terça-feira, 29 de novembro de 2022

Em busca do hexa

Fonte: Google

  

Em busca do hexa 


Sousa Filho

 

Em busca do hexa

(Hepa)Tite insiste à toa

Gabriel Jejum entra em campo

Não faz nada, numa boa

Daniel foi a passeio

Time fraco, sim, senhor

Quem é bom, fica no banco

Que turrão, o treinador

Seleção  improvisada

Técnico conservador

Seleção ganha na marra

Coitado do torcedor

Quando chegar nas oitavas

Ai, será  complicado

Uruguai ou Portugal?

O Brasil desfigurado

Enfrentar Gana sem gana?

 

Qual será o resultado?

Vamos em busca do hexa

Põe o Pedro pra jogar

Reforça a seleção

Recupera ai, Neymar

A Suíça já passou

Acalmem os corações

Vamos pro terceiro jogo

Venceremos Camarões.

domingo, 27 de novembro de 2022

Seleta Piauiense - Paulo Véras

Fonte: Google


Aos quase trinta

 

Paulo Véras (1953 – 1983)

 

Aos quase trinta

– Amadurecente

 

Agridoce fruto

Em úmido pomar.

 

Ao meio da teia

Minha vida tateia.

 

Eu queria que a minha morte

Fosse como a de um trapezista

            Que despenca do alto,

Flutua, desafia a gravidade,

Ensaia traços de pássaro

E cai com suavidade.

 

Eu queria que a minha morte

Fosse como a de um mágico

Que transforma a realidade em fantasia.

A fantasia em realidade

E se mata com um tiro,

Um tiro de verdade.

 

Não quero morrer de tarde.

As flores estarão murchas e tépidas...

 

As tardes não foram feitas para se morrer.

 

Morrer de tarde incomoda bastante

Como o tic-tac do relógio, tecendo uma infinita

Cambraia de vento e tempo,

Tempo e vento.      


Fonte: Poemágico - a nova alquimia (1985)

sábado, 26 de novembro de 2022

CIDADE DE LIVROS

 

Sebo do Messias (22/11/22). Foto: Ana Cândida

Marcelino, Ana Cândida e Alberico Rodrigues, escritor e proprietário do Espaço Cultural, que tem o seu nome, na cidade de São Paulo


CIDADE DE LIVROS

 

Marcelino Barroso de Carvalho (*)

 

Você anda numa rua de livros e, no final, dá de cara com outra rua de livros... Eu queria morar numa cidade assim... Problemas respiratórios? Para que são feitos os cachés e os xaropes? Ao passar, lentamente, numa rua de livros, sinto que um deles me olha; outro me chama; e outro se esconde, de magro que é; um outro, ornado de “ouro de Ofir”, esbanja superioridade; o roto, de lombo cinzento, esconde um tesouro, no fundo de suas bolorentas frestas; música, artes, religião, arquitetura, filosofia, física, matemática, um turbilhão de saberes que os herdeiros – insensíveis aos gemidos de seus ancestrais (eruditos?) – entregam, em caixas e caixotes, por (até menos de) 30 dinheiros. Quase chorei quando vi um poeta, sem horizonte, trocar por merreca, em Belo Horizonte, os “restos mortais” de sua (antiga) biblioteca. Senti igual dor, um dia, quando procurei, em São Paulo, o Sebo de Seu Luís, num porão de vários andares, entre a Sé e a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. O português, idoso, gordinho e loquaz, abasteceu de sonho levas e levas de jovens e velhos intelectuais do Brasil. Um porteiro de garagem me desanimou: “Os herdeiros tinham outras ocupações”. Essa história se repete, mas os sebos ressuscitam nossos mortos e os transmudam em anjos benfazejos. Os defuntos nos comunicam, na folha de rosto ou numa sobrecapa, seus nomes (quase sempre ilegíveis), suas origens e até longínquas datas de aquisição das peças. Nos grandes sebos, como o do Messias, em São Paulo, os livreiros constroem verdadeiras “cidades de livros”, com ruas, becos e vielas; pracinhas, sobrados e mezaninos de estantes e armários; balcões ou tabuleiros como os de feira, onde os “alimentos” servidos são CDs, DVDs, VHS, vinis, a preço de banana. Foi aí que, certa vez, encontrei vários CDs da Deutsche Grammophon. Comprei todos, não apenas porque são os “únicos no mundo” cuja capa não quebra com um simples abrir-e-fechar, mas também porque encerram incomum repertório dos grandes clássicos da música universal. É evidente que os sebos não são o lugar preferido dos novos pesquisadores e cientistas, pois a estes se disponibilizam bibliotecas e livrarias especializadas; são, isto sim, lugar de diletantes ou de pechincheiros, cada um com seus propósitos ou com suas necessidades, tendo em comum a certeza de que despenderão pouco dinheiro. Foi nos sebos que adquiri algumas enciclopédias e coleções completas de obras literárias a que não tive acesso em minha juventude pobre. Um dos meus sonhos dos tempos de faculdade era o de possuir os Comentários ao Código Civil Brasileiro e o Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro, de Carvalho Santos, bem como os Comentários ao Código Comercial Brasileiro, de Carvalho de Mendonça. Eu o realizei no Sebo de Seu Luís, que enviou a pequena montanha de livros pelos Correios, para Teresina. Antes, eu já realizara os sonhos de ter as Enciclopédias Delta Larousse, Barsa e Tesouro da Juventude. Talvez por ter sido revisor de jornal ainda na adolescência, sempre tive avidez por dicionários, tanto assim é que adquiri praticamente todos os que encontrei, durante anos, começando, evidentemente, com os principais da antiga FENAME: Português, Latim, Francês e o Das Dificuldades da Língua Portuguesa. Depois, juntaram-se os de outras línguas antigas ou modernas e até de Tupi-Guarani. Reuni outra leva de dicionários especializados, de diversas áreas do saber. Esse hábito me leva sempre a procurar, nas cidades-de-livros, a Rua dos Dicionários, correspondente à Rua das Referências, nas bibliotecas, segundo os sistemas ou classificações decimais (CDD ou CDU). Os sebos não têm essa preocupação com os sistemas de classificação bibliográfica e adotam uma disposição do acervo de certo modo caótica, mas de inteiro domínio dos atendentes. Por isso é que me rendo, de quando em vez, aos “olhares” que certos livros me lançam, com os quais, não raro, atraem minha atenção até a consumação da compra. Nos sótãos ou nos subsolos, é sempre possível encontrar-se algo surpreendente, talvez ali colocado até de modo proposital, para aguçar a curiosidade da gente. No sebo de Seu Luís, descer as escadas de jacarandá, torneadas em estilo manuelino, era motivo de uma satisfação a mais. Num ambiente assim, não posso deixar de lembrar do poeta Jorge da Costa Carvalho, a quem eu chamava rato-de-biblioteca (ou rato-de-livraria) e sobre quem escrevi um crônica, logo após seu inesperado falecimento, em 2021. Não posso deixar de lembrar o Sebo do Brandão, no Recife, talvez a primeira loja do gênero no Brasil, nem a Livro 7, que foi, durante anos, a maior livraria no país. Em todos esses espaços, eu sonhei de olhos bem abertos, mais até que nas fantásticas bibliotecas que frequentei, como a da Faculdade de Direito do Recife, porque, nestas últimas, os livros não me incutem a ideia de pertencimento, embora permitam a livre apropriação das próprias ideias. Quando postei, em rede social, a foto de uma rua na cidade-de-livros do Messias, o filólogo Nílson Ferreira e o poeta Elmar Carvalho me instigaram, nos comentários, a transformar em crônica a despretensiosa descrição da postagem. Desafio aceito, a ambos dedico estas percepções oníricas de uma cidade que somente os sebos de livros nos podem propiciar.

