A Família Léda e o Domínio dos
Sertões
José Pedro Araújo
Historiador, cronista e romancista
Pela importância histórica que o
clã dos Léda tem na política local, peço licença aos meus dois ou três leitores
para regredir um pouco na história e levantar a sua vida pregressa. Tudo isso
porque a família objeto deste sucinto e despretensioso texto teve três
representantes como principais mandatários do município: Ariston, Adilon e
Antenor Léda. Ao mesmo tempo, interessa-nos saber um pouco mais sobre a origem
dessa família, em razão das tensões políticas vividas desde os primórdios da
nossa história.
Consta que a presença da família
Léda no sul e centro sul do Maranhão se deu com a chegada do comerciante
português Antônio Rodrigues de Miranda Léda à região. Ao casar-se com a jovem
Leocádia, filha do comerciante paulista, radicado em Grajaú, Bento José Moreira,
gerou a grande família Léda que se espalhou pelo Maranhão, além de outros
estados brasileiros. Um dos filhos advindos dessa união foi Ana Léda, irmã do
famoso Leão Léda, maior líder político de Porto da Chapada(como se chamava na
época o município de Grajaú), chefe do partido liberal, que travou os maiores
embates já registrados no sul do Maranhão, episódios que ficaram conhecidos
para os historiadores como a “Questão do Grajaú”, ou a “Guerra do Léda”.
O sangue derramado nessas
escaramuças políticas encharcou o chão do sul maranhense e escreveu uma página
negra na nossa história. Entretanto, praticamente todos os historiadores marcam
posição ao lado dos Léda, atribuindo a violência ao poder discricionário dos
políticos assentados nos postos de comando na capital maranhense. Mas, isso é
outra história, e não é nosso propósito tratar aqui nesse texto.
Voltando ao nosso objetivo,
trataremos sobre Ana Léda, matriarca nascida no apagar das luzes do século XIX,
gerada da união de Antônio Léda com Leocádia Moreira. Ana casou-se com Laurindo
Pires de Araújo, e gerou numerosa família, entre estes, Antônio Pires Léda, pai
dos três irmãos que viriam, muito mais tarde, tomar assento na cadeira de
prefeito de nossa terra.
A região central do Maranhão, na
qual se situava o Curador, última fronteira desbravada pelos bandeirantes que
partiram de Pastos Bons para se estabelecer no sul e centro sul do estado, era
uma região de difícil acesso, protegida por inúmeras tribos guerreiras e por
uma floresta densa e, por isso mesmo, de difícil acesso. E essas dificuldades
se viam aumentadas de forma drástica pela ausência de um dreno fluvial, um rio
perene, que permitisse acessá-la com maior facilidade. Todos esses impedimentos
acobertavam uma região de solo fertilíssimo, com excelente índice
pluviométrico, e estrategicamente situada entre os rios Itapecuru e Mearim. Foi
essa região de terras excelentes, incultas e devolutas que atraiu os irmãos
Léda.
Ariston Arruda Léda, o mais
velho, situou-se na região de abrangência do Curador, distante da sua sede,
Barra do Corda, mais de cem quilômetros. Não no maior povoado da região, o
Curador, mas escolheu para sua morada outra povoação, conhecida como Tuntum.
O sangue dos Léda que corria
pelas veias de Ariston, continha aditivos próprios da família, o que sempre
empurrava seus membros em direção à política partidária. E Ariston não se fez de rogado. Logo no
primeiro embate eleitoral no recém-criado município do Curador, em 19 janeiro
de 1948, apresentou o seu nome para concorrer naquele pleito contra Virgulino
Cirilo de Sousa, cidadão residente no povoado do Curador. Começava ali um dos
períodos mais conturbados da nossa história. Depois de uma campanha difícil, na
apuração dos votos dos 800 eleitores que compareceram às urnas, em pleito
presidido pelo juiz Raul Porciúncula, o resultado encontrado gerou profundo
debate, e os apontavam para uma vitória do adversário de Ariston. Deste modo, o
resultado final só foi conhecido depois de passar pelo crivo do Tribunal
Regional Eleitoral do Maranhão, que reconheceu Ariston Léda como vencedor. Não
me cabe aqui emitir juízo de valor sobre o resultado real daquele pleito, como
também dos outros que lhe sucederam. O que, naquele tempo reinava entre nós o
“vitorinismo”, nome atribuído ao espaço de tempo em que comandou a política
estadual o pernambucano Vitorino de Brito Freire.
Ariston Léda era um político
sagaz, articulado, e devotava a maior parte do seu tempo ao mister. Para isto,
era apoiado por forças poderosas em São Luís, a começar pelo seu cunhado, José
Martins Dourado, deputado estadual. E coube a ele instalação da estrutura
física e administrativa para viabilizar o funcionamento do novo município.
Naqueles tempos as verbas públicas destinadas aos municípios eram irrisórias, o
que mostra o quão difícil foi o início da caminhada. Como não se tinha ainda o
Fundo de Participação dos Municípios, o ICMS, ou mesmos os tais fundos
constitucionais, os repasses do SUS ou do Fundeb, entre eles, vivia-se à espera
da boa vontade dos governadores para se conseguir algum repasse de dinheiro.
