quinta-feira, 30 de junho de 2016

Histórias de Évora - Capítulo XII


HISTÓRIAS DE ÉVORA

Este romance será publicado neste sítio internético de forma seriada (semanalmente), à medida que os capítulos forem sendo escritos.

Capítulo XII   

Confissões (1)

Elmar Carvalho

Marcos e Fabrício combinaram se encontrar no bar e mercearia do Zé Afonso naquele sábado, por volta das sete da noite. Tomariam umas talagadas de calibrina no Cantinho dos Inocentes, e depois se deslocariam para a Praça Lucas Mendes Furtado, no centro da cidade, onde tentariam fisgar alguma garota na tertúlia dançante do Évora Clube.

Quando Marcos chegou, estavam no local alguns conhecidos, alunos do Liceu. Entre eles se encontravam Milton Ferreira, sempre risonho, alegre, brincalhão, e Cláudio Bastos, meio fechado, sem senso de humor e um tanto antipático. Este último tinha a má fama de derramar a bebida, dissimuladamente, após fingir bebê-la, para posar de resistente e até para debochar dos colegas que por ventura ficassem embriagados. Marcos considerava esse tipo de atitude um defeito grave, uma grande deslealdade e sinal de mau caráter. Quando os rapazes se despediram, jovial e bem humorado, disse:
– Grande Milton, você é um verdadeiro pai-d’égua, um legítimo cavalo batizado.
– Cavalo batizado não, gigante; eu ando batizando os cavalos – retrucou o outro, a gargalhar, com a sua esfuziante e ruidosa simpatia. Marcos não se deixou abater, e respondeu em cima da bucha:
– Pois corre, vai buscar água, e batiza primeiro a ti próprio, porque você é o mais cavalo de todos nós.
– Marcão, rapaz, você não tem jeito mesmo... Não quer perder nenhuma parada – disse Milton, a balançar a cabeça, retirando-se com seus amigos, por entre ruidosas gargalhadas e feliz algazarra. 

Enquanto aguardava a chegada de Fabrício, Marcos foi se sentar numa das cadeiras do Cantinho dos Inocentes. Um homem desconhecido, que se encontrava no local, de aparentemente 58 anos de idade, perguntou a Marcos se poderia ocupar uma das cadeiras da mesa, tendo o rapaz respondido que sim.

O homem trouxe um litro de uísque, que colocou sobre a mesa. Parecia estar já um tanto tocado pelo álcool. Perguntou se o rapaz não lhe desejava fazer companhia na bebida, não tendo Marcos se feito de rogado. Logo chegou Fabrício, que virou de imediato um generoso trago, para compensar o pequeno atraso.

O homem disse se chamar Pedro Pinto Pereira, mas que os amigos, por brincadeira, muitas vezes o chamavam de PPP. Parecia ansioso, com vontade de conversar, como se algo o afligisse.
– Sou tenente reformado do Exército. Não sou daqui. Sou carioca. Mas fui amigo de um colega desta cidade, que me falava tão bem daqui, com tanto entusiasmo, que resolvi, ao me tornar inativo, vir morar em Évora. Estou gostando muito da cidade e aqui pretendo refazer minha vida até a chegada da velha ceifadeira, que já deve andar me rondando. Não tenho filhos e faz uns dez meses que me separei de minha mulher, após um casamento de mais de trinta anos, por motivo que tenho até vergonha em revelar.

Contudo, algumas doses depois, após promessa dos rapazes de que guardariam sigilo de sua conversa, resolveu contar os motivos que o levaram à separação. Contou uma longa história, por sinal um tanto estranha e escabrosa, cheia de detalhes, que segue aqui resumida e sem muitos pormenores.     

quarta-feira, 29 de junho de 2016

A Família Léda e o Domínio dos Sertões


A Família Léda e o Domínio dos Sertões

José Pedro Araújo
Historiador, cronista e romancista

Pela importância histórica que o clã dos Léda tem na política local, peço licença aos meus dois ou três leitores para regredir um pouco na história e levantar a sua vida pregressa. Tudo isso porque a família objeto deste sucinto e despretensioso texto teve três representantes como principais mandatários do município: Ariston, Adilon e Antenor Léda. Ao mesmo tempo, interessa-nos saber um pouco mais sobre a origem dessa família, em razão das tensões políticas vividas desde os primórdios da nossa história.

Consta que a presença da família Léda no sul e centro sul do Maranhão se deu com a chegada do comerciante português Antônio Rodrigues de Miranda Léda à região. Ao casar-se com a jovem Leocádia, filha do comerciante paulista, radicado em Grajaú, Bento José Moreira, gerou a grande família Léda que se espalhou pelo Maranhão, além de outros estados brasileiros. Um dos filhos advindos dessa união foi Ana Léda, irmã do famoso Leão Léda, maior líder político de Porto da Chapada(como se chamava na época o município de Grajaú), chefe do partido liberal, que travou os maiores embates já registrados no sul do Maranhão, episódios que ficaram conhecidos para os historiadores como a “Questão do Grajaú”, ou a “Guerra do Léda”.

O sangue derramado nessas escaramuças políticas encharcou o chão do sul maranhense e escreveu uma página negra na nossa história. Entretanto, praticamente todos os historiadores marcam posição ao lado dos Léda, atribuindo a violência ao poder discricionário dos políticos assentados nos postos de comando na capital maranhense. Mas, isso é outra história, e não é nosso propósito tratar aqui nesse texto.

Voltando ao nosso objetivo, trataremos sobre Ana Léda, matriarca nascida no apagar das luzes do século XIX, gerada da união de Antônio Léda com Leocádia Moreira. Ana casou-se com Laurindo Pires de Araújo, e gerou numerosa família, entre estes, Antônio Pires Léda, pai dos três irmãos que viriam, muito mais tarde, tomar assento na cadeira de prefeito de nossa terra.

A região central do Maranhão, na qual se situava o Curador, última fronteira desbravada pelos bandeirantes que partiram de Pastos Bons para se estabelecer no sul e centro sul do estado, era uma região de difícil acesso, protegida por inúmeras tribos guerreiras e por uma floresta densa e, por isso mesmo, de difícil acesso. E essas dificuldades se viam aumentadas de forma drástica pela ausência de um dreno fluvial, um rio perene, que permitisse acessá-la com maior facilidade. Todos esses impedimentos acobertavam uma região de solo fertilíssimo, com excelente índice pluviométrico, e estrategicamente situada entre os rios Itapecuru e Mearim. Foi essa região de terras excelentes, incultas e devolutas que atraiu os irmãos Léda.

Ariston Arruda Léda, o mais velho, situou-se na região de abrangência do Curador, distante da sua sede, Barra do Corda, mais de cem quilômetros. Não no maior povoado da região, o Curador, mas escolheu para sua morada outra povoação, conhecida como Tuntum.

O sangue dos Léda que corria pelas veias de Ariston, continha aditivos próprios da família, o que sempre empurrava seus membros em direção à política partidária.  E Ariston não se fez de rogado. Logo no primeiro embate eleitoral no recém-criado município do Curador, em 19 janeiro de 1948, apresentou o seu nome para concorrer naquele pleito contra Virgulino Cirilo de Sousa, cidadão residente no povoado do Curador. Começava ali um dos períodos mais conturbados da nossa história. Depois de uma campanha difícil, na apuração dos votos dos 800 eleitores que compareceram às urnas, em pleito presidido pelo juiz Raul Porciúncula, o resultado encontrado gerou profundo debate, e os apontavam para uma vitória do adversário de Ariston. Deste modo, o resultado final só foi conhecido depois de passar pelo crivo do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão, que reconheceu Ariston Léda como vencedor. Não me cabe aqui emitir juízo de valor sobre o resultado real daquele pleito, como também dos outros que lhe sucederam. O que, naquele tempo reinava entre nós o “vitorinismo”, nome atribuído ao espaço de tempo em que comandou a política estadual o pernambucano Vitorino de Brito Freire.