São Paulo(SP), 25/11/2022.

 

(*) Professor aposentado da UFPI. Membro da APLJ, da ALEAMA e da APC.

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Aversos versos

Fonte: Google


Aversos versos  


Sousa Filho

 

Teus "garbosos" e aversos versos

Nutrem celeumas sufocantes

Barafundas entre entre amantes

Alaridos tão diversos

Numa balbúrdia cruel

Sobem e descem corredeiras

Arrebentam ribanceiras

Tornam-te o mais puro fel

Companheiro inseparável

Fustigador de procelas

Nunca só um barco a vela

Frente a um mar revoltoso

Terremoto estonteante

Teus versos sempre arrogantes

Causam dor, choro e clamor

Numa ânsia exacerbada

Não contribuem pra nada

Sempre aversos ao amor. 

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

BERNARDO SILVA, UM MESTRE DA VIDA INTEIRA

Bernardo Silva, ou simplesmente B. Silva


BERNARDO SILVA, UM MESTRE DA VIDA INTEIRA


Kenard Kruel


Eu nasci em São Luís, a 30 de julho de 1959. Meu pai Antônio de Souza Santos ali estava a trabalho, como polícia especial, em missão espinhosa para a época, e ainda para os dias de hoje (um dia eu contarei tim tim por tim esta história...). Obrigado mamãe Maria do Socorro Fagundes dos Santos por ter me tido. Com dois anos de idade, nos mudamos para Parnaíba, onde passei a minha juvenília estudando o primário no Grupo Escolar José Narciso, o ginásio no Clóvis Salgado e o curso técnico em Administração de Empresa no Colégio Estadual Lima Rebelo. 

Entre o brincar, com as cobras e outros bichos que nos rondavam, estava sempre com um livro nas mãos e a ideia fixa de ser escritor na cabeça. Aos 10 anos de idade, fui ao jornal Folha do Litoral, do Batista Leão, pedir uma vaga na redação. Deram, mas para eu limpar os tipos (letra por letra, de A a Z) usados nas páginas do jornal, tendo como meu chefe o Xixiinol (Sic???). De quebra, limpava, também, todo o jornal do jornal. Principalmente os banheiros. Sempre gostei de ser limpeza, DNA da família Fagundes dos Santos. Esperava uma oportunidade para publicar um texto meu. O meu ídolo era o jornalista Bernardo Silva, que agia como se fosse editor chefe e mandava e desmandava no pedaço. 

Nunca deixei faltar o cafezinho quente, com os bolinhos de goma, comprados no Bar Parnaíba, ali pertinho. Também não lhe faltava mimos como os discos do Waldick Soriano, de quem meu pai era fã e super amigo e os ganhava de cortesia. Bernardo Silva, ao final da labuta, descia as ruas da Parnaíba, com um gravadorzão, fita do Waldick Soriano na agulha, e tomando uma branquinha para aliviar a tensão do dia. Era fã do Waldick Soriano, Evaldo Braga, Lupicínio Rodrigues, Nelson Gonçalves, Nelson Ned, Maysa, Clara Nunes, Dalva de Oliveira e outros e outras que pontificavam na ocasião. Fizemos várias serenatas, às tantas namoradas dele, ao som do Roberto Carlos, que era genial e virou apenas um grande nome na MPB, atualmente. Como dói, CDA. De tanto segui-lo e persegui-lo, um dia a recompensa veio. - "Menino, escreva o editorial de amanhã". Imperativamente. 

