Valério Chaves Pinto – Des. aposentado do TJPI
Há algum
tempo foi divulgado um fato que se não fosse fruto de falsos dogmas defendidos
por setores mais radicais da sociedade brasileira, tinha muito a ver com o
ineditismo popular e as supérfluas fórmulas sacramentais de certos atos da vida
civil do brasileiro.
A notícia
(não confirmada oficialmente) dizia que um influente líder religioso teria se
negado a celebrar o casamento de um funcionário público com uma empresária do
ramo de cosméticos pelo simples fato de o noivo ser paraplégico e não ter prova
médica de sua capacidade sexual.
- Só pode
casar quem tiver capacidade física comprovada de gerar filhos. Fora do sexo
para fins de procriação, não existe felicidade no casamento – teria dito o celebrante
perante os noivos.
Afinal, quem
possui defeito físico e é impotente sexual está proibido de casar perante a
igreja e a lei civil?
Para a lei
brasileira qual é a posição do Direito Civil em relação aos chamados fins do
casamento?
O Código
Civil Brasileiro de 2002 tem respostas para essas questões na medida em que ao
tratar das proibições para o casamento em seu artigo 1.521, não elenca a
impotência sexual como um dos impedimentos dirimentes públicos ou privados que
obstam a realização válida do casamento. Apenas para efeito de anulação do
casamento o Código refere no seu art. 1.556 ao erro essencial quanto à pessoa
do outro cônjuge, mas só se o erro for de tal forma que o seu conhecimento
ulterior acerca da realidade fática ou jurídica, torne insuportável a vida em
comum ao cônjuge enganado.
Erros de natureza diversa ou secundária como
os que dizem respeito a defeito físico, capacidade de gerar filhos,
preferências esportivas, artísticas e culturais não interferem na validade e na
eficácia do vínculo matrimonial estabelecido. Para a doutrina o erro essencial
não deve imiscuir-se estranhos, porque somente o cônjuge poderá decidir se a
vida conjugal deve continuar.
Embora se saiba que o sexo é
componente importante no casamento, eis que dele decorre a reprodução da
espécie humana e o entrosamento de homem e mulher, porém ninguém pode alegar
impotência sexual como defeito físico insuscetível de cura pela medicina, como
causa de impedimento para o casamento civil entre homem e mulher.
Mesmo que a esterilidade do cônjuge se
constituísse em proibição para a celebração do ato, haveria de se ponderar que
somente a vontade dos contraentes deve atuar como instrumento para a felicidade
de ambos, mormente se existe recíproca afeição e comunhão de esforços.
Com efeito, sendo o casamento um
direito intangível, parece claro que todo homem, enquanto livre e não escravo,
merece exercitá-lo desvinculado de tendências sociais, morais, filosóficas,
políticas e, principalmente religiosas.
No mundo moderno, com os avanços da
ciência aumentando a capacidade do homem de criar e superar limites, ninguém
mais ignora a quantidade de casos de cura de pessoas que sobrevivem à
expectativa dos próprios médicos. Os desafios estão sendo mostrados pela
velocidade de multiplicação do saber. As doenças incuráveis deixaram de ser
regra para se tornar exceção. Disso resulta claro que, sendo a impotência
sexual no casamento uma questão de direito, é também, fundamentalmente, um
problema de medicina.
O caso em referência, certamente deve
ter tido um final feliz porque ninguém tem o direito de proibir a felicidade de
outrem. Afinal, o sentido de o homem dar significado à sua vida e dimensionar
sua personalidade, transcende a uma mera condição física.
Portanto, diferentemente do que pensam alguns defensores das desilusões que emergem do sonho não realizado, está na hora de esquecer os falsos dogmas e se estabelecer uma distinção bem nítida entre impotência sexual e vontade de ser feliz.
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