domingo, 13 de abril de 2025

POEMA DA MULHER AMADA

Fonte: Google

 

POEMA DA MULHER AMADA


Elmar Carvalho

 

Amada mulher fatal

o teu amor embora servido

em pequeninas doses é letal

mas eu o tomo lentamente

como um néctar de veneno

em longos e lentos goles (sereno)

como ópio em lenta mente

 

Mulher amada o teu amor

conquistador e guerreiro me toma de assalto

e nem me deixa a oportunidade

de esboçar o meu espanto

e ensaiar o meu sobressalto

de acrobata perdido em pleno salto

                                                     mortal

mas que antes de um desfecho trágico

como que por milagre se salva

entre magia sortilégio e quebranto

pelo gesto carismático de um mágico

 

Amada mulher fatal

o teu amor devastador

não me deu a chance de optar

entre te querer ou não querer

 

               Teresina, 07.12.83 – 18:00h

quarta-feira, 9 de abril de 2025

Voe, Canarinho

 

Fonte: Google

Voe, Canarinho

 

Por Fabrício Carvalho Amorim Leite

 

Tenho quase certeza de que já escrevi sobre o meu bendito muro — ou pelo menos tentei escrever e esqueci de começar — algo sobre ele, em minha breve e errante passagem como cronista de objetos cotidianos.

 

Uma pessoa normal — ou apenas tida como convencional — talvez nem se perguntasse sobre um objeto tão comum, tão medíocre.

Mas o olhar desse muro me incomoda profundamente.

É o grande muro que faz divisa perpétua com o meu vizinho.

 

Monótono. Monocromático. Mudo.

Um muro frio, impávido, amarelo desbotado.

Bem que pesquisei na internet — e, até agora, não encontrei uma parede sinceramente contente. Há as tentativas: umas pintadas com grafites, outras cobertas de murais ou flores falsas ... mas o meu muro, não.

 

Voltemos a ele.

Eu, atrás da janela com grades.

Ele, sempre de pé.

Todos os dias.

 

Se há algum alento nessa paisagem, ele vem de cima.

No galho mais alto da palmeira imperial do vizinho, avisto ele — o canarinho-da-terra — confundindo-se com a alvorada no seu canto suave:

 

“Tsip, tsi-tit, tsi, tsiti, tsi, tsi, tsiti. ”

Tenho-o observado desde as primeiras chuvas de dezembro. Naqueles dias, ele flertava com entusiasmo.

Exibia os penachos dourados, inflava o peito, soltava um canto que misturava alegria. E estava sempre rodeando várias louras.

Porque é livre. Livre de mim, do muro, do mundo.

Outro dia, uma filha de uma amiga — vinda do Canadá — mirou o meu muro com aqueles olhos que ainda sabem perguntar e tascou:

 

— Mãe, por que neste lugar tem tantas prisões?

 

Eu e a mãe desconversamos. O silêncio nos foi mais doce que a resposta.

 

Depois, vieram as minhas sandices. Imaginei, um dia, oferecer alpiste ou pedacinhos de pão ao canarinho. Talvez um gesto de carinho disfarçado da velha vontade de possuir um pouco dele.

Deixei a ideia.

 

Mas o amarelinho, certo dia, me visitou.

Pousou no muro como quem pisa em algodão. Pus os óculos e vi o que antes era apenas movimento no ar: a esposa elegante, os filhotes cambaleantes, a família inteira saltando sobre o muro.

 

Ziguezagueavam como quem brinca de errar o voo. Um dos pequenos, no entusiasmo, esbarrou a penugem amarronzada na cerca elétrica e quase deu de cara com a parede da casa.

Vieram todos. Como se soubessem que, naquele momento, lhes cabia a tarefa de alegrar um outro passarinho preso — o que está dentro do muro.

Recebi aquela família com um sorriso amarelo. 

Ele me observou. Juro: havia dó nos seus olhinhos.

 

Então partiram. Voaram para longe. Sumiram na copa da palmeira imperial do vizinho.

 

E eu fiquei.

Janela.

Muro.

Silêncio.

Voe, canarinho. E volte, se quiser.

Tu que levas e trazes, sempre, um pedaço de mim.