Escrevi sobre o Apogeu e a Decadência da Parnaíba. Não esperava publicação, porque parnaibano é bicho bairrista. E, se fosse publicado, os exemplares das bancas voltariam e os das assinaturas seriam devolvidos, craniei. Não fui para casa. Fiquei de tocaia. Até que o Xixinol peguei a minha lauda, e fez o sinal positivo. Mesmo assim, não arredei o pé, até vê-lo paginar o texto e iniciar a impressão. Peguei 100 exemplares e levei para a escola. Passei pela casa de uma jovem, para quem eu poetava, e entreguei, a ela, pessoalmente, um jornal. Todo feliz, até cair na real de que editorial não é assinado. De quando em quando, o Bernardo Silva me pedia um editorial, que eu já fazia sem o menor ânimo, porque queria ver era o meu nome estampado, em letras garrafais, no jornal. Até que o dia veio. 

Bernardo Silva pediu para que eu opinasse sobre o romance Tombador, 1971, de Fontes Ibiapina. Ele sabia que eu vivia socado na biblioteca do Fontes Ibiapina e já tinha lido-a toda, bem como os livros que ele já havia publicado: Contos - Chão de Meu Deus, 1958; Brocotós, 1961; Pedra Bruta, 1964; Congresso de Duendes, 1969. Romances - Sambaíba, 1963 e Palha de Arroz, 1968. Fiz um alentado estudo sobre o romance em pauta e analisei toda a produção do Fontes Ibiapina, que me tinha como amigo e uma espécie de secretário particular, pois muitos dos trabalhos dele eu revisei e passei para a máquina de escrever. Fontes Ibiapina previu que eu seria um famoso escritor. No que ele acertou, na profecia. O texto fez sucesso. Fontes Ibiapina enviou correspondência ao jornal, parabenizando a publicação e dando-me "agradecimento fraternal". Pronto. 

Logo me dei ao luxo de ocupar as páginas, também, com poemas que hoje eu não ousaria publicar. Mas, eram destinados à jovem por quem eu poetava. Até que pintou o clima. E fomos felizes por longos curtos meses. Os pais dela se mudaram para outra cidade, a trabalho, despedaçando-me o coração. Como um bom paizão, o Bernardo Silva me curou, levando-me para as madrugadas da Quarenta (onde conheci o Juarez, o Pituca, o Bode Louro - Augusto Portela, o Desidério, o Bernardo Lima, o Espedito, o Seixas, o Nenem - Manoel Silva, o Hélvio Melo Castro, o Hélio Lemos, o Cântídio Lemos, o Francisco Ramalho Pastengão e o Pastenguinha, o Cecil ... que, anos depois, criaram a página Amigos da Arena Quarentão, do qual faço parte, com muito orgulho). 

Eu era um meninote, mas o Bernardo Silva, freguês das antigas, era muito respeitado pelas madames, o que me garantia passe livre nas camas das jovens de vida nada fácil. Logo esqueci a jovem por quem eu tanto poetava. Papai passou a perguntar por que eu estava chegando quase com os cagar dos pintos. -"Fazendo serão". Ele apenas disse: - "Será!!!". Mamãe não dizia nada, pois tinha a prova nas cuecas cheias de batons. E, como mãe é mãe, não me entregava ao relho do meu severo pai. Tempos bons. Tempos felizes. Amar e ser amado, enquanto duravam os cobres. - "Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis". Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Typografia. Nacional, 1881.

Fiquei tão bom no ofício, tão genial na profissão, que o Folha do Litoral não me cabia mais. Deixei-o para o meu próprio jornal: Batalha do Estudante, que o Paulo Couto guardou todos os números e, ano passado, generosamente, me passou os exemplares, devidamente guardados em sacos plásticos. Estou negociando a venda para a Biblioteca da Babilônia, entre outros pedidos de aquisição. Sobre o Batalha do Estudante, falarei, mais adiante, com vagar.

Volvamos ao Bernardo Silva. Ele está de aniversário. E, para ele, todo o meu agradecimento por ser este famoso escritor que eu sou hoje. Não seria se não fosse pela generosidade e, principalmente, pela sacada dele, em perceber em mim o grande talento para as letras, dando-me as primeiras oportunidades no jornal Folha do Litoral. O que jamais esquecerei, em vida e além vida.

Meu caro mestre Bernardo Silva, perdulário da bondade. Vida longa, com saúde, paz, fé, esperança e amor.

O meu muito obrigado por tudo.

Não se deixe de mim. Continuo sendo um ilustre, agora, aprendiz seu. Beijos, carinhosamente, do amigo Kenard Kruel.

terça-feira, 22 de novembro de 2022

Amantes

Fonte: Google


Amantes


Antônio Ferreira


Uma aventura muito desejada

proibida para mim, me desconserta

se acalora ser por mim cortejada

mesmo ele bem próximo e sob alerta


Amantes fugazes e inconsequentes

a mercê da vilania do amor

do enroscado de corpos calientes

de muito suor, tesão com fervor


Somos vítimas de tenções algozes

insanidade, entrevero, receio

desejos que nos tornam atrozes


À espera das próximas carícias

o dia é sempre mais perfumado

quando lembro das nossas imperícias

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Troféu Raça Negra




Troféu Raça Negra


Carlos Rubem 


Estou relendo “Vidas em Contrastes”, de autoria do escritor oeirense José Expedito Rêgo (1928 - 2000), publicado em 1992, que clama por uma reedição. Vale a pena difundir nossa produção artística. 


A cada leitura deste livro me provoca novas percepções, revelações humanísticas. Merece ser roteirizado para o cinema.


O enredo da aludida obra, de profunda significação sociológica, é calcada em fatos reais. Tem como pano de fundo o cruel “Crime da Canavieira” havido em 1957. Uma tragédia grega, no dizer do Dr. Clidenor Freitas, figura proeminente, já falecido.


Logo no primeiro capítulo é descrito a contígua espacialidade compreendida pelos edifícios do Cine Teatro Oeiras, Associação Comercial, Café Oeiras, Passeio Leônidas Melo e Praça da Bandeira, construídos pelo prefeito Coronel Orlando Carvalho, na época da getulina ditadura.