Ariston Léda era um político sagaz, articulado, e devotava a maior parte do seu tempo ao mister. Para isto, era apoiado por forças poderosas em São Luís, a começar pelo seu cunhado, José Martins Dourado, deputado estadual. E coube a ele instalação da estrutura física e administrativa para viabilizar o funcionamento do novo município. Naqueles tempos as verbas públicas destinadas aos municípios eram irrisórias, o que mostra o quão difícil foi o início da caminhada. Como não se tinha ainda o Fundo de Participação dos Municípios, o ICMS, ou mesmos os tais fundos constitucionais, os repasses do SUS ou do Fundeb, entre eles, vivia-se à espera da boa vontade dos governadores para se conseguir algum repasse de dinheiro. Paralelo a isto, Ariston ainda lutava para criar um município novo, retirando do território do Curador, o seu maior naco. Quase 70% do território passaria a fazer parte do novo município. Mas, como afirma o historiador, professor e articulista do blog Bate Tuntum, Jean Carlos Gonçalves, a propósito de um depoimento colhido de um cidadão que vivenciou os problemas da época: “Enquanto os Serenos e os Gomes de Gouvêia travavam o embate pelo controle do poder, Ariston contratou secretamente um topógrafo em São Luís para percorrer e traçar as linhas limítrofes do mapa que viria constituir no território de Tuntum”.

Ninguém reclamou, pelo que se saiba, desta violência, menos ainda o prefeito de Presidente Dutra na época, que era seu aliado. E o seguinte, seu irmão.

No pleito para eleger o seu sucessor, a temperatura política aumentou ainda mais, ocasião em que foi eleito o comerciante José de Freitas Barros, tendo como vice-prefeito o senhor Gerson Sereno. E pela oposição concorria o agro-pecuarista Honorato Gomes de Gouvêia, que abandonara o seu grupo político pouco antes. Ariston elegeu-se vereador e assumiu a presidência da câmara municipal na sua segunda legislatura, e ainda elegeu-se vereador mais uma vez, para a terceira legislatura da câmara. Mas, este mandato ele deixou sem terminar, pois concorreu e ganhou as eleições municipais para prefeito do novo município de Tuntum, desmembrado do Curador. O conturbado período administrativo de Zeca Freitas vai ser relatado em outra crônica sobre a família Sereno.

Adilon Arruda Léda foi o segundo membro da família a tomar assento na cadeira de prefeito municipal do agora município de Presidente Dutra. E o terceiro prefeito eleito por sufrágio popular. Esse foi um período relativamente tranquilo para os moldes que a política local ia tomando. E em sendo assim, Adir Léda, como era conhecido, teve tempo para se dedicar mais à administração do município.

A construção de escolas, especialmente nos povoados maiores, como Angical e São José dos Basílios foi uma das metas alcançadas pelo prefeito, que ainda deixou para a posteridade uma das suas obras mais importantes, o Açude Grande do Crioli do Joviniano. Essa obra se revestiu de grande importância para aquela região já densamente ocupada, mas que não tinha um só rio permanente, e que, por isso mesmo, padecia de enorme falta do produto no período de estiagem.

Quando menino, visto que meu pai tinha relações estreitas com aquele povoado, e possuía uma filial do seu comércio ali, observei, sobretudo aos sábados, que uma quantidade imensa de lavadeiras que se deslocavam em suas montarias dos inúmeros povoados circundantes, para lavar a roupa da família no Açude Grande. A sua longa parede, transformava-se num tapete de cores diversas, em razão das roupas estendidas para quarar ou secar ao sol naqueles dias. Também nesse período teve início à construção de Brasília, o que provocou grande êxodo de presidutrenses para lá.

Antenor Arruda Léda foi o terceiro dos irmãos Léda a assumir os destinos do município querido. A família já se encontrava em franco declínio político, e a política local já estava sob o domínio do grupo de Valeriano Américo.

Antenor Léda foi eleito em uma grande composição política firmada entre as facções situacionista e da oposição. E foi esta a única vez em que isto aconteceu. Antenor, mostrando a sua boa relação com os grupos que normalmente se digladiavam na política local, foi candidato único e, naturalmente, eleito. Seu governo teve um período mais curto, com vistas à adequação do novo calendário eleitoral.
Antenor era coletor estadual e teve como vice-prefeito, o empresário Nelson Barros Falcão, primo deste escriba. Foi também mais um dos irmãos Léda, o terceiro, a assumir os destinos do município. Diferentemente das eleições anteriores, como só tínhamos um candidato, foi naturalmente uma eleição tranquila, apenas para se cumprir tabela.

Mas, mal começou a sua administração, os problemas com o grupo dos Américo de Oliveira começaram a aparecer, culminando com o rompimento pouco tempo depois. Como o prefeito perdeu apoio de um grupo de vereadores, as escaramuças políticas voltaram ao padrão anterior. Mesmo assim, no que pese a perda da paz para administrar o município, Antenor Léda proporcionou a realização de grandes obras e viu surgir no seu tempo de prefeito grandes ganhos para a região. Como a chegada do Banco do Brasil e da agência do regional INPS, por exemplo.


Todavia, a sua administração ficou marcada para sempre pela instalação de linhas telefônicas na cidade, e pela implantação do novo sistema elétrico que cobria todo o dia, abolindo o velho sistema com postes de madeira e o fornecimento de energia apenas durante uma parte da noite. Atrevo-me a dizer que começou ali o florescimento do comércio na região. Por conta disso, já era possível se ter uma geladeira elétrica em casa, mudando também o velho hábito da se tomar água apenas resfriada, coletada em potes de barro e jarras. O velho ferro de engomar a carvão também foi esquecido. Começava um novo tempo para as famílias presidutrenses.  

terça-feira, 28 de junho de 2016

Salgado Maranhão do Piauí


Salgado Maranhão do Piauí

José Maria Vasconcelos
josemaria001@hotmail.com

         Isto mesmo, do Piauí. Salgado no Maranhão, consagrado na Assembleia Legislativa do Piauí com título de cidadão. Adolescente, veio de Caxias, só de cuia e familiares, residir em Teresina, na Piçarra. Nas agruras da pobreza, aprendeu o exercício da poesia, virtudes, espiritualidade e amigos do bem. Admirado e benquisto na minha família.

Da Piçarra, se mandou pro Rio, onde seu talento despertou admiração de celebridades das letras e músicas. Cantores, como Zizi Possi (CAMINHO DO SOL, linda de morrer) gravam com letras de Salgado, generoso retorno financeiro. O poeta não se desgarra do torrão, conectado aos eventos e amigos locais. Hoje, consagrado no mundo, traduzido e estudado em universidades americanas, já na mira dos japoneses.

Para entender Salgado Maranhão, precisa conhecer algumas técnicas utilizadas na criação de um poema. Primeiramente, o poeta foge às mesmices frases do cotidiano. Arte não é só fazer, mas criar, diferenciar.  Lapidar a pedra bruta. Salgado perde tempão, dias para concluir um poema. Escolhe o tema, sai garimpando fontes históricas, paisagens, tipos e conflitos humanos. Elementos que servem apenas de pano de fundo para traduzir estados mentais, abstratos. Substantivos cuja substância escapa ao sensorial ao transcendente. Observe o poema abaixo, ESGRIMA, inspirado na arte marcial japonesa. Tente descobrir a mensagem embutida nos elementos associados à técnica de combate, até morrer. Reuni estrofes para economia de espaço:

“Foi no escudo de aço em alta têmpera/que Musashi forjou a sua esgrima,/removo agora a poeira dessa era/que a espada se confunde com a sina,/que o samurai ao despertar a morte,/vai de encontro à sua própria rima)./ Colhendo os anos ao sabor da sorte,/ aos treze, racha o crânio de um rival;/foi o carimbo de seu passaporte./ para o caminho do risco integral:/ o Bushido, a katana, o sangue em flor,/sob o clamor de um céu medieval!/Eram combates de um certo esplendor,/de cortes limpos, quase sem fratura,/para alcançar a perfeição da dor./pois esse deus de fogo e de loucura,/em cuja lenda um povo se conduz,/largou no esquecimento a tal bravura,/para fundir-se ao Zen e à sua luz/de cerejeira na estação que cai:/pra não deixar do antes no depois,/nem sombra do que fora no que vai,/e, entre pincéis, pinturas e Kanjis,/reinventar seu mito num hai kai.

