Foto meramente ilustrativa Fonte: Google |
FLAGRANTES DA NATUREZA
Elmar Carvalho
Hoje cedo, perto da cidade de
Demerval Lobão, avistei um pequeno vira-lata, atravessando a estrada, com muito
esforço, em verdadeiro estoicismo, a que talvez tenha se habituado, diante do
inelutável de sua tragédia individual. Não movimentava as patas traseiras, e
tinha que arrastá-las na aspereza de lixa do asfalto. Diminuí a velocidade do
carro, para que ele pudesse concluir a penosa travessia da melhor maneira
possível.
Muito provavelmente a sua
deficiência foi provocada por algum veículo ou por alguma paulada ou pedrada de
algum brutal representante da raça humana. Acostumado a correr e a saltar em
sua canina agilidade, repentinamente sofreu o golpe que agora lhe obrigava a
arrastar as patas inválidas, em esforço extraordinário dos membros anteriores,
em sua luta solitária pela sobrevivência, em busca de alimentos ou na fuga de
eventual e inesperado predador.
Comovi-me profundamente com a
cena e ainda estou triste. Como um contraponto alegre, narro dois outros
flagrantes de minhas viagens. Outro dia, vi uma cobra coral atravessando o asfalto. Em lugar de acelerar, para
esmagá-la, como muitos fariam, fiz exatamente o contrário. Desacelerei o carro,
para melhor vê-la elegante e belamente mover-se, como viva, colorida e
ondulante fita, filha das matas.
Fiz isso porque uma cobra só
ataca quando se sente ameaçada. Fiz isso porque ela não tem nenhuma culpa do
veneno que tem. É uma arma natural que lhe foi dada, sem que ela tenha pedido.
Mas, em contrapartida, o Criador não lhe deu asas nem pernas, e ela tem que se
arrastar, sobre areias e pedregulhos, na luta pela vida.
Vi também, outro dia, um
arco-íris formar uma espécie de portal multicolorido sobre o crepe lutuoso do
asfalto. Parecia, prenhe de lendas e mistérios, um estandarte a simbolizar a
esperança de um mundo melhor, de um mundo mais justo e mais fraterno, onde os
cães abandonados não mais precisem arrastar suas pernas paralíticas, por causa
da insanidade do mundo dos homens.
10 de maio de 2010
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