O último equipamento público citado era somente frequentado pelas empregadas domésticas e seus namorados. Uma das centrais personagens do romance, Calu — nasceu cor de mel — a mais linda cabrocha da cidade, ali reinava. A estratificação social era bem delineada.


Batina, era funcionário municipal desde o tempo da Intendência. Vigia implacável, não permitia que nenhuma curica transitasse no dito Passeio, reservado apenas para gente da sociedade, como se dizia.


Promovido pela Portal Mural da Vila (leia-se Lameck Valentim), na noite de ontem (19.11.2022), naquele simbólico conjunto urbano, houve a entrega do Troféu Raça Negra - Ano Antônio Carlos Valentim, na sua 2ª edição. A primeira ocorreu em 2019. Durante o trevoso período da pandemia ocorreu um justificável hiato. 


Benfazejos tempos vivenciados. Festa bastante concorrida. Foram agraciados 45 pessoas. Cada dignitário, ao receber suas insígnias, prestaram lúcidos depoimentos, relatos comoventes entremeados de denúncias de preconceitos de cor.


Entre os homenageados, sem prejuízo dos demais, destaco ator Flávio Guedes, produtor do premiado longa-metragem “Uma mulher chamada Esperança”. Foi representado por Ludiane, sua irmã.


O audiovisual é baseada na carta escrita pela escravizada Esperança Garcia, em 1760, que residia na Fazenda Algodões, antiga possessão de Oeiras, hoje, vizinha cidade de Nazaré do Piauí. Este documento foi localizado no Arquivo Público do Piauí pelo pesquisador Luiz Mott, nos anos setenta. Garcia é considerada a primeira advogada do Piauí.


A missiva é endereçada ao governo da então Capitania do Piauí. Acusa os maus-tratos praticados pelo Capitão Antônio Vieira de Couto, administrador daquela Fazenda reinol. 


Claro que fiquei satisfeito em participar deste prestigiado evento, digno de encômios. Parabéns aos organizadores!

domingo, 20 de novembro de 2022

Seleta Piauiense - Jorge Carvalho

 

Fonte: Google

PRAÇA DE SANTO ANTÔNIO

 

Jorge Carvalho (1951 – 2021)

 

Do meu Avô, o nome Santo,

Santo Antônio doado por meu Avô:

o Santo Antônio da Torre,

o Santo Antônio da Praça,

Praça de Santo Antônio.

De Santo Antônio de Pádua Pires,

e Santo Antônio Cajubá Neto.

Praça de leste céu,

praça de D. Celeste

das PRATAS, pratos e Pires.

Praça de D. AraDy e BIBELô

e dos “queridos”: Teixeira e Marcô.

Do Cândido e das cândidas candinhas.

Praça das tesouras dos TESOURO$

e brincadeira, molecagens, e namoros.

Praça das querelas e quermesses,

aquarela floras das paqueras.

Praça d. Flora e Ozias:

o Comendador da Praça.

Do Albertinho Furtado,

o comentador da “raça”:

da bolsa de valores

e dos valores da bolsa,

da moça de predicados

e dos “predicados” da “moça”,

da cotação dos “veados”

e dos cornos, cousa e lousa,

dos condes falidos e falados

e do desejo de Antônio de Sousa.

Do Parnaíba, o clube da Previdência.

Da Parnaíba, à mercê da Providência.

Praça dos Polidos e políticos,

do comício de Zé Mendonça:

“Pé de porco, mão de onça”.

Praça do Centro Cívico,

ex-campinho das “peladas”

do “Pelado”, hoje Sr. Ronald.

Praça do Colégio das Irmãs

e das irmãs do Colégio.

Praça do Rubenito, notário e Barão

e do Carcará, otário e “Lindão”.

Praça: feito leito, e monumento.

graça do perfeito, prefeito jumento.


Fonte: site Antonio Miranda

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

O INOVAÇÃO E A PRAÇA DA GRAÇA

Membros do Jornal Inovação, sob o cajueiro de Humberto de Campos, vendo-se, da esquerda para a direita, no 1º plano: Bartolomeu Martins, Vicente de Paula (Potência), Elmar Carvalho e Canindé Correia; 2º plano: Danilo Melo, Francisco (Neco) Carvalho, Diderot Mavignier, Franzé Ribeiro, Sólima Genuína, Bernardo Silva, Reginaldo Costa e Paulo Martins; 3º plano: Jonas Carvalho, Israel Correia, Porfírio Carvalho, Wilton Porto, Alcenor Candeira Filho e Flamarion Mesquita. Percebe-se, nesta fotografia, a felicidade dos retratados com esse reencontro, posto que vários moravam em outros estados e municípios. Hoje, a maioria já não reside em Parnaíba



O INOVAÇÃO E A PRAÇA DA GRAÇA


Elmar Carvalho


Recebi ontem, através de e-mail enviado pelo amigo e chargista Fernando Castro, várias fotografias dos escombros da Praça da Graça, destruída por ordem desastrada do prefeito João Batista Ferreira da Silva, no final dos anos 70, na intenção de construir uma nova praça. Da noite para o dia, transformou o coreto, os jardins, a pérgula, os passeios, com seus belos traçados, em ruínas.

Como eu morava na referida praça, no apartamento dos Correios e Telégrafos, em virtude de meu pai ser o chefe da agência da ECT, todos os dias eu enxergava os tapumes que escondiam os destroços. Os dias e os meses foram passando, e nada de a obra de reconstrução ser iniciada. Por esse motivo, o jornal Inovação, fundado por Reginaldo Costa e Franzé Ribeiro, que já vinha “batendo” nos equívocos e mazelas da administração municipal, começou a denunciar acirradamente mais esse erro do alcaide Batista Silva e a cobrar  o início das obras, em todas as edições.

