terça-feira, 7 de setembro de 2021

OS TATIBITATES E OS FALSOS PARÔNIMOS

Fonte: Google

 

OS TATIBITATES E OS FALSOS PARÔNIMOS


Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)

 

                O amigo Sandoval me disse, certo dia, que uma das maiores diversões de seu casal de netos é, para os dois, quando o neto, mais velho e deveras curioso, pede à irmãzinha de três anos que repita algumas palavras que ele lhe fala e que ela não consegue dizer, mas sempre cai na gargalhada, levando-o a também rir bastante. Como um bom número de crianças, sua netinha tem dificuldades com a letra “r”, mas nem sempre: quando ela está no meio do vocábulo, às vezes, a mocinha a pronuncia como se várias delas, repetidas, estivessem na palavra: porta, torta, corda viram “porrrta”, torrrta”, “corrda”; já carro, para, princesa, macarrão, dentre outras, é como se inexistisse o erre; nos vocábulos quero-quero, paralelepípedo, tirolesa, por outro lado, as letras “r”, assumem o som de “l”. E haja risada quando pedem para ela repeti-las: “quelo-quelo”, “palalelepípedo”, “tilolesa” é como saem, cantadas; enquanto o vovô baba.

  Se o irmão lhe pede para repetir, por exemplo, as palavras liquidificador e condicionador, eles vão às lágrimas de tanto rirem, porque ela consegue criar, a partir do modo como as fala, termos muito mais difíceis de serem pronunciados do que as palavras originais: “lifiquidicador”, “concidionador”, é no que as transforma a guria. A propósito, certos dicionários virtuais ou eletrônicos, ao pesquisarmos por essas variações fonéticas, eles perguntam se não seria “liquidificador” ou “condicionador” o que estaríamos querendo dizer. Provavelmente, sim, tanto quem procura quanto a netinha do Sandoval.

                Outro dia, entretanto, não dito por uma menininha de três anos, mas por colunista madurão, de longa vivência na mídia impressa, chamou-me a atenção um termo por ele escrito ou transcrito em sua coluna - se reescreveu a palavra do jeito que a recebeu pecou por não a ter revisado antes de pô-la no papel -; falava, na oportunidade, sobre a seleção que faria determinado patrocinador seu, um grupo comercial de sua paróquia, de pessoas para serem contratadas imediatamente: caixas, empacotadores, entregadores e “extorquistas”. É possível que o comerciante estivesse procurando “estoquistas”, até porque, creio, não existe o extorquista profissional, tampouco na gramática da língua portuguesa tal termo. Certos maus elementos, quem sabe contratados para estoquista, ou qualquer outro cargo, se lhes advém a oportunidade ou a chance, por sua conta e ordem, podem meter-se a extorquir. Caso descobertos, é provável que quem os haja admitido ou empregado coloque-os no olho da rua. Se o colunista agiu por conta própria, ou se equivocou ao citar a palavra, porém, não fez, tão logo pôde, a devida errata, correu o risco de passar por descuidado, desatento, quiçá não, iletrado.

                Mais recentemente, outro jornalista, no afã de ressaltar e dar destaque às profissões do casal homenageado, ao se referir à de um dos cônjuges, disse que ele seria “arlegogista”; impossível: não existe essa profissão; sequer dito vocábulo consta dos melhores (ou piores) dicionários da língua portuguesa, e por um motivo bastante simples: trata-se de inusitado e estranho parônimo, ou seria um homófono, ainda inédito e desconhecido por filólogos lusitanos e tupiniquins?

                Pode até não ser mais difícil falar “arlegogista” do que alergista ou alergologista, mas provavelmente, a profissão à qual quis se referir o colunista, como desempenhada pelo cidadão do qual falava, seria uma daquelas. O alergista, segundo se sabe, é o médico especializado que cuida e/ou trata de todos os tipos de alergias; já o alergologista, além de ser habilitado no diagnóstico e tratamento das doenças alérgicas, deve ter cursado ou feito especialização/residência nas áreas de alergia e imunologia, além de haver passado por treinamento em clínica geral e/ou pediatria. É possível, entretanto, que nenhum desses especialistas haja ficado satisfeito ou feliz com a nova e estranha alcunha dada às suas ocupações profissionais.

                Na primeira oportunidade em que com ele me encontrar, repassarei a Sandoval os dois novos termos aqui citados, vocábulos inexistentes, neologismos criados pelas mentes inventivas de quem os mandou a público: “extorquistas” e “arlegogista”, para que ele os apresente aos netinhos; quem sabe a netinha, a partir da reiterada tentativa de pronunciar tais palavras, destrave seu tatibitate e comece a falar corretamente até aquelas palavras em relação às quais tinha dificuldade de articulá-las; quanto ao irmãozinho, mais atento e curioso, não seria estranho, se viesse a questionar que diabos de palavras seriam aquelas que o “vô” lhes apresentara. Não sei o que lhes responderia Sandoval; talvez dissesse às crianças que iria perguntar ao amigo que as teria repassado a ele. E vida que segue.  

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