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FLERTES DITATORIAIS
Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)
Foi contemporâneo
de todos os governos militares, do General Castelo Branco a João Figueiredo. Não
lhe aconteceu nada de extraordinário naquele período, do ensino primário à
Universidade Federal, todo feito em instituições públicas; mas soube de amigos
e, mesmo, pessoas de quem se aproximou vida afora, que sofreram nas mãos de
torturadores e perseguidores militares. Não lembrava de ter ouvido de quaisquer
daqueles, em algum momento, alguém admitir que o golpe militar não teria sido
um mal, uma chaga à nação, mas um bem necessário, como ousam afirmar obtusos
hodiernos. Manter a disciplina e a ordem perseguindo ou eliminando desafetos,
ou melhor, quem não comungava dos ideais políticos ou administrativos
defendidos pelos governos militares, somente uma visão canhestra ou mente
recalcada para perceber ou vislumbrar naquelas ações alguma virtude.
Com o fim do
regime ditatorial e dos presidentes biônicos – não eleitos diretamente -, ele e
todos nós passamos a experimentar os governantes civis, eleitos pela população,
não o primeiro, ainda escolhido por um colégio eleitoral, Tancredo Neves, que,
morto antes de tomar posse, deu lugar ao vice José Sarney, em cuja gestão,
possivelmente, o único ato digno de nota haja sido a promulgação da atual
Constituição Federal. Ele e o próximo, Fernando Collor, este, já escolhido pelo
voto do eleitor, por pouco, não levaram o país à bancarrota; o primeiro, ao permitir
que uma inflação cavalar quase nos descarrilasse peremptoriamente; o outro, por
falta de tempo: pseudoalgoz dos “marajás” aprontou tanto e tão rapidamente, que
foi defenestrado do poder, passando a cadeira a Itamar Franco, cujo grande feito
foi o estabelecimento do Plano Real que, desde então, vem domando a inflação,
um dos maiores pesadelos vividos por nós; plano, aquele, fruto dos esforços de
seu ministro da fazenda, Fernando Henrique Cardoso, o próximo presidente e
primeiro reeleito; que fez um governo razoável, mormente, no primeiro mandato; privatizou
muito, incrementou a industrialização, inseriu o país no neoliberalismo,
controlou a inflação, mas nos deixou deveras endividados junto ao Fundo
Monetário Nacional e outros bancos internacionais. Seu sucessor, Luís Inácio da
Silva, teve como ato de gestão a questionável e populista quitação de dívidas “baratas”
para com o FMI. O proselitista presidente petista, contrariamente, ao seu
antecessor, saiu com boa aceitação popular - depois, cairia em desgraça, em
razão dos desmandos e atos de corrupção cometidos durante seu governo -, tanto que
conseguiu eleger seu sucessor, Dilma Rousseff, um desastre desde os primeiros
dias no governo, o que fez corroer a paciência do parlamento e mesmo do poder
judiciário, culminando com seu impeachment e a assunção do vice Michel Temer.
Seguindo-se-lhe, veio Jair Bolsonaro, eleito na esteira do desgoverno da
petista e de seu partido, por uma maioria que o viu como salvação da lavoura.
Nesse interregno
pós ditadura militar, até a chegada do atual presidente, pouco se ouviu a
respeito de um possível golpe do governo; ainda com Lula em alta na aceitação
popular, soube-se de suposta pretensa consulta às forças armadas sobre a
possibilidade de lhe ser estendido o mandato, como já vinha acontecendo com
ditadores latinos e sul-americanos. Pelo que restou comprovado, parece que a
mosca azul apenas pousou na figura, mas não a picou de fato.
Infelizmente, o mesmo não vem acontecendo com o governo vigente. Desde o início, resolveu superlotar o poder executivo com oficiais superiores das forças armadas; há quem diga que, nem no período de regime militar, tantos deles ocuparam postos tão relevantes no governo. Em não raras ocasiões, vendo contrariadas pretensões ou intenções, ou ouvindo a quem não deveria escutar, supondo que pudesse dispor da força necessária, andou ameaçando ou blefando com a possibilidade de fechamento do supremo tribunal federal e de outras instituições, em claros flertes ditatoriais. Com a chegada da pandemia, não há como negar, tem metido os pés pelas mãos, ao tomar decisões que fogem ou se antepõem à lógica sanitária adotada mundo afora. Muito do estado de calamidade por que passam nossos sistemas de saúde e, consequentemente, a população, deve-se à sua teimosia. Sem o respaldo das forças armadas, tem mudado de tática, porém, não de opinião: recentemente, aliados seus andaram tentando fazer chegar ao parlamento projeto de lei concedendo-lhe poderes ultraconstitucionais, como os que lhe permitisse invadir atribuições de governadores e prefeitos, talvez visando tolher-lhes boas atitudes tomadas em relação à pandemia e suas consequências, dentre outras intervenções. Como o poder legislativo não compactuou com essas ideias, típicas de golpistas, nossa democracia e seus poderes constituídos ganharam sobrevida.
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