Elementos históricos que compõem o poema: Esgrima, espada fina de aço muito resistente; espadachim, o lutador, o samurai; Musassi, maior samurai (lutador) da arte marcial, nascido em 1584, em Harima, atualmente Japão. Samurais, classe feudal, guerreiros da elite feudal japonesa; Niten, apelido de Musassi, por criar o estilo de luta com duas espadas, isto é, dois céus, deus, que, aos treze anos, mata um rival. Bushido, código rigoroso de honra, alma e espírito (katana) do samurai, até de morte, se rompido, por exemplo, tornando mais perfeito do que o mestre; Musassi foi além do mestre, por isso, ele mesmo ofereceu o pescoço a um samurai, durante duelo: “Mata-me!”. Negado, ele mesmo desferiu a esgrima no pescoço. Alcançou a máxima perfeição, iluminado, Zen, divino, festejado nas flores de cerejeira que caem, nos Kanjiis (ideogramas japonese), no herói nacional dos samurais) e nos hai kais, na memoria e artes japonesas.


Se eu não soubesse alguma coisa sobre as fontes inspiradoras, não chegaria ao fundo do pré sal do poema, para extrair o recado do poeta: exaltar a grandeza humana e talento dos heróis na pessoa de Felipe Hiro, 33 anos, filho de brasileiro com japonesa. Jornalista, escritor, correspondente nos Estados Unidos, fala árabe, alemão, inglês, italiano, português, japonês e espanhol. Felipe não aparece no poema, porque a mensagem é universal. Um herói zen. Um poema porreta, quase indecifrável, do herói samurai das letras, Salgado Maranhão do Piauí.   

domingo, 26 de junho de 2016

SONETO DA SOLIDÃO


SONETO DA SOLIDÃO

Elmar Carvalho

Nas noites em que a lua alumia
a solidão das desertas chapadas,
soturnamente, adormece a melancolia.
Os raquíticos espinheiros, como ossadas,

quando a noite é bem sombria,
a sós com a solidão das quebradas,
contemplam, tristonhos, a nostalgia
das lúgubres noites amortalhadas ...


A araponga, se a noite desce,
solta seu grito que esmaece
na solidão, seu calvário!

Quando o dia chega ao termo,
a solidão que envolve o ermo
é como minha alma de solitário.    

sábado, 25 de junho de 2016

O QUE É A AMIZADE?


O QUE É A AMIZADE?

 Cunha e Silva Filho

        Eis algo que está sempre me surpreendendo. Será que a amizade é semelhante a uma definição do percurso existencial  que uma conhecida me deu um dia ao falar que a vida tem prazo de validade? Sendo assim, me pergunto: a amizade tem também prazo de validade, como a data de fabricação de um remédio ou do estado  normal da duração de uma fruta?
     Confesso que não sou capaz de pensar numa definição própria do que seja a verdadeira amizade. O leitor, a essa  altura, me poderá  perguntar  por que, de  vez em quando, me assalta essa preocupação em tentar  um explicação plausível para o sentimento  nobre da amizade.
     Um poeta de minha terra, em crônica recente, chamava a atenção do leitor para a crescente solidão que sentia diante  das amizades que teve, ou seja,  para o crescente  afastamento das antigas amizades com a chegada da velhice octogenária.
     Ora, isso basta para  abrir uma discussão  isenta do que  seja o que se chama de  amizade, além de indagações outras, como   saber se ela realmente existe, se depende de fatores condicionantes do relacionamento  social, se depende da condição de riqueza ou outras motivações inconfessáveis envolvendo a amizade entre as pessoas, se esse sentimento, tão altruísta é inalcançável, e não passa de uma  doce ilusão  dos homens que a desejam  para si e julgam   que são  correspondidos,enfim, se ela não existe, mas o que dela fazemos, nós mortais, é apenas um expediente, uma convenção  social  ou uma mentira da civilização antiga ou moderna,
    O que, nuclearmente desejo assinalar é um ponto controverso e por mim jamais compreendido: por que, de repente, por uma nonada rosiana, por uma simples divergência sem intenção  mínima de  ferir alguém, se estremece uma  suposta amizade? Será que aquele que consideramos amigo  realmente era nosso  amigo ou não  era mais do que um aparente  e  flutuante  recuo de uma onda do mar? Assim como é fácil muitas vezes  fazer-se uma amizade, assim é rápido o instante em que ela soçobra e escapa de nossas mãos. Amiúde  intuímos quais sejam os motivos do afastamento, mas não temos a coragem de claramente apontá-los para o alvo certo. Preferimos deixar que o esquecimento aconteça, em tempo mais maduro, até o seu desaparecimento  total.
    Podemos até recorrer à compreensão desse sentimento lendo o tratado da amizade do grande orador, escritor, filósofo, político romano  Cícero ( 3/01 de 106  a. C -7/12 de 43 a.C.) ou até mesmo procurar, em alguns filósofos antigos e modernos,  por uma  explanação  que nos faça  entender todos os  componentes  implicados nesse sentimento e no  seu esfacelamento doloroso.
   Sinto, no mais recôndito do meu ser, que a amizade existe; contudo ela, como quase tudo na vida, é passageira até porque materialmente acaba, já que estou  discutindo a amizade terrena, não a espiritual, não a transcendente, não a dos místicos  puros,  dos santos, do Ser Supremo, a qual está situada em planos mais elevados ou elevadíssimos e nada tem a ver com  as misérias e as fragilidades humanas, tomando essa expressões últimas num sentido machadiano  de  perscrutar  a alma humana..
     O que me intriga,  porém,  é a incógnita, a solução  da questão  da  quebra desse sentimento. O que me deixa assustado, abismado, é a prima ratio da questão crucial. Por que somos tão mesquinhos diante de um sentimento  que poderia  ser uma das soluções até da paz entre os homens  no mesmo  país,  entre países e tendo como referência magna, a Humanidade?
    Por que divergências étnicas, ideológicas, políticas, epistemológicas, linguísticas, literárias, históricas são  estopins  venenosas  que redundam  na pulverização  da amizade e, daí em diante, pelo sofrimento ou  ressentimento  provocados, não mais adquirem aquele viço alegre,  gostoso,  saudável da antiga  amizade que, aqui para provocar o leitor, havia entre dois cultivadores da amizade? A ferida resultante é praticamente não cicatrizável. O passo errado  deixou  o vaso da amizade  estilhaçado, sem volta. Tudo passar a ser diferente,  ainda que seja retomada. Seremos  gatos   escaldados. Uma vez  aquele vaso quebrado,  partido,   suas partículas mínimas, sopradas pelo vento,  não mais  farão retroceder  a antiga   naturalidade,  o antigo   afeto ainda não  partido, ainda não arranhado..
     Por outro lado,  sei que o pensamento  cético  ainda não me invadiu de vez. Isso me consola em parte. Não quero o socorro de Schopenhauer (1788-1860), nem o  de Nietzsche (1844-1900), nem de nenhum pensador que possa me fazer inteiramente descrente do sentimento da amizade. Obviamente, sinto a dor  imensa,  a  incompreensão, o espanto diante  do fato.