Na época, como todos sabem, não havia internet e Parnaíba contava apenas com a rádio Educadora, a pioneira na radiodifusão estadual, com o jornal tipográfico Folha do Litoral e com o Norte do Piauí, salvo involuntária falha de minha memória. Os dois primeiros veículos de comunicação pertenciam ao grupo dos Silva e o terceiro, a Mário Meireles. O Inovação, embora na época fosse mimeografado e feito no formato apostila, vendia mais do que esses dois hebdomadários.

Era comentado, passado de mão em mão e enviado para fora. Era feito na base de duros sacrifícios e dificuldades, uma vez que os “inovadores” não tinham recursos financeiros. Não entrarei em detalhes, posto que seria uma longa história, e uma vez que já escrevi um trabalho sobre esse assunto, intitulado “Jornal Inovação – um Depoimento”, que se encontra na internet, bastando que se recorra aos sites de procura ou pesquisa.

Certa noite, quando eu saí do apartamento para a rua, vi os tapumes serem derrubados por várias pessoas. Após, foram empilhados e incendiados. Imediatamente, montei em minha motocicleta e fui chamar o Reginaldo Costa e o Bernardo Silva, que moravam na rua Vera Cruz. Eles haviam acabado de chegar de Teresina, onde mantiveram contato com o advogado Celso Barros Coelho, para se defenderem de um processo criminal que o prefeito havia ajuizado contra eles, o qual terminou sendo arquivado pelo juiz e contista Magalhães da Costa, que depois chegou a desembargador e passou a pertencer à Academia Piauiense de Letras. 

Recentemente, os membros do Inovação foram chamados por certo jornalista de “mumificados”, os quais teriam como feito mais relevante o fato de terem derrubado os tapumes e lhes terem ateado fogo. A afirmativa mereceu resposta do jornalista B. Silva, que disse nunca nenhum dos membros do Inovação ter reivindicado tal “heroísmo”. Também foi repudiada por Reginaldo Costa e Wilton Porto.

Com efeito, não fomos os “inovadores” que tocamos fogo nas tábuas que formavam o que o jornal chamava de “muro da vergonha”. Entretanto, podemos afirmar categoricamente que foi a campanha vigorosa e isolada desse pasquim, que foi contra a destruição da praça e que clamava pela sua reconstrução no modelo antigo, que achávamos muito mais belo, além de que fazia parte da memória afetiva, sentimental e histórica da velha urbe, que provocou aquele verdadeiro levante da juventude parnaibana.

No dia seguinte (31.08.1979), houve uma mistura de passeata cívica e carnaval, com carros desfilando em redor da praça, com foguetes, bombas e buzinaços estilhaçando o silêncio da manhã radiosa. O fato mereceu uma edição especial e histórica do jornal. Podemos afirmar que foi graças ao bom combate do Inovação que a reconstrução do logradouro tomou ritmo acelerado.

No entanto, o jornalista cometeu outro grave erro, porquanto as “múmias” estão mais vivas do que nunca, porque continuam escrevendo, publicando livros, colaborando com jornais, revistas, sites e blogs, exercendo seus cargos, encargos e funções; inclusive, vários “mumificados” pertencem às principais instituições culturais de Parnaíba e do Piauí. O nobre jornalista é que parece haver perdido o faro e o bonde da história. 

27 de abril de 2010                     

domingo, 13 de novembro de 2022

Seleta Piauiense - Menezes y Morais

Fonte: Google


misério

 

 Menezes y Morais (1950)

 

sinais particulares não os tem

exceto uma estranha luz que sai

das palavras gestadas em sua boca

melhor dizendo do objeto

não identificado da vida

encravado na sexta-feira santa do olho

sinais particulares constam sim

no mapa universal do corpo

carícias do tempo

tatuagens da existência

risco de felicidade pronta entrega

detonam a tristeza dessa gente

o não identificado amor bate nos dentes

do objeto identificado do sorriso

sinais públicos ele os tem sim

rastreados no raio x do paraíso

 

Fonte: site Antonio Miranda (acesso em 12/11/2022)

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

BEM-TE-VIS E URUBUS

Fonte das imagens: Google


                         

BEM-TE-VIS E URUBUS


Elmar Carvalho


Em Parnaíba, de manhã bem cedo, do apartamento, ouvi as flautas alegres dos bem-te-vis, em que as aves parecem conversar musicalmente ente si. Embora não estejam entre os mais prestigiados pássaros canoros, contudo, gosto do canto deles, pela alegria moleca que parecem transmitir. Com suas plumas de vivo colorido, parecem estar vestidos a caráter.

Sua cantiga tem timbre, ritmo e arranjos diferentes, embora sutis e quase imperceptíveis a quem os ouve desatentamente. Conta a lenda que a onomatopeia da cantiga dessas aves nos serve de advertência para que tenhamos cuidado com as nossas ações e omissões, pois alguém ou Deus, em sua onisciência, sempre nos poderá dizer: bem te vi!... A algazarra esfuziante dos bem-te-vis me fez lembrar que ontem, ao entardecer, da janela do banheiro, contemplei a coreografia majestosa dos urubus, em sua planação circular.

A dança ficava exatamente no meu campo de visão da lua em quarto-crescente. Por vezes, em seus volteios, algum deles ficava em conjunção entre mim e a lua, o que mais tornava encantadora a revoada das aves negras se recortando contra o céu. Lembrei-me de minha mãe, porque foi ela quem primeiro me chamou a atenção para a beleza do voo solene, soberbo, dos urubus.