                                                                                                                                                                                Abril, 2025

terça-feira, 8 de abril de 2025

Procissão do Fogaréu em Campo Maior

Foto meramente ilustrativa   Fonte: Google

 

Procissão do Fogaréu em Campo Maior


Elmar Carvalho

 

Em 29 de abril de 2019 publiquei em meu blog uma crônica em que sugiro ao bispo da Diocese de Campo Maior, Dom Francisco de Assis, a criação da Procissão do Fogaréu. A semente caiu em terreno fértil, pois hoje recebi a seguinte mensagem por WhatsApp, enviada pelo amigo e parente Dr. Domingos José Carvalho, católico praticante e fervoroso:

“Meu prezado irmão e parente, lhe informo que na quinta-feira santa teremos o FOGARÉU, sua ideia foi acatada pela paróquia e diocese.” 

Desnecessário dizer o quão contente fiquei. Assim, julgo oportuno republicar o texto referido acima:

Em recente conversa com o professor e multi-instrumentista José Francisco Marques, lhe informei que pedi ao médico Domingos José de Carvalho, meu parente e amigo, para que apresentasse ao bispo da Diocese de Campo Maior uma minha sugestão, qual seja, instituir a Procissão do Fogaréu.

A velha cidade, depois de Oeiras, creio, é a mais antiga freguesia ou curato do Piauí, que teve seus primórdios na antiga igreja de Santo Antônio do Surubim, construída pelo último mestre de campo das Conquistas do Piauí e do Maranhão, a pedido de seu parente e amigo padre Tomé de Carvalho, primeiro vigário de Oeiras, e que bem pode ser considerado o fundador ou, pelo menos, um dos fundadores daquela velha urbe, primeira capital de nosso estado.

Quando eu tinha finalizado a versão que eu considerava definitiva deste texto, encontrei na sala a revista Cidade Verde, edição 213, de 21/04/2019, que traz uma matéria do Fonseca Neto, na qual consta um documento recentemente vindo a público. Trata-se da Resolução expedida da Mesa da Consciência e Ordens, datada de 20 de maio de 1740, assinada pelo bispo Dom Manuel da Cruz, que criava as freguesias da Caatinguinha (Valença do Piauí) e a do Gurgueia (Jerumenha) e elevava à categoria de freguesia os curatos de Piracuruca, do Surubim (Campo Maior), Parnaguá e Poti (depois, Marvão, e hoje Castelo do Piauí). Por via de consequência o curato de Campo Maior, cuja primeira igreja data de 1712, só passou a freguesia em 20/05/1740.

Julgo importante dizer que a Festa do Divino é realizada em Amarante (PI) há mais de 110 anos, mas depois, de certa forma, caiu no esquecimento. Faz cerca de uma década, suponho, foi reativada com toda pompa e circunstância, como se costuma dizer para realçar um fato, por Marcelino Leal Barroso de Carvalho, que foi meu professor no curso de Direito (UFPI). Portanto, uma tradição pode ser retomada ou criada.

Marcelino, que foi diretor geral do Instituto Camillo Filho e auditor-fiscal do Estado do Piauí, a suas expensas comprou um vetusto casarão na Avenida Des. Amaral, e nele instalou o Museu do Divino. Os fiéis carregam um lindo estandarte e envergam uma bela veste talar, uma espécie de opa ou túnica.

Também promove eventos culturais na época da festa, uma espécie de serenata pelas ruas da bucólica e mimosa Amarante, inclusive com a participação do instrumentista professor Melquíades, seu irmão. Eu mesmo, mais de década atrás, tive meu livro Lira dos Cinquentanos lançado por ele, em um solar da Des. Amaral, pertencente a familiares dos irmãos Álvaro e Raimundo Luiz Cutrim Costa. Posteriormente, ele me prefaciou o livro Amar Amarante, que tem uma bela capa de sua filha Ana Cândida Nunes Carvalho. Este opúsculo foi lançado no dia 6 de dezembro de 2013, na solenidade em que recebi o título de Cidadão Amarantino. Seu exemplo teve seguidor, porquanto, em Oeiras, novamente Oeiras, viva Oeiras, Olavo Braz Barbosa Nunes Filho fundou o Museu do Divino, no qual, além das várias peças sacras, há placas com vários poemas de oeirenses ou que falam na velhacap, inclusive o meu Noturno de Oeiras.

Voltando à minha sugestão da criação do Fogaréu, quero dizer que essa procissão é mais do que centenária em várias cidades mineiras e em Oeiras, que tem uma das mais belas Semanas Santas do Brasil, já que a sua procissão de Bom Jesus dos Passos é comovente, sobretudo por causa da multidão que aglutina e do canto melancólico e doloroso de Maria Beú, que nos rasga a alma e nos parte o coração, mormente no momento da lancinante passagem, que parece nos ecoar como um estribilho de miserere, que dilacera e fere:

“Caminheiros, que passais por este caminho, parai um pouquinho, e olhai, por favor, se neste mundo existe uma dor assim tão grande, como a dor de minha dor”.