   O que me incomoda muito,  além  da ruptura da amizade súbita ou paulatina, é a certeza de que nunca, do me lado,  a quis  ver  abalada,  capenga,  claudicante. Não, sempre a quis saudável, viçosa, inalterável, perene, fecunda até o final de meus dias. O mundo para mim  é muito vasto (o “vasto mundo” drummonmdiano poderia ser) e eu sou  muito pequeno  para enfrentá-lo  da forma como ele é e não como eu  desejo que  seja. O “Fiat lux" bem poderia ser a metáfora da eclosão da amizade e o seu rompimento seria    o seu antípoda, i.e.,  a escuridão,  a qual desfaz um dos mais belos dos sentimentos do Homem: a amizade, que deve ser duradoura, estreme, imaculada,    incondicional,  simples e bela como os “lírios do campo.”  

sexta-feira, 24 de junho de 2016

PROFESSOR AMARANTINO “INCORPORA O ESPÍRITO DE UM FILÓSOFO ALEMÃO”


PROFESSOR AMARANTINO “INCORPORA O ESPÍRITO DE UM FILÓSOFO ALEMÃO”

Luís Alberto Soares (Bebeto)

           Comenta-se em Amarante (PI), que o simpático e extrovertido professor RAIMUNDO DIAS DA COSTA, natural de AMARANTE, é um forte médium e que ele recebe o espírito de um famoso filósofo alemão do século XX, MARTIN HEIDEGGER. Comenta-se ainda que em várias ocasiões, pessoas que convivem com o professor RAIMUNDO DIAS já notaram comportamento estranho do educador, como se ele estivesse em transe.

            O intelectual amarantino Virgílio Queiroz diz que o professor Raimundo se parece muito com o filósofo que ele incorpora. “Olhem bem! Olhem bem! A cara de um é a cara do outro. Certa vez, o digníssimo, chateado com a demora na apresentação da dança "tiroli", começou a praguejar impropérios em alemão. Eu não entendi nada. Depois de alguns minutos, ele já sereno, perguntei-lhe sobre as palavras ditas em tom raivoso e ele me respondeu: "eu? eu não disse nada!". Vi, sou testemunha de sua transformação ao receber o filósofo MARTIN HEIDEGGER” – assinalou Virgílio Queiroz.

            Vale esclarecer que o professor amarantino é portador de vários cursos, entre eles, Licenciatura Plena em Letras Português. Especializado em Docência e Gestão Escolar. Funcionário público estadual (PI) e municipal (Educação) de Amarante e São Francisco do Maranhão. 

            Em Amarante, o PROFESSOR RAIMUNDO DIAS como é mais tratado, prestou relevante serviço como diretor e coordenador pedagógico da Unidade Escolar Antonio Gramoza, onde é professor; coordenador geral e coordenador especial da UESPI, Pólo de Amarante; supervisor e tesoureiro do Hospital Estadual de Amarante. Professor de Língua e Literatura Latina da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), Pólo de São João dos Patos. 

               O educador trabalha ainda como coordenador do Complexo Escolar do povoado Conceição deste município. Diretor da Unidade Escolar Antonio Gramoza (1º e 2º governo de Luiz Neto). Atualmente presta acentuados serviços na Secretaria Municipal de Educação ( Amarante).

              Vale esclarecer ainda que o destacável educador, ainda é folclorista e ator amador. Casou-se com a amarantina MARIA ALICE SILVA COSTA. Do matrimônio, talentosos filhos: Francisca Laura e Felipe Augusto.

          Em março de 2012, o amigo PROFESSOR RAIMUNDO DIAS foi visitado por STEPHANIE LOTUFO, produtora do programa “Fantástico” (TV Globo). Ele ainda a acompanhou nas entrevistas com personalidades registradas no livro AMARANTE, PERSONALIDADES E FATOS MARCANTES.    

quinta-feira, 23 de junho de 2016

HISTÓRIAS DE ÉVORA - Capítulo XI


HISTÓRIAS DE ÉVORA

Este romance será publicado neste sítio internético de forma seriada (semanalmente), à medida que os capítulos forem sendo escritos.

Capítulo XI   

Música e memória

Elmar Carvalho

Julgo de bom alvitre, até para quebrar eventual monotonia desta narrativa, em que trato, sobretudo, dos anos da puberdade e da juventude do meu protagonista, intercalar alguns trechos de suas memórias e de suas lembranças de Évora, bem como de alguns eborenses que ficaram na história oral dessa cidade.

Portanto, a seguir e em outros capítulos deste livro, interpolarei textos de Marcos Azevedo, escritos, alguns, em sua madureza, e, outros, quando ele já descambava para a terceira idade. Os textos, desentranhados de Histórias de Évora, Mitologia de Évora e Memórias, serão transcritos em itálico e entre aspas, para que não paire nenhuma dúvida sobre a autoria, porém, sem indicação expressa de título e autor.  Passo-lhe, pois, a palavra:

“Marcel, o narrador dos romances de Proust, disse que ao degustar uma madeleine, mergulhada numa xícara de chá, teve remotas lembranças despertadas, e de maneira tão viva, que ele veio a recordar pormenores já completamente esquecidos.

Afirmam outros que suas memórias são aguçadas por algum tipo de perfume ou cheiro, que sentiram na época em que os fatos ocorreram. Na parte que me diz respeito, os maiores catalisadores de minhas lembranças são os sons, sobretudo os provenientes da música, e a visão de velhos prédios e logradouros.

Por muitos anos, quando quis recordar certos episódios de minha vida, no intuito de aproveitá-los em algum texto literário, mormente em poemas evocativos, contemplei vetustos sobrados, velhas casas solarengas; percorri algumas praças e ruas que não haviam sido desfiguradas, que ainda mantinham os traços que vi em minha infância e adolescência. E pude relembrar certos momentos de minha vida, que já se esfumaçavam em minha memória.

Dessa forma consegui capturar um pouco do clima emocional e psicológico da época. Contudo, como muitos afirmam, a memória é seletiva, e certos fatos são completamente esquecidos; de alguns só voltamos a relembrar através da memória dos outros, amigos ou parentes. Acredito mesmo que alguns fatos, que incorporamos como sendo frutos exclusivos de nossa memória, são na verdade lembranças de outras pessoas, que acabamos acolhendo como sendo parte original de nossa reminiscência própria.

Por outra parte, como a tessitura das lembranças é muito frágil, diáfana e se esgarça com facilidade, suponho que algumas de nossas memórias, com o passar dos anos, com o surgimento de muitos e novos fatos ao longo de nossa existência, terminam por se modificar, por se transformar, seja por obra de nossa fantasia, seja por se entrelaçar com outras recordações.

Acredito que deficiências nos neurônios e em suas complexas conexões e mecanismos eletroquímicos podem causar essas modificações, mitigando ou exagerando alguns acontecimentos, associando-os a outros. Alguns episódios poderiam ser apagados completamente de nosso cérebro, enquanto outros, segundo imagino, poderiam ser criados, através de falsas lembranças.

Diferentemente de Marcel, o famoso narrador proustiano, a minha madeleine não foi o bolinho embebido no chá; foram os sons e as músicas que mais me marcaram em minha meninice e juventude. Por exemplo, o canto de uma rolinha fogo-apagou me provoca funda e saudosa melancolia, ao passo que o trinado de um bem-te-vi sempre me alegra. Ambos me despertam lembranças antagônicas, que não irei, agora, expor.

Já casado, com filhos e entrando na idade madura, passei a ouvir essas músicas com insistência e de forma, às vezes, repetitiva e quase obsessiva. Primeiro através de velhos discos de vinil, que consegui adquirir, fossem eles remasterizados ou fossem as melodias novas versões.

As capas e as canções desses antigos LP’s, muitos dos quais adquiri em lojas de produtos usados, quando já descambava para a chamada terceira idade, me permitiram reconstituir minhas recordações, me possibilitaram interligar as memórias fragmentadas de minha adolescência e juventude. Ruminava, nostálgico e comovido, as minhas mais caras e ardentes lembranças. Quase sentia as mesmas emoções da época em que os fatos aconteceram. Para coroar tudo isso, comprei uma eletrola em estilo retrô e vários álbuns sobre a Jovem Guarda, nos quais eram estampadas as capas mais famosas dos ídolos de então.

