quinta-feira, 11 de junho de 2020

DIVAGAÇÃO EM “QUARENTENA”




DIVAGAÇÃO EM “QUARENTENA”

Valério Chaves

Des. Inativo do TJPI
 

O isolamento social que me impôs - diria  quase que compulsoriamente - essa quarentena coroniana que assola o mundo,  subtraiu parte do meu direito constitucional de ir onde eu quiser, inclusive caminhar no final da tarde na Raul Lopes, mas por outro lado, tem me dado tempo para assistir filmes pela TV e ler livros de alguns autores importantes – historicamente falando – não tanto pelos próprios méritos, mas pelo volume de informações que  transmitem sobre a era em que viveram algumas figuras históricas realmente importantes.

 A propósito de corona, de saída, gostaria de dizer que até hoje não entendi porque essa “quarentena” que estamos vivendo, em razão da Covid-19, não acabou ao completar seus quarenta dias de tolerância, pois até onde sei, quarentena significa 40 dias. Pelo menos é essa a definição na língua portuguesa que o Dicionário Aurélio registra, verbis: quarentena – período de 40 dias, espaço de tempo durante o qual os passageiros procedentes de países onde há doenças contagiosas graves são obrigados à incomunicabilidade... (pág. 1425, 2ª edição). Além disso, a Bíblica  diz que Jesus ficou em quarentena durante 40 dias no deserto, sendo tentado pelo diabo (Lucas, 4.2). Ainda existe a Quaresma – 40 dias entre quarta-feira de cinzas até domingo de Páscoa – período destinado pelos católicos e ortodoxos à penitência.

Na minha obscura piauiensidade (como diria o Prof. Camilo Filho), acredito que quem inventou o termo quarentena não tenha tido talento bastante para perceber a grandeza e a poesia dos autores anônimos dos relatos bíblicos como nos livros de Reis, Crônicas e Juízes.

Mas deixemos de lado as interpretações linguísticas e voltemos aos feitos, livros e figuras históricas importantes do mundo antigo a respeito dos quais tem me sobrado tempo para ver nos tele-jornais, nos programas de tv e nas mídias em geral.

Começo citando apenas alguns nomes que se destacaram no mundo ocidental no campo da poesia, na literatura, na mitologia, na retórica, na arte, na política e na história da humanidade, antes e depois da era cristã.

Tito Petrônio Árbitro - o homem de um só livro – com o seu  Satiricon, no qual escolheu como tema as frivolidades do seu tempo transformado em degenerescência moral aliada a uma filosofia oriunda de Platão.

Públio Ovídio Naso (43ª.C-18 d.C) - conhecido como Ovídio nos países de língua portuguesa como autor de Heroides, Amores, Metamorfoses, Fastos e Tristia, escrito no exilio, no  mar Negro. Escreveu sobre amor, sedução e mitologia clássica. Era admirado por toda a Roma antiga apesar de ter vivido uma vida boêmia resultando no seu envolvimento num escândalo com Júlia, neta do imperador Caio Plinio Segundo. É colocado ao lado de Virgílio e Horácio como um dos três poetas canônicos da literatura latina.

Públio Virgilio Maro (70 aC-19aC) – considerado um dos maiores poetas de Roma. Eneida é sua obra mais conhecida, baseada na história de Eneias refugiado da lendária Guerra Troia, período turbulento de cerca de dez anos durante os quais gregos e troianos pelejaram por Helena, mulher de Menelau. Teve grande influência na literatura ocidental, mais notadamente na Divina Comédia de Dante Alighieri.

Caio Júlio César (100 a.C-44 a.C) - A par de ter sido um dos grandes líderes da humanidade, foi audaz na conquista do Império Romano, ambicioso na guerra civil, inquieto intelectualmente – autor de um razoável trabalho sobre a analogia (diluição parafraseada de alguns itens da lógica aristotélica). Diante de  situações dramáticas era capaz de arrancar célebres frases que até hoje são repetidas no mundo ocidental: “Vim, vi e venci”, “A sorte está lançada”, “Até tú, meu filho”. Dando a medida de sua importância, não só como herói carlileano, mas capaz de exercer fascinação em outro gênio como Shakespeare quando este escreveu a peça tragédia grega, Júlio César.