Contudo, enfatizo que toda tradição começa com a sua primeira vez, com o seu primeiro passo. E a nossa episcopal Campo Maior mostra seu fervor católico no Festejo de Santo Antônio do Surubim, que, no gênero, é a maior festa religiosa do Piauí, pelo menos sob a invocação desse santo, que além das trezenas, tem ainda a solenidade de condução e levantamento do mastro, com o seu folclore e crendice.

Ainda me recordo da procissão de Bom Jesus dos Passos. Quando Nossa Senhora se encontrava com Jesus a carregar o pesado lenho, monsenhor Mateus nos comovia com um vibrante sermão, que falava nas dores de Cristo e no acerbo sofrimento de Maria. Essa cerimônia religiosa me fez escrever estes versos, que fazem parte de meu poema Vida in Vitro, apresentado pelo poeta e ator José Teixeira Pacheco como um monólogo, em mais de uma ocasião:

sentes ainda o cheiro dolorido e pisado dos alecrins / da paixão do senhor morto, do horto das agonias, / das chagas vermelhas, maceradas, da túnica / roxa, brilhante, da coroa de espinhos, dos cravos, / não os de cheiro, mas os de ferro, que ferem... / eras infante, então, e como sofreste / e como fizeste sofrer tua mãe, madona, / mater dolorosa e pietá sofrida e consoladora / de teus sofrimentos de então e de sempre.

Na minha sugestão, além de estandarte, de vestes talares, como opas ou túnicas, a que não poderia faltar a imprescindível lamparina ou tocha, poderiam ser incorporados ou não máscaras e elmos, se for o caso. As vestes e as lamparinas poderiam ser vendidas por uma loja do bispado, tanto para financiar as despesas do evento, como as obras sociais diocesanas, ou cada participante faria a sua própria roupa e tocha, conforme modelo padrão elaborado pela Diocese. E, sem dúvida, ainda haveria o benefício econômico do turismo.

Sei que Dom Francisco de Assis, simpático e dinâmico, que por sinal me foi apresentado pelo Dr. Domingos José, haverá de apreciar a nossa sugestão com cuidado e zelo, sem dúvida levando em conta a tradição e a antiguidade da Igreja Católica Apostólica Romana em Campo Maior, onde fica sua cátedra pontifical.    

domingo, 6 de abril de 2025

ALGUNS HAICAIS

 

Fonte: Google

ALGUNS HAICAIS

 

Elmar Carvalho 


          SIMBIOSE AMOROSA                            

 

Eu te amo                                                    

para que me ames                                    

e eu te ame.                                                

 

           ASCENÇÃO                                               

 

A chuva caía                                               

e em cada pingo dizia:                              

– Saiba cair.                                                

 

           TROVÃO                                                    

 

Nuvens novas                                            

brincando de trocar                                    

tiros de foguete e rojão.                            

 

           AMOR

 

Arte de possuir

na mesma medida

em que se é possuído.

 

           CHUVA

 

Bênção dos céus

debulhada em bagos

de água.

  

           RELÂMPAGO

 

Nuvens novas

a brincar com

fogos de artifício.

sexta-feira, 4 de abril de 2025

EXPEDITO REGO EM PESSOA

 

Fonte das imagens: Google


EXPEDITO REGO EM PESSOA

 

Elmar Carvalho

 

Meu primeiro contato com a incomensurável poesia de Fernando Pessoa foi aos 16 ou 17 anos, através da magnífica Antologia Escolar Portuguesa, organizada por Marques Rebelo, pseudônimo do cronista, contista e romancista Eddy Dias da Cruz. Comprei-a com o santo e escasso dinheirinho de minha mãe; o de meu pai seria empregado na compra dos livros e outros materiais didáticos.

Pela mesma época adquiri a Antologia Escolar Brasileira, do mesmo autor, que tinha o mesmo formato e programação gráfica e visual. Foi nesta última que tive o alumbramento de conhecer maravilhosos poemas do piauiense Mário Faustino. Já conhecia e admirava alguns poucos poemas de Da Costa e Silva, entre os quais Saudade e A Moenda. Desde os dez anos já era viciado em leitura, e já lera os principais poetas do Brasil e de Portugal nas antologias didáticas de meu pai, sobretudo as contidas em livros de Aída Costa.  