Depois, com o progresso tecnológico, encontrei muitas dessas velhas canções reproduzidas em CDs, originais ou que eu mandava gravar, com as músicas que eu indicava. Mais adiante, fiz passar essas dezenas e dezenas de CDs com minhas músicas favoritas para o sistema MP3, que me facilitava ouvi-las, especialmente no carro, tanto em viagem como nos deslocamentos na cidade. Também as ouvia em libações e degustações dominicais.

Por último, aprendi a passar as músicas que encontro na internet para um pendrive. Com as minhas lembranças, consultas a amigos contemporâneos, pesquisas nos sites de buscas, muitas vezes utilizando pequeno trecho das letras, fiz uma rigorosa seleção dessas melodias que me encantaram, como já frisei, na minha meninice, adolescência e juventude. Ao ouvi-las, em diferentes ocasiões, elas potencializaram a minha memória, tornando nítidos e vivos certos episódios e momentos, que pensava haver esquecido.


E pude recordar, com o mesmo encantamento, tristeza, saudade e emoção, os acontecimentos que marcaram minha vida, bem como pessoas que conheci ou de quem ouvi falar. Tenho tentado reviver e restaurar essas pessoas e esses fatos através de minhas memórias e outros escritos. É a precária ressurreição de um tempo que insiste em permanecer."

segunda-feira, 20 de junho de 2016

"Bernardo de Carvalho, o fundador de Bitorocara" à venda na livraria da UFPI


O livro “Bernardo de Carvalho, o fundador de Bitorocara”, segunda edição revista, ampliada e melhorada, já se encontra à venda na Livraria Monsenhor Melo – UFPI, espaço Rosa dos Ventos (perto do Banco do Brasil).

O livro contém, no anexo, vários textos sobre o patrimônio natural, arquitetônico e histórico de Campo Maior.


Contém dois novos capítulos, um dos quais sobre a localização da Fazenda Bitorocara, marco inicial da fundação da cidade, no qual foi transcrita elucidativa documentação, que embasa conclusivos argumentos e fundamentação.   

NOSSO FUTURO NO FUTEBOL PODERÁ SER UMA VOLTA AO PASSADO


NOSSO FUTURO NO FUTEBOL PODERÁ SER UMA VOLTA AO PASSADO

Antônio Francisco Sousa – Auditor Fiscal 
afcsousa01@hotmail.com

                -Treinador, o senhor fez uma alteração equivocada, tirando um dos raríssimos jogadores que chutaram em gol no primeiro tempo; mas havia chance de consertar o erro, já que ainda dispunha de duas substituições possíveis de serem feitas, por que não as fez? Pergunta de jornalista a Dunga em entrevista coletiva depois de Brasil versus Peru. E ele, gaguejando: - porque, ora..., ora..., veja bem, o time naquele momento estava encaixado... E errou de novo, dessa feita, também, na utilização do predicativo: em vez de “encaixado” deveria dizer “encaixotado”, pronto para ser despachado, mandado ao lixão de Massachusetts – se é que lá existe isso. É muita desfaçatez, incompetência, arrogância e ignorância, juntas.

                Um amigo disse que Dunga foi um grande jogador. Como não entendi ser brincadeira, que ele não queria referir-se ao biótipo avantajado do sujeito, mas à sua técnica, discordei; também o fiz em relação ao que, a seguir, acrescentaria: que, na seleção campeã pela quarta vez em mil, novecentos e noventa e quatro, ele, o volante ogro, e Romário - não citou o humilde jogador Bebeto, um dos melhores coadjuvantes de todos os tempos - é que deram o tetracampeonato ao Brasil. Por estar com pouca paciência e sem vontade de discutir, disse ao velho chapa, peremptoriamente: companheiro, a copa do mundo de mil, novecentos e noventa e quatro, não tenho nenhuma dúvida em afirmar, foi uma das mais pobres, tecnicamente, dentre todas as já realizadas: nunca tantos canelas de pau compuseram suas respectivas seleções nacionais.

                O Brasil em termo de seleção de futebol principal, nos últimos dois anos, conseguiu feitos memoráveis, inesquecíveis, verdadeiras quebras de paradigmas: levamos a maior goleada da história do esporte bretão, desde que começou a ser disputado por seleções nacionais, e a pior já sofrida por um campeão mundial: o doloridíssimo sete a um diante do escrete alemão; após trinta e um anos fomos derrotados pelos peruanos e, não bastasse isso, quase trinta anos depois, saímos de uma copa américa pela segunda vez  na primeira fase do torneio, com a pior participação dos últimos noventa e três anos.

                Que mais nos falta acontecer? Mantido o entourage administrativo da confederação brasileira de futebol e, consequentemente, a filosofia que a norteia quanto à escolha da comissão técnica das seleções principal e olímpica, muito provavelmente, duas desgraças, uma inédita, a outra não: ficarmos, pela primeira vez, fora de uma copa do mundo, a de dois mil e dezoito e, novamente, deixarmos de ganhar medalha de ouro no futebol olímpico. Os dois fatos podem se realizar sem surpresa: estamos fora da zona de classificação nas eliminatórias sul-americanas de futebol, enquanto nossa seleção olímpica, muito bem arrumada por treinadores que antecederam Dunga, corre o risco de esfacelar-se ou ficar desfigurada até a abertura do torneio, caso seu novo treinador decida fazer experiências.

                O tempo corre célere, mas mesmo assim, seria bastante arriscado continuarmos com Dunga; ele já provou que é egoísta, turrão e míope como poucos. Ruim sem ele, muito pior com ele. Vamos para mais um drama olímpico, mas quem sabe não nos salvemos nas eliminatórias, com outro treinador, principalmente se a ele for dada a liberdade de fazer as convocações que julgar convenientes; levando à seleção quem, de fato, envergue a amarelinha considerando-a sua segunda pele; sem qualquer interferência comercial, corporativa ou burocrática; craques temos de sobra, ou o mundo não se interessaria por nossos jogadores. Se, mesmo assim, não der certo, talvez seja chegada a hora de voltarmos ao passado. Pode ser que para salvarmos nosso futuro, precisemos praticar futebol como fazíamos entre mil novecentos e cinquenta e oito e mil, novecentos e setenta, período em que servimos de referência técnica e estética futebolística, virtudes que perdemos desde quando passamos a tentar imitar, sem sucesso, o acadêmico, pragmático e parametrizado futebol de resultados.             

domingo, 19 de junho de 2016

Seleta Piauiense - Almir Fonseca


Poema

Almir Fonseca (1918 – 1972)

Nasci em berço macio e quente,
Como a árvore no bosque silencioso e calmo;
Alimentei-me de leite materno,
Como a árvore se alimenta da seiva no seio da terra;
Tive o aconchego no colo morno de minha mãe
E a doçura dos seus carinhos revigorantes,
Como a árvore recebe o calor do sol e a frieza do luar,
Que lhe mantém o equilíbrio da vida;
Recebi os bafejos e os beijos de minha mãe querida,
Como a árvore recebe as carícias brandas
Da brisa perfumada e mansa;
Fui cercado de todos os cuidados e proteções
Contra as intempéries,
Como a árvore recebe da Natureza
Os meios peculiares à sua defesa;
Senti, por certo, caírem sobre o meu rosto inocente
As lágrimas quentes dos olhos de minha mãe
Quando chorava de contentamento
Ao apertar-me contra o seio,
Como a árvore sente correrem sobre os seus galhos verdes
As gotas de orvalho caídas do céu
Quando a Natureza lhe abraça com o véu da noite.

