
histórico, a comentar uma obra de arte, um livro, etc.
Dessa forma, ao longo de cinco anos (2010/2014), transpus
para estas páginas muito da vida cultural, artística, literária e social do
Piauí, motivado, como disse acima, por diferentes fatores. Narrei eventos
artísticos e culturais, mormente os literários, comentei alguns livros lançados
nesse período, me referi a personalidades literárias e históricas, algumas
ainda vivas, outras pertencentes a um passado mais remoto. Sem dúvida, alguns
desses registros são quase resenhas de obras literárias e breves perfis
biográficos, embora recheados de outros ingredientes e condimentos.
O escritor, crítico literário e professor Cunha e Silva
Filho, com a sua reconhecida argúcia e faro quase detetivesco, ainda bem no
início da publicação sequenciada e internética do livro, percebeu e aplaudiu
essa diversidade de interesses, pois postou o seguinte comentário no dia
13/02/2010:
“Por isso, gostei do seu comentário,
revelador de um amplo interesse pelas artes em geral, e, no caso específico,
pela escultura e suas implicações com movimentos de vanguardas que deixaram
marcas indeléveis nas múltiplas formas de criação artística. Sei também quanto
aprecia a pintura, um Dalí, por exemplo. Não é verdade, amigo? Explore bem esse
lado de crítica das artes, lhe cabe bem. Boa surpresa do seu intelecto.”
Devo esclarecer que, em face da possibilidade de publicação
por um desses programas governamentais, não pude me deter numa outra revisão
mais rigorosa, e nem tive tempo de contratar um revisor profissional, que
corrigisse os erros gramaticais, que certamente terei deixado escapar em
revisões anteriores. Peço que o leitor me perdoe esses quase inevitáveis
senões.
Quis que este Diário tivesse algum valor literário, mas não
serei cabotino a ponto de afirmar que o consegui; apenas posso dizer que muito
me esforcei para alcançar esse objetivo. Assim, procurei dar uma certa
dignidade ao meu estilo, à minha linguagem, e procurei me afastar, o quanto
pude, de trivialidades, de banalidades, conquanto tenha procurado registrar
alguns fatos anedóticos, engraçados, como disse.
A propósito de estilo, disse Susan Sontag em seus famosos
Diários (1947 – 1963): “Na verdade, o estilo é que é importante. O estilo
seleciona o enredo.” Não sei se a estilística poderia chegar a tanto. Mas, com
certeza, é o estilo que lhe dá mais elegância, que torna o entrecho mais
atraente e prazeroso.
Como os assuntos são bastante diversificados, e cada texto
forma uma unidade própria, que pode ser lida de forma independente e aleatória
ou salteada, se eu fizesse uma divisão temática, essas crônicas poderiam formar
vários livros, conforme a sua organização e projeto editorial. Mas, aqui, vão
publicadas em volume único, e seguindo a ordem cronológica original, porque
assim as concebi e projetei.
Por outro lado, talvez fosse interessante esse livro tivesse um
índice onomástico, pois são várias centenas as pessoas nele citadas, mas pela
urgência referida no parágrafo anterior, e pelo trabalho que isso demandaria,
tal não foi possível nesta edição. Contudo, ele também será publicado como
e-book, e isso, de certo modo, dispensa esse tipo de índice, pois facilmente o
leitor localiza em seu dispositivo de leitura a pessoa que deseja pesquisar.
Em resumo, embora mantendo, assim espero, o formato de um
diário, na realidade o que fiz mesmo foi uma sequência de crônicas, durante
esses cinco anos, de diferentes tamanho e conteúdo, e se referindo aos tempos
atuais e a tempos remotos, idos e vividos.
Algumas poderiam ser consideradas memorialísticas,
confessionais, narrativas, contos, “causos”, críticas, breves ensaios, comentários,
depoimentos, sonhos, devaneios ou simples relatos de fatos recentes ou antigos,
alguns históricos.
Contudo, nenhuma poderia ser rotulada de ficção.
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