Cousas do Natal
Carlos Rubem
Em todas as épocas, na casa do vovô Joel Campos, acolheram-se agregados que, ao longo dos anos, se tornaram familiares.
Até o início dos anos cinquenta, por lá morou a Joana que veio a casar-se com o Sr. Antônio Vieira, morador no então povoado "Saco do Rei".
Este, logo após a sua cerimônia matrimonial ocorrida, num domingo qualquer, na Igreja da Conceição, ao encontrar-se com o meu citado patriarca, na calçada de sua vivenda, muito reverencioso, ajoelhou-se e pediu-lhe a bênção. Inusitada cena muito lembrada por Raimundinho de Zefinha, acompanhada da sua característica gargalhada!...
Deste enlace, sobreveio uma prole de cinco filhos, entre os quais a Inácia da Rocha Vieira que passou, ainda em tenra idade, a ser criada por vovó Bembém. É afilhada de batismo da Mãe Içe (Alice, minha tia).
Inácia, também conhecida por Lalá, é abirutada. Nunca aprendeu direito executar tarefas domésticas. Pedia-se para que ela fizesse um serviço, ela fazia outro. Burrinha de fazer pena! Enfim, atrapalhava mais do que ajudava. Estudava no Grupo Escolar “Armando Burlamaqui”, mas não aprendia nada. Não passava de ano... Lembro-me bem do seu esforço para assimilar as lições do abecedário. Copiava mil vezes a seguinte frase: “Eva viu a uva, a uva é de Ivo”.
Em criança, toda traquinagem que eu fazia, ela me dedurava ao meu povinho. No início da minha adolescência, fez chegar aos ouvidos das minhas pudicas tias solteironas que eu, no quarto dos baús, estava querendo fazer 'saliença' com Raimunda, outra criada.
Já faz muito tempo que Inácia voltou a morar nas Marrecas, antiga fazenda do vovô Joel havida por herança do seu sogro, Antônio Tapety (o velho). Tal possessão, hoje, é situada no município de Colônia do Piauí, que tem se expandido a olhos vistos.
Aposentada como ruralista pelo INSS, passa o ano todo no seu meio pastoril. Mas quando chega o Natal, Inácia vem a Oeiras se confraternizar conosco. A ceia natalina na casa do vovô, como manda a tradição, é precedida de muita reza, cânticos católicos, troca de presentes, etc...
Ontem (24.12.2013), encontrei-me com a esquálida Inácia na residência do meu aludido ancestral. Indagou-me por meus filhos, constatou que estou ficando com cabelos brancos, coisas assim.
Não teve acanhamento em dizer que queria ganhar de “Papai Noel” um lençol. E um dinheirinho para sua passagem de retorno...
Na noite festiva de ontem, sentimos a sua ausência. Na hora das brincadeiras, amigo secreto, a pedido da moçada, ela canta hinos cívicos, músicas escolares e outros mais para a algazarra de todos. Sabe, inclusive, quem descobriu o Brasil.
Para a contrariedade de sua madrinha, Inácia saiu à francesa e foi participar de um culto evangélico. Para Galiano, outro agregado de juízo curto, “ela está ficando é doida!”.
Seja como for, nesta manhã, entreguei a Inácia o seu ansiado presente em frente ao presépio natalino montado na casa do vovô Joel. Ela, mais uma vez, se admirou, ficou encantada com “os bichinhos do Menino Jesus”!
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