DIVAGAÇÃO
EM “QUARENTENA”
Valério Chaves
Des. Inativo do TJPI
O isolamento social que me impôs
- diria quase que compulsoriamente -
essa quarentena coroniana que assola o mundo,
subtraiu parte do meu direito constitucional de ir onde eu quiser,
inclusive caminhar no final da tarde na Raul Lopes, mas por outro lado, tem me
dado tempo para assistir filmes pela TV e ler livros de alguns autores
importantes – historicamente falando – não tanto pelos próprios méritos, mas
pelo volume de informações que
transmitem sobre a era em que viveram algumas figuras históricas
realmente importantes.
A propósito de corona, de saída, gostaria de
dizer que até hoje não entendi porque essa “quarentena” que estamos vivendo, em
razão da Covid-19, não acabou ao completar seus quarenta dias de tolerância,
pois até onde sei, quarentena significa 40 dias. Pelo menos é essa a definição
na língua portuguesa que o Dicionário Aurélio registra, verbis: quarentena –
período de 40 dias, espaço de tempo durante o qual os passageiros procedentes
de países onde há doenças contagiosas graves são obrigados à
incomunicabilidade... (pág. 1425, 2ª edição). Além disso, a Bíblica diz que Jesus ficou em quarentena durante 40
dias no deserto, sendo tentado pelo diabo (Lucas, 4.2). Ainda existe a Quaresma
– 40 dias entre quarta-feira de cinzas até domingo de Páscoa – período
destinado pelos católicos e ortodoxos à penitência.
Na minha obscura piauiensidade
(como diria o Prof. Camilo Filho), acredito que quem inventou o termo
quarentena não tenha tido talento bastante para perceber a grandeza e a poesia
dos autores anônimos dos relatos bíblicos como nos livros de Reis, Crônicas e
Juízes.
Mas deixemos de lado as
interpretações linguísticas e voltemos aos feitos, livros e figuras históricas
importantes do mundo antigo a respeito dos quais tem me sobrado tempo para ver
nos tele-jornais, nos programas de tv e nas mídias em geral.
Começo citando apenas alguns
nomes que se destacaram no mundo ocidental no campo da poesia, na literatura,
na mitologia, na retórica, na arte, na política e na história da humanidade,
antes e depois da era cristã.
Tito Petrônio Árbitro - o homem
de um só livro – com o seu Satiricon, no
qual escolheu como tema as frivolidades do seu tempo transformado em
degenerescência moral aliada a uma filosofia oriunda de Platão.
Públio Ovídio Naso (43ª.C-18 d.C)
- conhecido como Ovídio nos países de língua portuguesa como autor de Heroides,
Amores, Metamorfoses, Fastos e Tristia, escrito no exilio, no mar Negro. Escreveu sobre amor, sedução e
mitologia clássica. Era admirado por toda a Roma antiga apesar de ter vivido
uma vida boêmia resultando no seu envolvimento num escândalo com Júlia, neta do
imperador Caio Plinio Segundo. É colocado ao lado de Virgílio e Horácio como um
dos três poetas canônicos da literatura latina.
Públio Virgilio Maro (70 aC-19aC)
– considerado um dos maiores poetas de Roma. Eneida é sua obra mais conhecida,
baseada na história de Eneias refugiado da lendária Guerra Troia, período
turbulento de cerca de dez anos durante os quais gregos e troianos pelejaram
por Helena, mulher de Menelau. Teve grande influência na literatura ocidental,
mais notadamente na Divina Comédia de Dante Alighieri.
Caio Júlio César (100 a.C-44 a.C)
- A par de ter sido um dos grandes líderes da humanidade, foi audaz na
conquista do Império Romano, ambicioso na guerra civil, inquieto
intelectualmente – autor de um razoável trabalho sobre a analogia (diluição
parafraseada de alguns itens da lógica aristotélica). Diante de situações dramáticas era capaz de arrancar
célebres frases que até hoje são repetidas no mundo ocidental: “Vim, vi e venci”,
“A sorte está lançada”, “Até tú, meu filho”. Dando a medida de sua importância,
não só como herói carlileano, mas capaz de exercer fascinação em outro gênio
como Shakespeare quando este escreveu a peça tragédia grega, Júlio César.