Mais tarde, já lastreado em outras leituras e em outras antologias, que fui amealhando, pude perceber que as duas seletas de Marques Rebelo, com textos em versos e em prosa, eram mesmo magníficas, porque o seu organizador fora muito rigoroso na escolha de textos e autores, e selecionara o que esses mestres tinham produzido de mais representativo e de mais excelente. Inclusive, adotou o critério de só admitir autores falecidos, creio que para não sofrer qualquer tipo de pressão ou influência por parte de amigos vivos. Não tinha nenhuma discriminação quanto a gênero literário, estilo, corrente, movimento ou escola literária. Interessava-lhe somente a excelência do texto.

Em junho de 1975 minha família se mudou para Parnaíba, uma vez que meu pai fora chefiar a ECT – Empresa de Correios e Telégrafos nessa cidade, onde morei por vários anos. Levei as duas Antologias Escolares, pelas quais tinha muito orgulho e afeição, tanto que as reli, consultei e folheei várias vezes.   

Certo dia, no apartamento dos Correios, onde morávamos, mostrei uma dessas antologias a um grupo de amigos, enquanto degustávamos um vinho. Um deles, com inusitada insistência, pediu-me lhe emprestasse uma delas. Relutei, mas resistir, como diria o poeta, para rimar com saudade, quem há-de? Pouco depois esse amigo morreu, e eu para sempre perdi a antologia, que havia comprado com o rico dinheirinho de minha mãe. Nos anos 80 ou 90, já morando em Teresina, perdi a outra seleta congênere, em circunstâncias que desconheço ou de que já não me lembro.

Tentei adquirir essas duas monumentais Antologias, mas elas já haviam deixado de ser editadas há vários anos e a própria FENAME-MEC, sua editora, já fora extinta pelo governo Collor de Mello, em 1990. Contudo, creio que em 2001, o historiador e dicionarista biográfico Wilson Carvalho Gonçalves, amigo e conterrâneo de meu pai, que se tornara um grande amigo meu, me presenteou com um exemplar usado da Antologia Escolar Portuguesa. Tentei encontrar a sua congênere Brasileira. O poeta cordelista Sebastião Evangelista, um verdadeiro “sebo” ambulante, me informou ter um exemplar desse florilégio. Dias após ele me vendeu esse exemplar. Como os dois exemplares já não possuíssem as capas duras originais, mandei protegê-las com uma bela capa preta dura, ornadas por letras áureas.

Embora possa não parecer, mas essa digressão memorialística me foi provocada por uma postagem do amigo Carlos Rubem, através de WhatsApp, em que ele me enviou uma fotografia da capa de um velho livro, que pertencera ao médico, poeta e escritor Expedito Rego, titulado O Guardador de Rebanhos e outros poemas, da autoria de Fernando Pessoa. Segundo a Meta AI, “Os poemas de "O Guardador de Rebanhos" são caracterizados por uma linguagem simples, direta e objetiva, que busca descrever a natureza e a vida rural de forma quase primitiva”. Sua autoria foi atribuída a Alberto Caieiro, um de seus vários heterônimos.

A postagem de Carlos Rubem trazia o poema Liberdade, constante no exemplar que pertencera ao saudoso Expedito Rego, que termina com este quarteto:

O mais do que isto

É Jesus Cristo,

Que não sabia nada de finanças

Nem consta que tivesse biblioteca...

 

Abaixo, na página em branco, Expedito escreveu os seguintes versos, como se fossem uma continuação ou complementação ao poema de Pessoa:

Por isso que entregou a Judas

O dinheiro... Jamais te iludas:

O livro é mesmo uma garrida

Bobagem de gente sabida!

 

Em rápido comentário por áudio, disse ao Carlos Rubem que Expedito Rego mantivera o estilo, a mesma semelhança de conteúdo, com algo da ironia, do desencanto e do pessimismo do poema pessoano, e com a mesma estrutura formal.

Nesse admirável poema, que já conhecia, existe esta magnífica estrofe:

Quanto é melhor, quando há bruma,

Esperar por D. Sebastião,

Quer venha ou não!

 

Para finalizar esta crônica, direi apenas: de minha parte, prefiro esperar por Jesus Cristo, que subiu aos céus em toda a sua Glória, à vista de muitos, e que prometeu voltar. Porque sei que ele voltará, para instaurar o Reino Divino, no tempo que lhe for determinado por Deus.