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OS TATIBITATES E OS FALSOS PARÔNIMOS
Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)
O amigo
Sandoval me disse, certo dia, que uma das maiores diversões de seu casal de
netos é, para os dois, quando o neto, mais velho e deveras curioso, pede à
irmãzinha de três anos que repita algumas palavras que ele lhe fala e que ela
não consegue dizer, mas sempre cai na gargalhada, levando-o a também rir bastante.
Como um bom número de crianças, sua netinha tem dificuldades com a letra “r”,
mas nem sempre: quando ela está no meio do vocábulo, às vezes, a mocinha a
pronuncia como se várias delas, repetidas, estivessem na palavra: porta, torta,
corda viram “porrrta”, torrrta”, “corrda”; já carro, para, princesa, macarrão,
dentre outras, é como se inexistisse o erre; nos vocábulos quero-quero,
paralelepípedo, tirolesa, por outro lado, as letras “r”, assumem o som de “l”.
E haja risada quando pedem para ela repeti-las: “quelo-quelo”,
“palalelepípedo”, “tilolesa” é como saem, cantadas; enquanto o vovô baba.
Se o irmão lhe pede
para repetir, por exemplo, as palavras liquidificador e condicionador, eles vão
às lágrimas de tanto rirem, porque ela consegue criar, a partir do modo como as
fala, termos muito mais difíceis de serem pronunciados do que as palavras
originais: “lifiquidicador”, “concidionador”, é no que as transforma a guria. A
propósito, certos dicionários virtuais ou eletrônicos, ao pesquisarmos por essas
variações fonéticas, eles perguntam se não seria “liquidificador” ou
“condicionador” o que estaríamos querendo dizer. Provavelmente, sim, tanto quem
procura quanto a netinha do Sandoval.
Outro
dia, entretanto, não dito por uma menininha de três anos, mas por colunista
madurão, de longa vivência na mídia impressa, chamou-me a atenção um termo por
ele escrito ou transcrito em sua coluna - se reescreveu a palavra do jeito que
a recebeu pecou por não a ter revisado antes de pô-la no papel -; falava, na
oportunidade, sobre a seleção que faria determinado patrocinador seu, um grupo
comercial de sua paróquia, de pessoas para serem contratadas imediatamente:
caixas, empacotadores, entregadores e “extorquistas”. É possível que o
comerciante estivesse procurando “estoquistas”, até porque, creio, não existe o
extorquista profissional, tampouco na gramática da língua portuguesa tal termo.
Certos maus elementos, quem sabe contratados para estoquista, ou qualquer outro
cargo, se lhes advém a oportunidade ou a chance, por sua conta e ordem, podem
meter-se a extorquir. Caso descobertos, é provável que quem os haja admitido ou
empregado coloque-os no olho da rua. Se o colunista agiu por conta própria, ou
se equivocou ao citar a palavra, porém, não fez, tão logo pôde, a devida
errata, correu o risco de passar por descuidado, desatento, quiçá não,
iletrado.
Mais
recentemente, outro jornalista, no afã de ressaltar e dar destaque às
profissões do casal homenageado, ao se referir à de um dos cônjuges, disse que
ele seria “arlegogista”; impossível: não existe essa profissão; sequer dito
vocábulo consta dos melhores (ou piores) dicionários da língua portuguesa, e
por um motivo bastante simples: trata-se de inusitado e estranho parônimo, ou
seria um homófono, ainda inédito e desconhecido por filólogos lusitanos e
tupiniquins?
Pode
até não ser mais difícil falar “arlegogista” do que alergista ou alergologista,
mas provavelmente, a profissão à qual quis se referir o colunista, como
desempenhada pelo cidadão do qual falava, seria uma daquelas. O alergista,
segundo se sabe, é o médico especializado que cuida e/ou trata de todos os
tipos de alergias; já o alergologista, além de ser habilitado no diagnóstico e
tratamento das doenças alérgicas, deve ter cursado ou feito
especialização/residência nas áreas de alergia e imunologia, além de haver
passado por treinamento em clínica geral e/ou pediatria. É possível,
entretanto, que nenhum desses especialistas haja ficado satisfeito ou feliz com
a nova e estranha alcunha dada às suas ocupações profissionais.
Na primeira oportunidade em que com ele me encontrar, repassarei a Sandoval os dois novos termos aqui citados, vocábulos inexistentes, neologismos criados pelas mentes inventivas de quem os mandou a público: “extorquistas” e “arlegogista”, para que ele os apresente aos netinhos; quem sabe a netinha, a partir da reiterada tentativa de pronunciar tais palavras, destrave seu tatibitate e comece a falar corretamente até aquelas palavras em relação às quais tinha dificuldade de articulá-las; quanto ao irmãozinho, mais atento e curioso, não seria estranho, se viesse a questionar que diabos de palavras seriam aquelas que o “vô” lhes apresentara. Não sei o que lhes responderia Sandoval; talvez dissesse às crianças que iria perguntar ao amigo que as teria repassado a ele. E vida que segue.
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