Escurinho, o craque sem chuteiras
José Ataide Tôrres Costa Filho
Memorialista e cronista
Ainda criança, morando em Campo Maior, conheci Francisco das
Chagas Santos Pereira, nascido em 20.10.1941, na cidade de Buriti – MA, antiga
Buriti de Inácia Vaz, tendo se imortalizado pelo belo e ágil futebol que jogava,
com o apelido de Escurinho.
Escurinho chega a Campo Maior no início dos anos sessenta,
levado pelo Sr. Francisco Barros (Chico Barros), campomaiorense, membro da
diretoria do Caiçara.
O Sr. Chico Barros trabalhava com caminhão, fazendo
transporte de cargas e em uma de suas viagens para o Maranhão parou para
descansar na cidade de Buriti de Inácia Vaz, onde estava ocorrendo uma “pelada”
no final da tarde, e observou um determinado jogador, um jovem garoto de pele
escura (daí o apelido Escurinho), jogando com uma habilidade inacreditável para
alguém daquela isolada localidade.
Após o final da “pelada”, Chico Barros, fazendo as vezes de
olheiro, procura o jovem craque e o convence a ser levado para jogar em Campo Maior,
no Caiçara Esporte Clube, time da primeira divisão do Campeonato Piauiense.
A chegada de Escurinho, ainda um jovem de 18 anos, em Campo
Maior foi envolta de muita euforia por parte da torcida caiçarina, todos
empolgados com o jovem craque e com a esperança de bons frutos para o “Leão da
Terra dos Carnaubais”.
Marcado o primeiro treino, o estádio foi lotado pelos
curiosos torcedores, todos ávidos para ver as jogadas do novel craque. Começa o
treino e já se passam 30 minutos, público decepcionado, querendo ensaiar uma
vaia, pois Escurinho não havia jogado nada, a ponto de nem suar a camisa,
frustrando a expectativa de todos. Terminada a primeira parte do treino, o
Técnico e o Sr. Chico Barros chamam Escurinho para conversar e indagam o que
estava acontecendo; procuraram por aquelas jogadas que fazia em terras
maranhense. Escurinho informa que nunca havia jogado com chuteiras e que não
tinha o hábito de jogar com aqueles coisas nos pés; então pede para tirar as
chuteiras, e jogar sem elas. O Técnico permite que jogue sem chuteira na
segunda metade do treino e foi um show de bola, chegando inclusive a marcar
dois gols.
A contratação foi aprovada, mas a comissão técnica perdeu uns
sessenta dias para poder utilizá-lo na equipe principal, até que Escurinho se
adaptasse ao uso de chuteiras.
Escurinho ficou também conhecido em Campo Maior como “O
menino do Senhor Zacarias”. Naquela época a maioria dos jogadores eram
patrocinados por alguns empresários torcedores do Caiçara, e o empresário
Zacarias Gondim, proprietário do Cine Nazaré, se propõe a patrocinar o jovem
craque, além de lhe servir em sua residência alimentação diária, pagava-lhe um
bom salário.
Assume a ponta esquerda do Caiçara, no qual jogou até 1965, e
ajudou a equipe em memoráveis campanhas, inclusive no vice-campeonato estadual
em 1963.
Em 1966 foi transferido para o River Atlético Clube, em
Teresina, a quem igualmente ajudou com seu belo futebol a obter várias
conquistas. Retorna ao Caiçara em 1970, e termina seus dias como jogador de
futebol no Auto Esporte Clube, jogando no período de 1971 a 1973. Logo depois
que deixou de jogar futebol, conseguiu ser enquadrado no quadro de servidor da
Secretaria de Educação do Estado do Piauí.
Como falei anteriormente, minha amizade com o Escurinho
remonta ao início da década de sessenta, quando ele chegou a Campo Maior.
Naquela época a sede do Caiçara (uma casa que servia de alojamento para os
jogadores, visto que uma boa parte do jogadores eram oriundos de outras cidades
ou estados) ficava bem próximo à minha casa, mais ou menos duas quadras, e toda
tarde, quando os jogadores voltavam do treino, paravam na minha casa para beber
um boa água gelada.
Foi aí que eu, ainda uma criança, fiz amizade com o Escurinho.
Os anos passaram, Escurinho veio para Teresina, eu fui para Fortaleza, e de
volta ao Piauí, morando em Teresina no bairro Primavera, no final dos anos
oitenta, encontro o Escurinho, depois de umas duas décadas, de modo que pude
continuar privando de sua amizade, como vizinho até os dias atuais.
Como jogador, além de ágil e habilidoso, sempre foi um atleta
honrado, de atitudes corretas e jogadas leais; como homem simples, que sempre
foi, fazia as coisas conforme suas possibilidades e, segundo depoimento de seus
filhos, foi um bom pai.
Hoje fui surpreendido com a notícia de que meu amigo de longas datas deu o chute final na longa e brilhante “partida” de sua vida terrena. Com certeza agora Escurinho faz belos gols na grande arena celeste.
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