Dentro de um contexto literário, a frase “Até tú, Brutu” dita por César quando viu Brutu entre os senadores assassinos, resta um enigma para alguns historiadores da antiguidade.

 Até os dias atuais, entre historiadores e acadêmicos, não se sabe ao certo quais foram as últimas palavras de César. O historiador Suetônio acredita que César não disse nada antes de morrer, apenas “envolveu a cabeça com a toga quando viu Bruto entre os conspiradores, e com a mão esquerda, puxou a extremidade dela até os pés para tombar decorosamente (sem mostrar os genitais)”. A célebre frase em latim “Et tu, Brute, na verdade, vem da peça Júlio César, do dramaturgo inglês William Shakespeare.

 Certo, porém, é que os assassinos de César não duraram três anos após o atentado, exceto Bruto que foi perdoado e assumiu o governo da Gália (atual norte da Itália). Alguns morreram em guerra civil, outros foram caçados e executados, outros cometeram o suicídio.

Edward Gibbon (1737-1794) – autor de uma obra clássica sobre a história e o declínio romanos depois da morte do último Cesar, situa entre a morte do imperador Domiciano  e a ascensão de Cômodo, o período mais feliz da humanidade, quando afirma: “Se o homem tivesse de fixar o período da história do mundo durante a qual as condições da raça humana tenham sido mais felizes e prósperas, indicaria sem a menor hesitação esse período que decorreu entre a morte de Domiciano e a ascensão do filho de Marco Aurélio onde a vasta extensão do Império Romano era governada pelo poder absoluto, sob a orientação da virtude  e da sabedoria”.

Nesse período os exércitos foram coibidos pela mão firme de quatro imperadores sucessivos: Nerva, Trajano, Adriano e Antonino, que, segundo o jornalista e escritor Carlos Heitor Cony (1926-2018) “se deleitavam na imagem da liberdade e se consideravam como ministros responsáveis pelas leis. Esses príncipes teriam a merecida honra de restaurarem a República se os romanos de seus tempos tivessem sido capazes de adotar uma liberdade racional” (in, A Vida dos Doze Césares).

Marco Túlio Cícero (106 aC-43 aC) - tradutor da filosofia grega, tribuno, orador, político, advogado de Metelo e Milão, além de ter erguido as bases jurídicas e morais de um mundo em transição espraiado num imenso território conquistado por Júlio César. Segundo Michael Grant “a influência de Cícero sobre a história da literatura e das ideias europeias em muito excede a de qualquer outro escritor em prosa de qualquer língua” (Discursos, enciclopédia livre).

Tirante das histórias contadas por escritores e historiadores  antigos sobre figuras históricas como estas que acabei de mencionar aleatoriamente, continuo por aqui na modernidade dessa tal de quarentena alimentando-me  24 horas de notícias ruins sobre mortes e contaminação, mas sem perder a esperança de ver um mundo melhor, apesar de políticos desonestos, pessoas desempregadas na fila de bancos buscando auxílio emergencial, marginais soltos pelas ruas e cidadãos honestos dentro de casa impedido (por decreto) de sair para trabalhar.

Este é o mundo em que estamos vivendo, ou melhor, tentando viver, com medo até de beijar familiares e apertar as mãos dos amigos.

Um comentário:

  1. Caro Des. Valério,
    O amigo afirma não perder a esperança de ver um mundo melhor. Isso é um grande remédio em tempos de uma praga sem vacina e sem remédio eficaz. E quase diria sem consolo, exceto Deus.
    Se perdermos a esperança, talvez percamos a cabeça, como Cícero, o grande tribuno, orador e político evocado em seu belo texto, literalmente perdeu a sua, trucidado por soldados sob as ordens de Marco Antônio, que a exibiu como um troféu no Fórum Romano.
    Abraço,
    Elmar Carvalho

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