Também me ensinou a admirar a beleza das flores e das árvores e o encantamento das nuvens, explicando, em minha infância, que elas formavam diferentes desenhos, como um rebanho de ovelhas de imaculadas lãs brancas, ou uma rocha gigantesca, ou enormes paquidermes, embalados ao sabor da brisa, que depois tomavam novas formas, através dos cinzéis do vento. Minha mãe, ao cantarolar as belas letras de lindas melodias, também me ensinou, desde criança, a apreciar a boa música.

Talvez por isso tenha surgido a minha repulsa pelo barulho ensurdecedor das músicas e pelas apelativas e de muito mau-gosto letras dos tristes dias de hoje. Um dia, quando degustava uma cerveja com o meu falecido cunhado Zé Henrique, no bar do Zé Lira, no céu límpido e azulado de Campo Maior, mostrei-lhe a beleza da dança planada e circulatória dos urubus, e lhe falei desses garis alados, que não sujam o mundo; que, ao contrário, limpam o mundo da sujeira dos outros, da sujeira que os outros fazem.

Falei-lhe do seu caminhar gingado, malandro, como diz a letra da música popular; da saúde deles, pois, comendo o que comem, nunca se ouviu falar de que sofressem de alguma infecção ou indigestão. O meu cunhado passou a admirar essas aves de rapina, e certo dia, na casa de meus pais, talvez na premonição de sua morte precoce, e acredito que por um blefe brincalhão, disse que gostaria de voltar como um urubu.

Minha mãe retrucou-lhe, e disse que gostaria de ser um bem-te-vi, bela e alegre ave. O saudoso Zé Henrique preferiu a beleza das acrobacias e coreografias aéreas dos urubus e a utilidade instintiva de suas faxinas. Minha mãe, que, em suas poucas letras, ensinou-me a ver a beleza das coisas e da música, preferiu a magia das cores e o canto dos pândegos bem-te-vis. 

                                            24 de abril de 2010

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

terça-feira, 8 de novembro de 2022

O meu Cinema Paradiso

Fonte: Google


O meu Cinema Paradiso 


Paulo Couto


Lembrei do Caramba e do José que vendiam bombons em tabuleiros de madeira em dias de sessão de cinema no Cine Teatro Eden de Parnaíba. Um deles vendia do lado de fora, o outro vendia na entrada do cinema. Comprar ingressos era numa bilheteria, não dava para enxergar quem vendia. 

Tinha meia entrada para estudantes e inteira para adultos. Ainda hoje é assim nos Teatros, Parques de diversão e nos Circos que infelizmente estão em extinção. Atualmente existem salas de exibição de filmes nos shoppings com telas pequenas pra muita gente assistir. 

No meu tempo era muito melhor, tinha mais emoção, as telas eram enormes e quando o filme era bom, tinha que chegar cedo para pegar a fila que muitas vezes chegava a dobrar a esquina do quarteirão. Tinha filme que ficava em cartaz várias semanas. Muitas vezes entrei no prédio só para ver os cartazes dos filmes que anunciavam para breve. Ficava imaginando qual seria o melhor filme de bang bang que assistiria depois. 

Cheguei a presenciar, antes do início da exibição dos filmes, pessoas que chegavam cedo, bem vestidas. Era uma atração a mais e um momento de se mostrar. Parnaíba com seus trinta a quarenta mil habitantes, tinha poucas opções de lazer. O prédio onde funcionou o Cinema continua em pé, mas foi repartido em pontos comerciais. 

O José durante muito tempo ocupou um pequeno espaço na frente do Cine Eden. Algumas vezes levei relógio para ele trocar a bateria. Não era mais vendedor de bombons, mesmo assim dava pra bater um bom papo e de quebra ganhar bombons pipper que ele fazia questão de me dar, um dos meus bombons preferidos com gostinho de hortelã. 


Nota: O título da Crônica faz alusão ao filme Cinema Paradiso.

Meus cai

 

Fonte: Google

Meu cais 


Sousa Filho

 

Você é meu alicerce

Meu rochedo

Meu porto

Meu cais

Minha companheira

Meu norte

Nos momentos turbulentos

Minha válvula de escape

Meu abrigo

Meu afago

Meu acalanto

Meu suporte

Meu porto seguro

Minha fortaleza

Com certeza

Minha musa:

Vanusa

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

domingo, 6 de novembro de 2022

Seleta Piauiense - V. de Araújo

 

Fonte: Google


Menino de Rua

 

V. de Araújo (1950)

 

Em flagrante denúncia,

aquela criança sem teto,

sem nome, sem pai...

com saltos mortais

escreve sua história,

enquanto banha despida

nas águas poluídas

das fontes luminosas.

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

A morte e eu

Fonte: Google

 

A morte e eu


Elmar Carvalho


Dias atrás, fui a uma missa memorativa de um ano da morte de um amigo. Ao chegar, vi sobre uma mesa, logo à entrada do templo, uma lista de nomes de pessoas. Dirigi-me ao funcionário para apor nela a minha assinatura. Porém, qual não foi a minha surpresa, quando uma assistente do padre, ao ler o nome das pessoas falecidas, em cuja intenção de suas almas a missa seria celebrada, pronunciou o meu nome completo.

Ao final do culto, umas pessoas amigas me abordaram a respeito da menção indevida a meu nome. A uma delas, respondi que, quando eu efetivamente morresse, já tinha o crédito de uma missa. Para outra, afirmei que era sinal de que viveria ainda muito tempo, segundo a crendice popular. Terminei achando que eu não seria eu, mas o fantasma de mim mesmo.

Por fim, disse que passaria a escrever as minhas memórias póstumas, a exemplo do machadiano Brás Cubas. O professor Carlos Evandro falou que seria uma missa de corpo presente sem cadáver; ou com o “defunto” vivo, acrescento eu.  Seja como for, aquele não era o meu primeiro encontro com a “indesejada das gentes”. Já fora dado como morto e como desenganado pelo médico em ocasiões anteriores, e já tivera alguns encontros com a morte, e ela me desdenhara, conforme passarei a relatar.  