Paralelo a isto, Ariston ainda lutava para criar um município novo, retirando
do território do Curador, o seu maior naco. Quase 70% do território passaria a
fazer parte do novo município. Mas, como afirma o historiador, professor e
articulista do blog Bate Tuntum, Jean Carlos Gonçalves, a propósito de um
depoimento colhido de um cidadão que vivenciou os problemas da época: “Enquanto
os Serenos e os Gomes de Gouvêia travavam o embate pelo controle do poder, Ariston
contratou secretamente um topógrafo em São Luís para percorrer e traçar as
linhas limítrofes do mapa que viria constituir no território de Tuntum”.
Ninguém reclamou, pelo que se
saiba, desta violência, menos ainda o prefeito de Presidente Dutra na época,
que era seu aliado. E o seguinte, seu irmão.
No pleito para eleger o seu
sucessor, a temperatura política aumentou ainda mais, ocasião em que foi eleito
o comerciante José de Freitas Barros, tendo como vice-prefeito o senhor Gerson
Sereno. E pela oposição concorria o agro-pecuarista Honorato Gomes de Gouvêia,
que abandonara o seu grupo político pouco antes. Ariston elegeu-se vereador e
assumiu a presidência da câmara municipal na sua segunda legislatura, e ainda
elegeu-se vereador mais uma vez, para a terceira legislatura da câmara. Mas,
este mandato ele deixou sem terminar, pois concorreu e ganhou as eleições
municipais para prefeito do novo município de Tuntum, desmembrado do Curador. O
conturbado período administrativo de Zeca Freitas vai ser relatado em outra
crônica sobre a família Sereno.
Adilon Arruda Léda foi o segundo
membro da família a tomar assento na cadeira de prefeito municipal do agora
município de Presidente Dutra. E o terceiro prefeito eleito por sufrágio
popular. Esse foi um período relativamente tranquilo para os moldes que a
política local ia tomando. E em sendo assim, Adir Léda, como era conhecido,
teve tempo para se dedicar mais à administração do município.
A construção de escolas,
especialmente nos povoados maiores, como Angical e São José dos Basílios foi
uma das metas alcançadas pelo prefeito, que ainda deixou para a posteridade uma
das suas obras mais importantes, o Açude Grande do Crioli do Joviniano. Essa
obra se revestiu de grande importância para aquela região já densamente
ocupada, mas que não tinha um só rio permanente, e que, por isso mesmo, padecia
de enorme falta do produto no período de estiagem.
Quando menino, visto que meu pai
tinha relações estreitas com aquele povoado, e possuía uma filial do seu comércio
ali, observei, sobretudo aos sábados, que uma quantidade imensa de lavadeiras
que se deslocavam em suas montarias dos inúmeros povoados circundantes, para
lavar a roupa da família no Açude Grande. A sua longa parede, transformava-se
num tapete de cores diversas, em razão das roupas estendidas para quarar ou
secar ao sol naqueles dias. Também nesse período teve início à construção de
Brasília, o que provocou grande êxodo de presidutrenses para lá.
Antenor Arruda Léda foi o
terceiro dos irmãos Léda a assumir os destinos do município querido. A família
já se encontrava em franco declínio político, e a política local já estava sob
o domínio do grupo de Valeriano Américo.
Antenor Léda foi eleito em uma
grande composição política firmada entre as facções situacionista e da
oposição. E foi esta a única vez em que isto aconteceu. Antenor, mostrando a
sua boa relação com os grupos que normalmente se digladiavam na política local,
foi candidato único e, naturalmente, eleito. Seu governo teve um período mais
curto, com vistas à adequação do novo calendário eleitoral.
Antenor era coletor estadual e
teve como vice-prefeito, o empresário Nelson Barros Falcão, primo deste
escriba. Foi também mais um dos irmãos Léda, o terceiro, a assumir os destinos
do município. Diferentemente das eleições anteriores, como só tínhamos um
candidato, foi naturalmente uma eleição tranquila, apenas para se cumprir
tabela.
Mas, mal começou a sua administração,
os problemas com o grupo dos Américo de Oliveira começaram a aparecer,
culminando com o rompimento pouco tempo depois. Como o prefeito perdeu apoio de
um grupo de vereadores, as escaramuças políticas voltaram ao padrão anterior.
Mesmo assim, no que pese a perda da paz para administrar o município, Antenor
Léda proporcionou a realização de grandes obras e viu surgir no seu tempo de
prefeito grandes ganhos para a região. Como a chegada do Banco do Brasil e da
agência do regional INPS, por exemplo.
Todavia, a sua administração
ficou marcada para sempre pela instalação de linhas telefônicas na cidade, e
pela implantação do novo sistema elétrico que cobria todo o dia, abolindo o
velho sistema com postes de madeira e o fornecimento de energia apenas durante
uma parte da noite. Atrevo-me a dizer que começou ali o florescimento do
comércio na região. Por conta disso, já era possível se ter uma geladeira
elétrica em casa, mudando também o velho hábito da se tomar água apenas
resfriada, coletada em potes de barro e jarras. O velho ferro de engomar a
carvão também foi esquecido. Começava um novo tempo para as famílias
presidutrenses.