sábado, 5 de fevereiro de 2022

Candeira e Canindé

 

Alcenor em charge de Fernando di Castro
Charge de Gervásio Castro mostra o Canindé a desmontar um caranguejo


Candeira e Canindé

 

Fonseca Neto

 

Dos fluidos que emanam de Parnaíba, um discreto charme de cidade com aflorações de cultura letrada como que soprando com suas brisas atlânticas.

 

Essa constatação se tornou indiciária em meu juízo – se bem me lembro – quando, de minha infância, uma vizinha mudou-se para a distante Parnaíba e de lá escrevia cartas cantando as graças da “adiantada” cidade do Piauí – para alguns, em certas coisas, mais adiantada que Teresina. E eu ainda no meu sertão recôndito, no Maranhão. Nunca tirei essa espécie de abstração da cabeça.

 

Num deslocamento intra sertanejo, migrei para Teresina, Natal de 1969.

 

Gostando de ler livros, jornais e outras coisas que mostram o Piauí, naquela década, além do envolvimento na militância estudantil-política, em se tratando de Parnaíba, dois nomes faiscavam minha atenção: Canindé Correia e Alcenor Candeira. Qual atração? 

 

Na primeira visita que fiz à charmosa, em maio de 1978, por lá fui, estudante-liderança no campus da Ufpi, articulado com o dirigente do Diretório 3 de março, Elmar Carvalho, também os estudantes de Administração Horácio Mourão e Adrião Neto. Estávamos numa campanha para a primeira eleição direta do DCE, eu candidato a presidente.

 

Elmar, que conhecera um pouco antes, sabia eu, integrava um grupo de jovens que publicava um jornal “alternativo” chamado Inovação e que tinha um ponto de referência no dito Diretório. Não deu outra: já nessa jornada de campanha, por Elmar, estava no ninho do Inovação, e de uma vez só, vi Alcenor, Reginaldo, Bernardo, Ednólia, Wilton, Fernando Holanda e outros de quem não retive nomes. Para mim, já figura interessante – Canindé –, não vi. Mas na segunda visita, Elmar me levou à casa dele ou marcamos um lugar para apresentação.

 

Nos anos seguintes – Elmar por perto –, assinei Inovação. Assumiu o DCE o Grupo GEG e o Movimento Travessia. Até hoje guardo a lembrança dessas figuras especiais da querida Parnaíba. Nesse contexto também conheci Airton Alves, dos mais apaixonados por Parnaíba: estava ao meu lado, num auditório da Engenharia, no Campus do Pici, em Fortaleza, quando fiz a leitura de uma Carta-Denúncia, ao Brasil, sobre o episódio da Praça da Graça – julho de 1979. Leitura feita para um público de mais de quinhentas pessoas, num ato político, na Reunião da SBPC – uma das mais importantes dessa entidade tão cara à ciência no Brasil.

 

Mas por que essas lembranças, relembranças? Recebi há poucos dias – por Elmar, claro – um livro necessário, que se diz Tributo a Canindé Correia, no que se intenciona seja um repertório de “Encontros com o Inovação”.  Trabalho coordenado por Reginaldo Costa e que reúne textos memoráveis de muitos que conviveram com esse notável parnaibano chamado Francisco de Canindé Correia.

 

O tempo do Brasil em que travei conhecimento com Canindé e Candeira, marcado pela ditadura militar, apoiada na força do atraso social reiterado, certas circunstâncias punham em contato pessoas mutuamente identificadas por certa imaginação, em essência, espécie de imaginação utópica. Por óbvio, a tarefa imediata, derrotar politicamente a Ditadura.

 

Darcy Ribeiro, que trouxemos para a Ufpi, no começo do dito 1979, e Paulo Freire, entre outros agora lembrados nesse Tributo – Reginaldo e Danilo os mencionam e contextualizam – “fizeram nossas cabeças” no genuíno sentido desse falar.

 

A ditadura foi politicamente exaurida e experiências, exemplo do Inovação, tiveram papel central nesse rumo, porque bastião e mobilizador cultural daqueles imaginosos utópicos. Canindé, o elo ardente, portador de um conhecimento escolar-político-economista, referencial dos apaixonados do outro Brasil.

 

A propósito de Canindé, Candeira, do próprio Inovação, vislumbro algo relevante quando se trata de Parnaíba de São João: uma percepção da secular “metrópole do norte” tal um lugar e referência não de uma saudade reacionária, mas um lugar histórico cujo passado deve ser reverenciado em chave do progresso humano. Daí dizermos, “progressistas”, à época, esses anjos sonhadores da igualdade, liberdade, democracia – enfim, da poesia e da paz.

 

Incrível! Canindé partiu na hora “agarosa” em que a infâmia bolsomorista acelera a operação de liquidação fatal do Brasil na bacia hedionda de seus inimigos de longos séculos. O que diria ele, p. exemplo, da queima criminosa da Amazônia e Pantanal por quadrilhas e saqueadores cruéis e consentidos do K? E das insinuações do Inominável com a linda urbs igaraçuana?   

 

Fonseca Neto, historiador, Cadeira 1, APL   

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