No apogeu de minha juventude, nos meus primeiros anos parnaibanos, mais precisamente em 1977, fui à praia de Atalaia num automóvel, com mais quatro colegas do curso de Administração de Empresas (UFPI – Campus Ministro Reis Velloso). Eu estava no primeiro ano e meus colegas já estavam em períodos mais adiantados.

No retorno, o colega que dirigia o carro tentou fazer uma ultrapassagem. A pista estava um tanto escorregadia, pois havia chovido. Parece que o motorista pisou no freio; não sei ao certo, pois o tempo parecia passar em velocidade vertiginosa. Sei que percebi que o carro se dirigia para fora do asfalto. Quando voltei a mim o carro já estava parado, fora da estrada. O impacto deve ter sido muito forte, uma vez que os pneus do carro foram sacados. Felizmente, todos estávamos bem, sem nenhum ferimento ou contusão, pelo menos, não de natureza grave.

Recordo que, após sair do carro, fui abordado pelo jornalista Carlos Lobo, que passava pelo local e viera tentar nos ajudar. Algumas décadas depois, em Teresina, quando fizera amizade com ele, puxei esse caso. Ele imediatamente disse que se lembrava. E acrescentou, sorrindo, que eu lhe dissera: “Quando notei que o carro ia sair da estrada, procurei tomar a posição fetal”, para melhor me proteger. Ele achara engraçada e algo inusitada a minha expressão, e por isso a guardara.

O jornalista e radialista Airton Alves também veio falar comigo nessa ocasião, lamentando o acontecimento. Eu, jovem e um tanto irreverente na época, lhe retruquei que ia comemorar, que ia “tomar meu próprio mijo, pois havia acabado de nascer novamente”. Dias depois, eu participaria do lançamento da obra poética coletiva Galopando. Alguns amigos disseram que o livrinho deveria se chamar Capotando, em alusão galhofeira a esse acidente automobilístico do qual saí ileso.

Em 1983 ou 1984, fui esperar a Fátima, na parada do Morro do Uruguai. Ela vinha em ônibus da velha empresa Marimbá, na qual viajei muitas vezes, que chegaria perto da meia-noite. Como o ônibus tenha se atrasado um pouco, resolvi dar uma volta no entorno, descendo a ladeira, e depois retornando ao ponto da parada. Minha moto era uma Honda CG-125, vermelha. No retorno, vi ao longe as duas luzes de um carro.

Não sei por que, talvez movido por minha intuição, resolvi olhar para trás. Vi então que o automóvel estava prestes a atingir a traseira de minha motocicleta. Ainda jovem, decidido e hábil, sem vacilar uma fração de segundo, virei o guidão para a direita, quando o carro, em alucinante carreira, passou a poucos centímetros de minha moto, entre esta e o meio-fio do passeio. Passou tão perto do canteiro central, que levantou muita poeira.

Tive a nítida impressão de que escapara de morrer, por frações de segundos e por escassos centímetros. Ao ler um romance policial, vi a descrição de que o protagonista escapara de morrer, quando um objeto pesado caiu sobre o local, que ele mal acabara de deixar, ao caminhar por uma calçada. O narrador disse que a personagem ficara com a sensação de que lhe escancararam a caixa da vida, e lhe mostraram suas delicadas engrenagens.

Também eu, ao longo dessas décadas, fiquei com a impressão de que, no meu quase acidente fatal, alguém me mostrara as finas e frágeis engrenagens da vida, ou me mostrara os fios que Átropos tece, e que a qualquer instante podem ser cortados, por capricho ou arbítrio dessa moira inflexível em seu mister, mistério e ministério.

Fico, às vezes, pensando nas coisas, nos bens, nos cargos e encargos e nas experiências, que adquiri ou conquistei após esse fato. Nos poemas e outros textos, que escrevi depois; nos fatos, que não teria vivido, nos amigos, que não teria conhecido. Fico pensando nessas coisas, nesses mistérios insondáveis, e talvez seja melhor não pensar; pelo menos, não pensar muito. Teria morrido moço. Talvez já estivesse quase ou completamente esquecido, mesmo como poeta, como literato. E não teria a bagagem de experiência, que só a velhice nos pode proporcionar. Lembro, aqui, o que dizia um amigo meu, que já partiu para a Eternidade: quem não quiser ser velho, que morra novo. E as coisas mais relevantes que consegui se deram após esse fato.     

Em 2004, quando eu exercia a magistratura na longínqua comarca de Ribeiro Gonçalves, foi descoberto que eu tinha um câncer no cólon do intestino grosso. O Dr. Gil Carlos me advertiu que não existia tratamento, exceto cirurgia. Fui operado por ele de forma exitosa, e fui submetido a tratamento quimioterápico.

Algum tempo depois, minha saudosa amiga Clea Rezende Neves de Melo, escritora, historiadora e professora universitária, me contou que uma pessoa, por telefone, lhe dissera que o médico só fizera abrir meu abdômen e o fechara imediatamente, pois nada podia ser feito, uma vez que eu estaria com metástase.

Ela acrescentou que já se preparava para comprar uma passagem área para Teresina (THE/BSB/THE), para me rever pela vez derradeira, mas resolveu ligar para um amigo comum, tendo ele dito que a notícia era inverídica, porquanto eu estava fora de perigo e em franca recuperação. Tempos depois contei essa história ao desembargador Nildomar da Silveira Soares, também já falecido, tendo ele me dito, que chegaram a lhe dizer que eu havia falecido. Creio que me confundiram com um outro juiz de Direito, que morrera nessa época.