Cresci, tornei-me jovem,
Alegre e brincalhão, feliz da própria vida,
Como a árvore cresce, robusta e ereta,
E balança ao passar do vento forte.
E hoje, homem feito
Vivo exposto aos rigores da sorte avara
E do destino impiedoso,
Como a árvore, frondosa e altaneira,
Vive exposta aos golpes da foice afiada
E do machado bronco.

Eu morrerei,
Como a árvore morrerá,
E então nós nos encontraremos:
Eu feito defunto
E a árvore transformada em caixão,
– Iremos à última morada...   

sábado, 18 de junho de 2016

Aldeia Global à Torre de Babel


Aldeia Global à Torre de Babel

José Maria Vasconcelos 
josemaria001@hotmail.com

         Anos 70, a cidade dormia cedo, sem muros altos, sem ferramentas sofisticadas de segurança, sem sobressaltos e pesadelos. Relaxava-se fácil, quando a  TV Globo encerrava a programação, antes da meia-noite. Na vinheta, o samba de Noel Rosa, ATÉ AMANHÃ, e a nostálgica mensagem em bonita voz do locutor: "Logo, o brilho das luzes, será substituído pelos primeiros raios do sol. Fique agora, na tranquilidade de seu lar. Nós estamos aqui. Atentos aos acontecimentos da aldeia global, preparando as emoções que são a vida do povo, a alma da cidade. Até amanhã, na certeza de um novo tempo: tempo de comunicação, fazendo um homem livre no universo sem fronteiras!"

         Depois de quatro décadas, vários conceitos embutidos nessa mensagem precisam ser revistos, especialmente ao retratar a tranquilidade do lar, aldeia global, o tempo de comunicação, homem livre, emoções. A TV Globo não repetiria a mesma mensagem, bem como outros meios de comunicação, diante da avalanche de emoções e reações coletivas. Quer exemplos? Há um ano, não se tinha notícia de um estupro coletivo no Piauí. Bastou o primeiro, em Castelo do Piauí, exaustivamente explorado na imprensa. Seguiram-se mais três no estado. Como reagiram os “amantes da opinião pública sadia”- filodoxia, segundo Platão – aqueles que buscam o belo e virtuoso em si, ao contrário dos estudiosos da opinião seca, do rigorismo das demonstrações?

         Será que a exposição demasiada dos crimes, escândalos sexuais e maracutaias das autoridades, embora condenados pela Justiça, o país se libertará das mazelas? Claro que não, nem por isso a Justiça fugirá às suas funções. Porém, os meios de comunicação, que contribuem em colocar cidadãos a par dos crimes, não poderiam dedicar mais espaços às fronteiras do bem? Por que novelas costumam escancarar mais conflitos conjugais do que amores decentes? Afinal, o que é decência para formadores de opinião?

         O termo aldeia global, um conceito criado pelo canadense Marshall MacLuhan, na década de 60, explica os efeitos da comunicação de massa sobre a sociedade contemporânea, transformando o mundo numa tribalização de costumes e culturas. Quando se repete, exaustivamente, um produto ou episódio, termina virando moda de bem ou de mal. De bem é o que pouco se explora. Um programa de TV em que jovens testemunham seu resgate do submundo dos vícios, faz bem.

         Num mundo híper conectado em que vivemos, encurtam-se territórios e fronteiras. Tragédias e sofrimentos nos chegam, constantemente, ao ponto de nos acostumarmos com as dores alheias, avessos à misericórdia e sentimentos de solidariedade. Explica-se a frieza dos que não respeitam pudor, autoridade, o exercício da nobreza, a própria vida. Vive-se uma era glacial de puros sentimentos.


           A aldeia global ainda não aprendeu a usufruir-se da tecnologia da comunicação entre os povos, de um novo tempo, sem fronteiras do ódio. Construída, como a ancestral Torre de Babel, serve mais para exploração do orgulho, do domínio de uma mesma língua. Infelizmente, tende a ruir. Uma modesta e saudável vinheta serve de alerta.   

quinta-feira, 16 de junho de 2016

HISTÓRIAS DE ÉVORA - Capítulo X


HISTÓRIAS DE ÉVORA

Este romance será publicado neste sítio internético de forma seriada (semanalmente), à medida que os capítulos forem sendo escritos.

Capítulo X  

Consummatum est

Elmar Carvalho

No liceu, Marcos teve rápida conversa com Fabrício. Este lhe disse que estivera no QG e que a madame Doralice perguntara por ele.
– O menino Marcos está difícil, nunca mais apareceu. Diga a ele para aparecer. A casa continua de portas abertas para ele, e eu continuo a mesma e de braços abertos...

O rapaz gostou da notícia. Estava lendo, com muita atenção, os livros que Madalena lhe emprestara. Dera especial importância aos prefácios, estudos introdutórios e notas de rodapé, para só então devolvê-los. Estava ansioso para rever a mulher do médico, para enfim consumar o que mal iniciara, se tal fosse possível.

 Ante o que Fabrício lhe contara, de forma auspiciosa, decidiu ir ao QG naquela mesma noite de quarta-feira, em que o movimento no lupanar não era tão grande, como nos finais de semana. Com certeza o entrevero amoroso com a madame lhe serviria para apaziguar a sofreguidão que sentia em reencontrar Madalena. Teria mais tenência, e não iria com tanta sede ao pote. Dessa forma, poderia se esmerar nas carícias e nas chamadas preliminares.

A madame, levando muito a sério a sua missão de mestra do jovem, que espontaneamente se impusera, resolveu se exceder nas lições práticas e teóricas. Indicou-lhe as carícias e manipulações que mais excitavam uma mulher. Mostrou-lhe as principais zonas erógenas. Enfatizou que os toques preliminares eram de capital importância para o sucesso de um amante, sobretudo os mais sutis em certas partes da anatomia feminina.

Disse-lhe que ser o gatilho mais rápido só era importante nos filmes de faroeste ou bangue-bangue. Deixasse isso para Ringo, Billy the Kid ou Django. Como no velho brocardo, a pressa era inimiga da perfeição. Os dois repetiram as performances e pulutricas anteriores, e inventaram outras mais. Doralice, demonstrando ser a sacerdotisa suprema do sexo, exercitou a arte do pompoarismo, o que levou Marcos ao delírio, no embalo de sucções e fricções tão ritmadas.

Com essas novas aprendizagens, e após a leitura meticulosa dos livros, o rapaz se sentiu apto a retornar à casa de Madalena, sob o pretexto de devolvê-los. Tocou a campainha. Um pouco depois a dona da casa apareceu, e o cumprimentou com um breve e discreto sorriso. Pediu-lhe para que entrasse e sentasse à mesa da sala, em que ele depôs os livros. Foi até a cozinha, de onde retornou com um delicioso suco de cajá. Com paciência o rapaz o sorveu, demonstrando sentir muito prazer nessa lenta degustação.

Madalena, quase como se fosse uma dedicada mãe a tomar as lições do filho, fez várias perguntas, tanto sobre o conteúdo das obras como sobre o estilo dos autores. O jovem, para impressioná-la e para provar que fizera cuidadosa e profunda leitura, falou com muita vivacidade sobre os livros e seus autores. Falou, inclusive, da escola literária a que eles pertenciam, enunciando suas características mais notáveis.

Nessa breve conversa o rapaz notou que a mulher o mirava com ternura e encantamento. Por seu turno, ele não lhe regateou olhares em que tentou expressar admiração e desejo. Com embevecimento contemplou seu rosto de incomparável formosura, e com certa cobiça mergulhou seus olhos nas colinas de seu colo, tentando adivinhar as curvas, os detalhes, os contornos e a textura dos seus seios, empinados e firmes. Tentando disfarçar a impaciência, ela o convidou a irem até a biblioteca, para que ele escolhesse novos livros.

Marcos só era tímido no primeiro contato. Feita a conquista, tinha a desenvoltura e traquejo de um verdadeiro amante. Observou que, dessa feita, Madalena cerrara a porta. Ele sabia que um livro era bem mais delicado que uma mulher, pois uma simples lágrima podia danificá-lo e manchá-lo para sempre; um simples toque inadequado ou canhestro podia amarfanhar suas folhas. Mas a tocou com muito mais suavidade do que tocaria uma página feita do mais delicado e frágil papel.