Dentro de um contexto literário,
a frase “Até tú, Brutu” dita por César quando viu Brutu entre os senadores
assassinos, resta um enigma para alguns historiadores da antiguidade.
Até os dias atuais, entre historiadores e
acadêmicos, não se sabe ao certo quais foram as últimas palavras de César. O
historiador Suetônio acredita que César não disse nada antes de morrer, apenas
“envolveu a cabeça com a toga quando viu Bruto entre os conspiradores, e com a
mão esquerda, puxou a extremidade dela até os pés para tombar decorosamente
(sem mostrar os genitais)”. A célebre frase em latim “Et tu, Brute, na verdade,
vem da peça Júlio César, do dramaturgo inglês William Shakespeare.
Certo, porém, é que os assassinos de César não
duraram três anos após o atentado, exceto Bruto que foi perdoado e assumiu o
governo da Gália (atual norte da Itália). Alguns morreram em guerra civil,
outros foram caçados e executados, outros cometeram o suicídio.
Edward Gibbon (1737-1794) – autor
de uma obra clássica sobre a história e o declínio romanos depois da morte do
último Cesar, situa entre a morte do imperador Domiciano e a ascensão de Cômodo, o período mais feliz
da humanidade, quando afirma: “Se o homem tivesse de fixar o período da
história do mundo durante a qual as condições da raça humana tenham sido mais
felizes e prósperas, indicaria sem a menor hesitação esse período que decorreu
entre a morte de Domiciano e a ascensão do filho de Marco Aurélio onde a vasta
extensão do Império Romano era governada pelo poder absoluto, sob a orientação
da virtude e da sabedoria”.
Nesse período os exércitos foram
coibidos pela mão firme de quatro imperadores sucessivos: Nerva, Trajano,
Adriano e Antonino, que, segundo o jornalista e escritor Carlos Heitor Cony
(1926-2018) “se deleitavam na imagem da liberdade e se consideravam como
ministros responsáveis pelas leis. Esses príncipes teriam a merecida honra de
restaurarem a República se os romanos de seus tempos tivessem sido capazes de
adotar uma liberdade racional” (in, A Vida dos Doze Césares).
Marco Túlio Cícero (106 aC-43 aC)
- tradutor da filosofia grega, tribuno, orador, político, advogado de Metelo e
Milão, além de ter erguido as bases jurídicas e morais de um mundo em transição
espraiado num imenso território conquistado por Júlio César. Segundo Michael
Grant “a influência de Cícero sobre a história da literatura e das ideias
europeias em muito excede a de qualquer outro escritor em prosa de qualquer
língua” (Discursos, enciclopédia livre).
Tirante das histórias contadas
por escritores e historiadores antigos
sobre figuras históricas como estas que acabei de mencionar aleatoriamente,
continuo por aqui na modernidade dessa tal de quarentena alimentando-me 24 horas de notícias ruins sobre mortes e
contaminação, mas sem perder a esperança de ver um mundo melhor, apesar de
políticos desonestos, pessoas desempregadas na fila de bancos buscando auxílio
emergencial, marginais soltos pelas ruas e cidadãos honestos dentro de casa
impedido (por decreto) de sair para trabalhar.
Este é o mundo em que estamos
vivendo, ou melhor, tentando viver, com medo até de beijar familiares e apertar
as mãos dos amigos.
Caro Des. Valério,
ResponderExcluirO amigo afirma não perder a esperança de ver um mundo melhor. Isso é um grande remédio em tempos de uma praga sem vacina e sem remédio eficaz. E quase diria sem consolo, exceto Deus.
Se perdermos a esperança, talvez percamos a cabeça, como Cícero, o grande tribuno, orador e político evocado em seu belo texto, literalmente perdeu a sua, trucidado por soldados sob as ordens de Marco Antônio, que a exibiu como um troféu no Fórum Romano.
Abraço,
Elmar Carvalho