Dessa forma, talvez com algum exagero, posso dizer que já tenho alguma experiência com a velha ceifadora. Contudo, desejo que a morte, com relação a mim, requiescat in pace.  

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

O ÚLTIMO ENCONTRO COM MEU AVÔ E O VELHO CASARIO

Fonte: Google
Edison Rebelo de Carvalho

 

O ÚLTIMO ENCONTRO COM MEU AVÔ E O VELHO CASARIO

 

Fabrício Carvalho Amorim Leite

 

“(...) A memória é uma lâmina de desassossego, cornucópia insana e insaciável, a jorrar o passado, que não morre nunca, sempre ressuscitado no eterno regresso a nós mesmos. O passado, poderoso e renitente, retorna e continua vívido e presente, se contorcendo, se retorcendo e se reacontecendo. Ah, as carnes pulsantes de um passado sempre lembrado... (...) ” Poeta Elmar Carvalho.

  

             Em uma bela manhã ensolarada no início dos anos 2000, parei o carro na porta do amplo casario já quase sexagenário, tirei meu filho de poucos meses do carro e fui em direção à entrada. Contemplando-o.

 

             Olhei para o terraço da frente e, no chão, ainda se pisava firmemente nos azulejos envelhecidos e desbotados, com cores ainda sóbrias.

 

             O terraço ou sala de visitas era arejado e moldado por um vão aberto para rua, sem grades, com cadeiras modestas de fitilho justapostas como se estivessem convidando a todos a sentar. Tudo sem ostentação. Como se o tempo tivesse parado. E parou, para mim, como estivesse me convidando para um encontro entre o passado e o presente. Realmente parou.

 

              E, lá estava ele: Edison Rebelo de Carvalho, ex-líder político, advogado, comerciante, fazendeiro e outras funções exercidas, o meu popular avô.  Sentado, no mesmo local e mesma posição em que, por inúmeras vezes, “despachava” ou promovia encontros formais e informais, com autoridades, lideranças, munícipes, empregados, eleitores, amigos, dentre outros. Realmente, ali era um dos seus lugares preferidos.

 

             Via tudo, sim, e, às vezes, mesmo criança, contando tão-somente com a sorte, dava palpites quando falavam quantos quilos tinha uma arroba de boi:

          

            - Possui quinze quilos, vovô, eu disse.

 

           - Não é que ele acertou. Meu avô falou, espantado.

 

            Saí orgulhoso, mesmo acertando na base da adivinhação, mas ganhei um ponto.... Ganhei. Ou quando tentava, em vão, acompanhá-lo nos cálculos dos preços das mercadorias ou somas. Via e observava tudo, sim, e, como uma criança curiosa, na ingenuidade, era bisbilhoteiro, sim.

 

              Foi naquele mesmo lugarzinho e momento acolhedor da memória, que brinquei, ouvi histórias aterrorizantes de lobisomem, vampiros e imaginei quando era criança e, com certeza, também, era um período especial para muitos outros.

 

             Abri, um tanto emocionado, o já envelhecido portãozinho de ferro da entrada principal, com meu filho ainda bebê a tiracolo.

 

              No velho casario do meu avô, como de costume, olhei pausadamente e novamente para cima, pois ainda havia um telhado muito alto - telhas rústicas feitas há mais de 50 anos -. Daquele tempo em que havia casas muito altas, ou por causa da circulação de ar, ou como sinônimo de fartura mesmo.

 

               E, era assim, naquela época: os telhados atravessados por longos caibros, ripas e demais partes de sustentação feitos pela longeva e imponente carnaúba, árvore bastante comum na região de Esperantina, Piauí.

 

               Quando criança, de férias, antes de dormir depois do almoço, tinha o costume tranquilizador de ver cada fresta do antigo teto de carnaúba do casario. Cada imagem e impressão era única e mágica por causa do pouquinho do sol que entrava com a sua luz mágica. Um verdadeiro sonífero natural.

 

               Cada arco ou lampejo de luz, como, também, às nuvens acima do telhado, transformava-se rapidamente em cavalos, anjos, dragões, cavaleiros, sorrisos, moinhos de vento, monstros e outras milhares de formas que a rica imaginação infantil poderia criar e levar.

 

               Penso que, como pontes, há objetos mágicos que nos fazem transportar no tempo. E à medida que o espírito imaginativo atua, podemos atravessar este portal e, em segundos, a infância reaparece, também, uma vida vivida mesmo muito antes de nosso nascimento e, quem sabe, ao futuro ou outro mundo jamais vivido. O casario e seus objetos são mágicos, sim, são pontes ou portais...

 

               Poucas foram as palavras, porque os sinais característicos da idade avançada e do peso do tempo, nitidamente, pairavam sobre o anfitrião. Apesar de tudo, o ar da sabedoria e serenidade deste se mantinha.

 

               O estranho é que o encontro entre um neto (eu), um bisneto (meu filho) e o avô (e bisavô) com mais de 80 anos, fez-me pensar no poder das engrenagens invisíveis que movem o tempo.

 

               Coloquei, por alguns minutos, o meu filho no colo do avô e, este, deu aquele sorriso meigo e acolhedor. O momento, devido a emoção, para mim, ficou gravado para sempre na memória. Mas, sem desassossego. Houve uma paz eloquentemente e silenciosa.

 

               Despedi-me, com uma sensação estranha como se fosse pela última vez ... Encostei o velho portãozinho de ferro com cor de passado e, da janela do carro, pela última vez, contemplei aquele senhor símbolo de uma época.

 

              Alguns anos após, mais exatamente em 03 de março de 2010, Edison Rebelo de Carvalho iria para o outro plano e, como há de ser para todos: as engrenagens invisíveis que movem o tempo nunca param… Talvez, não, para o velho casario e suas memórias.