Afagou-lhe os cabelos e as têmporas. Em seguida, seus dedos percorreram-lhe as sinuosas e bem delineadas sobrancelhas. Seguiram o contorno da boca. Pousou o côncavo das mãos sobre as maçãs do rosto em inefável massagem. Após fixá-la em profundidade, olhos nos olhos, como se quisesse lhe devassar os mais recônditos pensamentos, colheu-lhe os lábios entreabertos, ansiosos. Beijaram-se longamente, em frenesi, enquanto se abraçavam.

Marcos se afastou um pouco para poder lhe tocar os seios ainda velados pela blusa. Quando quis desabotoá-la, ela lhe afastou as mãos, e o beijou novamente. Depois, conduzindo-o, abriu a porta que separava a biblioteca do quarto do casal. O rapaz, então, a desnudou completamente. Viu a magnífica beleza de seu corpo, cheio de curvas, relevos e encantamentos. Beijou-lhe os seios esculturais. Afagou-os com suavidade e vigor, de baixo para cima, até se fixar nos túmidos mamilos de eriçadas e áureas aréolas. Foi metódico, quase ritualístico. Sussurrou e ofegou ao seu ouvido, como se seguisse profano breviário.


Aplicou em Madalena tudo o que aprendera com Doralice, ponto por ponto, milímetro por milímetro, até a consumação suprema da própria consumação. E ainda assim, como na música, o cio venceu o cansaço.  

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Lançamento de Bernardo de Carvalho - 2ª edição


Lançamento da 2ª edição de Bernardo de Carvalho, o fundador de Bitorocara

Será lançado em Campo Maior o livro “Bernardo de Carvalho, o fundador de Bitorocara”, da autoria de Elmar Carvalho, em segunda edição revista e substancialmente aumentada, com a inclusão de dois novos capítulos, um sobre a localização da quase mítica Fazenda Bitorocara, e outro sobre o povoamento do Vale do Longá, além de vários outros textos sobre a história e o patrimônio natural e arquitetônico do município.

A capa é uma excelente obra artística de Gervásio Castro, em que se vê a idealização de Bernardo de Carvalho, ladeado por um índio e um negro, tendo ao fundo a antiga igreja de Santo Antônio do Surubim.

O livro contém apresentação da historiadora e professora da UFPI Sílvia Melo, membro da Academia Campomaiorense de Artes e Letras – ACALE. Foi editado através de convênio entre a Universidade Federal do Piauí e a ACALE. Na oportunidade será inaugurada a Biblioteca da Academia Campomaiorense e será prestada homenagem ao reitor José Arimatéia Dantas Lopes.

A solenidade de lançamento da obra historiográfica acontecerá às 10 horas do próximo sábado, dia 18, no espaço cultural Fórum Deputado Antônio Gayoso, situado na Praça Bona Primo.

Na contracapa, João Alves Filho, presidente da ACALE, emitiu o seguinte comentário:

“(...) Segundo o historiador Pe. Cláudio Melo foi ele [Bernardo de Carvalho] a mais importante figura do Piauí colonial, fundador de várias cidades no Piauí e no Maranhão, e foi quem lançou as bases administrativas e hierárquicas do que viria a ser o Piauí.

(...) O livro prova de forma cabal, com documentação e argumentos sólidos, que a Fazenda Bitorocara ficava mesmo na confluência dos rios Surubim, Longá e Jenipapo.”    

segunda-feira, 13 de junho de 2016

TEMPO DE LEMBRAR AS PEQUENAS COISAS


TEMPO DE LEMBRAR AS PEQUENAS COISAS

Francisco Miguel de Moura
Escritor, membro da Academia Piauiense de Letras

Aproxima-se a data do meu natalício, completo 83 anos de existência, o que não é pouco. Mas também não acho muito. Quero transmitir alguns pensamentos a outras pessoas, alguns já expostos em meus livros, através de personagens. E, como é sabido, personagens são ficções, não me mostram, como diria, num justo retrato ou imagem. Eles me traem. E agora eu não quero traições.  Sendo escritor, não é pecado escrever sobre mim, nada para elogiar, talvez só para desabafar. Se procurasse algum amigo para uma conversa talvez fosse difícil encontrar. Este é um dos problemas dos velhos: os amigos foram embora, uns para terras distantes, outros para o paraíso. Uns são surdos ou não têm telefone ou celular, outros estão doentes e desconsolados, por isto já quase não falam nem sequer aceitam visitas.

Ainda bem que sou escritor, penso nos meus leitores. Uma boa parte já me conhece, sabe e não me estranha. Nem a minha figura popular e humilde, nem a franqueza com que expresso minhas opiniões, algumas já misturadas com os pensamentos aprendidos nas minhas leituras. Nestas palavras não me exalto, nem tento fazer minha própria biografia. A biografia de um escritor são suas obras. E estas eu já as tenho para pesarem na avaliação que me façam no futuro. Além de meus poemas, minha mais encontrável obra está nestas páginas de artigos e crônicas que o jornal “O Dia” me vem publicando aos sábados.  Pois, de algumas coisas estou certo: Não há nenhum escritor capaz de escrever sua autobiografia, justo porque ela mostraria as coisas grandes, as melhores, deixando as pequenas de lado, como se não existissem. Num arremedo autobiográfico, escrevi um soneto, que está ali ao meu lado, pregado na parede. Título: “Quem eu sou? Impossível responder / sem confundir o ser com o ter sido / com o vir-a-ser, com o nunca ter nascido. / Sei o meu nome, é todo o meu saber”. Mas, no final, arremato assim: “Não sei mentir, por isto é que me invento. / E com a força que vem do sentimento, / não passo de um menino que se adora”.

Vaidades! São coisas pequenas. “Vanitas vanitates vanitas!” Vaidades eu tenho, você tem, querido leitor. Quem não as tem?  Então, por aqui continuo. Constam algumas coisas, dos autos de minha memória, com relação aos primeiros eventos da infância, que não gostaria de repetir sempre. Ficou o medo de ser reclamado, de ser agredido, de ser castigado, o medo de receber palavras que não me agradassem. Mas uma frase vai aqui neste relatório bem honesto:
- Oh menino chorão, oh menino feio, Zefa! Ele puxou ao pai.

Zefa era minha mãe. Certamente era muito bonita, como atesta o retrato que tenho aqui na parede, junto a meu pai, como se fosse um casal bem unido. Normalmente as fotos mentem. Tanto quanto à beleza como quanto ao que realmente apresentam de alegria ou tristeza.

Com quem eu haveria de parecer senão com meu pai? Poderia também “puxar” à minha mãe. Mas não, eu saí feio e feio continuei sendo: coisas do destino, coisas de Deus. Mas se fosse bonito não seria um bom poeta, isto eu tenho quase certeza. Certeza? Mas aquém tem certeza de nada? Nem do passado, do presente, ou do futuro.

Feio, sim, mas fui um menino bastante estimado pelas famílias de meus pais. Pouco ouvia frases desagradáveis. Constantemente ia passar dias na casa de meu avô “Sinhô do Diogo”.  O outro avô, Chico Ana, não conheci, mas me lembro de meus tios e tias. Com saudades. Da minha infância. Na casa de meu avô era tratado com muito regalo, tinha um quarto onde dormia na minha rede – pena que, de manhã, me levantava todo mijado. Talvez fosse uma deficiência minha, no aparelho urinário. O outro neto, depois de mim, era o Chico de Sinhô. A gente brincava nas roças e capoeiras, ia até o rio e tomava banho, caçava passarinhos, comia frutos do mato: os melhores eram os frutos de imbu e xiquexique, depois vinham cajá, pitomba, juá, carnaúba e mandacaru, quando era tempo. O almoço era carne de tatu e de outras caças.  Sobrava tempo para tudo. No de inverno a gente tomava banho de chuva; quando a chuva ia embora, passava o tempo jogando pedras no caldeirão e vendo a água subir fazendo aquele barulho. E nós dizíamos: Fulano. Eram os sepultados na água, os que não eram do nosso agrado. Também fazíamos cavalo de pau para brincar, depois que levava os animais para beber no rio. Tudo isto era uma delícia. Para menino não há tempo ruim. Comia, corria, dormia, fazia “malinações”, levava ralhos dos mais velhos, mas ficava por isto mesmo.

