segunda-feira, 5 de abril de 2021

FLERTES DITATORIAIS

Fonte: Google

 

FLERTES DITATORIAIS

Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)

                 Nasceu ao final dos anos cinquenta, do século passado. O golpe militar o pegou na primeira década de vida. Até há algum tempo, pensava que os efeitos nefastos causados pelas maracutaias patrocinadas pelas forças armadas no governo não o houvessem atingido. Enganou-se. Anos depois de empossado em cargo público, soube pelo seu chefe que sua vida pregressa, antes do ingresso, havia sido examinada, fuçada e pesquisada pelo Serviço Nacional de Inteligência, o famigerado SNI do General Golbery do Couto e Silva. Certamente, segundo ele, devem ter descoberto, sem muito esforço que, além de estudar, e das coisas que todo jovem saudável fazia, assistir cinema e jogar futebol ocupavam seu tempo livre

                Foi contemporâneo de todos os governos militares, do General Castelo Branco a João Figueiredo. Não lhe aconteceu nada de extraordinário naquele período, do ensino primário à Universidade Federal, todo feito em instituições públicas; mas soube de amigos e, mesmo, pessoas de quem se aproximou vida afora, que sofreram nas mãos de torturadores e perseguidores militares. Não lembrava de ter ouvido de quaisquer daqueles, em algum momento, alguém admitir que o golpe militar não teria sido um mal, uma chaga à nação, mas um bem necessário, como ousam afirmar obtusos hodiernos. Manter a disciplina e a ordem perseguindo ou eliminando desafetos, ou melhor, quem não comungava dos ideais políticos ou administrativos defendidos pelos governos militares, somente uma visão canhestra ou mente recalcada para perceber ou vislumbrar naquelas ações alguma virtude.

                Com o fim do regime ditatorial e dos presidentes biônicos – não eleitos diretamente -, ele e todos nós passamos a experimentar os governantes civis, eleitos pela população, não o primeiro, ainda escolhido por um colégio eleitoral, Tancredo Neves, que, morto antes de tomar posse, deu lugar ao vice José Sarney, em cuja gestão, possivelmente, o único ato digno de nota haja sido a promulgação da atual Constituição Federal. Ele e o próximo, Fernando Collor, este, já escolhido pelo voto do eleitor, por pouco, não levaram o país à bancarrota; o primeiro, ao permitir que uma inflação cavalar quase nos descarrilasse peremptoriamente; o outro, por falta de tempo: pseudoalgoz dos “marajás” aprontou tanto e tão rapidamente, que foi defenestrado do poder, passando a cadeira a Itamar Franco, cujo grande feito foi o estabelecimento do Plano Real que, desde então, vem domando a inflação, um dos maiores pesadelos vividos por nós; plano, aquele, fruto dos esforços de seu ministro da fazenda, Fernando Henrique Cardoso, o próximo presidente e primeiro reeleito; que fez um governo razoável, mormente, no primeiro mandato; privatizou muito, incrementou a industrialização, inseriu o país no neoliberalismo, controlou a inflação, mas nos deixou deveras endividados junto ao Fundo Monetário Nacional e outros bancos internacionais. Seu sucessor, Luís Inácio da Silva, teve como ato de gestão a questionável e populista quitação de dívidas “baratas” para com o FMI. O proselitista presidente petista, contrariamente, ao seu antecessor, saiu com boa aceitação popular - depois, cairia em desgraça, em razão dos desmandos e atos de corrupção cometidos durante seu governo -, tanto que conseguiu eleger seu sucessor, Dilma Rousseff, um desastre desde os primeiros dias no governo, o que fez corroer a paciência do parlamento e mesmo do poder judiciário, culminando com seu impeachment e a assunção do vice Michel Temer. Seguindo-se-lhe, veio Jair Bolsonaro, eleito na esteira do desgoverno da petista e de seu partido, por uma maioria que o viu como salvação da lavoura.

                Nesse interregno pós ditadura militar, até a chegada do atual presidente, pouco se ouviu a respeito de um possível golpe do governo; ainda com Lula em alta na aceitação popular, soube-se de suposta pretensa consulta às forças armadas sobre a possibilidade de lhe ser estendido o mandato, como já vinha acontecendo com ditadores latinos e sul-americanos. Pelo que restou comprovado, parece que a mosca azul apenas pousou na figura, mas não a picou de fato.

                Infelizmente, o mesmo não vem acontecendo com o governo vigente. Desde o início, resolveu superlotar o poder executivo com oficiais superiores das forças armadas; há quem diga que, nem no período de regime militar, tantos deles ocuparam postos tão relevantes no governo. Em não raras ocasiões, vendo contrariadas pretensões ou intenções, ou ouvindo a quem não deveria escutar, supondo que pudesse dispor da força necessária, andou ameaçando ou blefando com a possibilidade de fechamento do supremo tribunal federal e de outras instituições, em claros flertes ditatoriais. Com a chegada da pandemia, não há como negar, tem metido os pés pelas mãos, ao tomar decisões que fogem ou se antepõem à lógica sanitária adotada mundo afora. Muito do estado de calamidade por que passam nossos sistemas de saúde e, consequentemente, a população, deve-se à sua teimosia. Sem o respaldo das forças armadas, tem mudado de tática, porém, não de opinião: recentemente, aliados seus andaram tentando fazer chegar ao parlamento projeto de lei concedendo-lhe poderes ultraconstitucionais, como os que lhe permitisse invadir atribuições de governadores e prefeitos, talvez visando tolher-lhes boas atitudes tomadas em relação à pandemia e suas consequências, dentre outras intervenções. Como o poder legislativo não compactuou com essas ideias, típicas de golpistas, nossa democracia e seus poderes constituídos ganharam sobrevida.             

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