Depois, crescido, já na escola – meu pai era o mestre – ouvi algumas pessoas e colegas me elogiarem, porque eu aprendia rápido:

- Ele é inteligente como o pai. Vai ser mestre também.  Já começavam a me respeitar. E ficava envergonhado ora se!... Nunca me achei inteligente assim, para tanto destaque. Por ser tímido. Medroso igual a mim ainda estou por ver outra pessoa. Mas naquele tempo era tudo muito simples. Hoje parece que há muitas complicações, mas continuo a dizer que a vida é muito simples. Não precisamos de muito. Ela é a pequena-grande coisa que recebemos de graça. Por isto é dever conservá-la e amá-la até o seu limite. Sou inteligente, é? Mas não tenho certeza de nada. Quem sabe do futuro? Se o homem soubesse do futuro, o futuro não existiria. Deus existe, disto eu sei, mas não é uma entidade criada a nossa imagem. É a sabedoria, é o espírito santo e é também o filho (que sempre existiu). Somos uma partícula de Deus. Nossa alma, nosso espírito, nosso “eu”. Então, que sabedoria temos, se não conhecemos nem a nós mesmos?  

domingo, 12 de junho de 2016

Seleta Piauiense - Renato Castelo Branco


O instante

Renato Castelo Branco (1914 - 1995)

É um instante
esta sensação
de ter sido sempre,
de ser sempre.

Esta sensação
de ser poeira e cosmos,
finito e infinito,
segundo e eternidade.

É um instante
esta sensação
de momento já vivido,
de poesia já escrita,
de palavra enunciada,

De ser Verbo e plasma,
de além,
de ressurreição.


É um instante de glória.

sábado, 11 de junho de 2016

DIREITA, ESQUERDA, VOLVER...


DIREITA, ESQUERDA, VOLVER...

Francisco Miguel de Moura
Escritor, membro da Academia Piauiense de Letras

                Há, na sociedade atual, aplicada à política, uma confusão dos diabos, envolvendo duas palavras que em si não dizem nada - direita e esquerda – se usadas fora do contexto. O contexto aqui é o da política, mas é, antes, também o da origem. 

                Para confundir mais as coisas essas duas palavras também são conhecidas como dextra e sinistra que significam, respectivamente, mão direita e mão esquerda. Logo, as duas coisas existem ao natural. E quando o comandante manda seus comandados fazer direita x esquerda, eles entendem perfeitamente. Por que nós ouros, civis, não deveremos também saber e entender o que vem a ser direita e esquerda?

                Partindo-se do princípio de que as duas formas têm origem na condição humana natural, o filósofo Olavo de Carvalho explica que “direita e esquerda, muito antes de serem diferenças ideológicas ou de programas políticos, são duas maneiras diferentes de vivenciar o tempo histórico. Essas duas maneiras estão ambas arraigadas no mito fundador da nossa civilização, a narrativa bíblica, que vai de uma origem a um fim, do Gênesis ao Apocalipse”.

Nosso sábio leitor já dever ter notado que a origem das duas expressões se localiza num tempo muito remoto, anterior mesmo à contagem pelos homens - esses pobres vermes que somos e pensamos valer muito só porque temos olhos (de pouco alcance), ouvidos (idem) e boca-voz-palavra (idem), dotados de sentimentos tão superficiais que se guardam numa pequena memória, cuja existência não pode ser concebida historicamente. Começa num “pré-tempo” ou num “não-tempo”.

Citando novamente o filósofo Olavo de Carvalho, que não é de direita nem de esquerda, mas um profundo pensador do nosso tempo com base atualizada e em consonância outros tempos, informamos:

“Se nas esferas superiores do pensamento florescem então por toda parte concepções pueris que empolgam as atenções por uma décadas para depois serem atiradas à lata de lixo do esquecimento, o distúrbio geral da percepção do tempo não poderia deixar de também se manifestar, até com nitidez aumentada, em domínios mais grosseiros da atividade mental humana, como a política”. E acrescentaria eu às sábias palavras do filósofo: - para sofrer todas as deturpações possíveis, como estamos vendo no Brasil de então. E me parece que não só no nosso país, mas em todo o globo, em toda a humanidade e desumanidade.

No meu entendimento, como só há um número em matemática, o numero 1 (hum), que já expliquei noutro artigo, também só há uma posição com relação ao tempo: – o nosso e o absoluto. Essa posição se chama CENTRO. Esquerda e direita são variações que podem ser acrescidas de outras palavras também políticas como “social”, “democrática”, “comunista”, teologal, religiosa, centro-esquerda, centro-direita, etc.

Não será que com isto pode ser explicado também que o exército, em qualquer país e em qualquer tempo, não tem direita nem esquerda, ele é o centro? Volver é centro, esquerda X direita é apenas o movimento necessário à tropa.

Na verdade, em política, quem está na “esquerda” quer sempre ir para o centro, jogando diatribes contra os que estão na “direita”, e vice-versa. Na verdade todos querem o centro, o poder material, terreno, para ser o rei, o astro e transformar o que seria do povo em coisa particular, sua. No momento atual do Brasil, a chamada “esquerda” parece reproduzir isto, com discursos falsos e mentirosos, com inação e capacidade máxima de poluir as relações éticas, morais e até as físicas, beirando a uma ligação à cadeia tráfico-traficantes.  Mas ninguém se iluda, por causa das tremendas contradições esquerda x direita: os seus discursos confundem muito aqueles menos favorecidos pela cultura, educação e prudência.

O tempo político é cheio de misérias, daí porque os pobres se apegam às religiões e muitas vezes se tornam dogmáticos e cegos aos reclamos da evidência do natural e do eterno.

E porque aqui falei em ETERNO, nunca houve palavra que tanto já me confundiu. Mas agora a vejo esclarecida na Bíblia, no “Livro dos Provérbios”, sobre a Sabedoria de Deus, cap. 8 vers. 22-31: “O Senhor me possuiu como primícias de seus caminhos, antes de suas obras mais antigas; desde a eternidade fui constituída, desde o princípio, antes das origens da terra. Fui gerada quando não existiam os abismos, quando não havia os mananciais das águas, antes que fossem estabelecidas as montanhas, antes das colinas fui gerada. Ele ainda não havia feito as terras e os campos nem os primeiros vestígios de terra do mundo. Quando preparava os céus, ali estava eu; quando lançava a abóbada sobre o abismo, quando firmava as nuvens lá no alto e reprimia as fontes do abismo, quando fixava ao mar os seus limites – de modo que as águas não ultrapassassem suas bordas – e lançava os fundamentos da terra, eu estava ao seu lado como mestre de obras; eu era o seu encanto, dia após dia, brincando, todo o tempo, em sua presença, brincando na superfície da terra e alegrando-me em estar com os filhos dos homens”.


Neste final de citação bíblica, sinto que o filho de Deus, Jesus, sempre existiu, tal como a escritora portuguesa Maria Helena Ventura, no seu livro “Um homem só”, pesquisadora que foi morar por uns tempos em Israel e escrevê-lo com mais consciência. E sente-se também que Deus não é um ente criado à semelhança do homem de esquerda ou de direita, mas a sabedoria insondável do eterno. Enfim, direita ou esquerda são falsos argumentos que se escondem atrás do mal e das maldades humanas.