domingo, 28 de fevereiro de 2021

Seleta Piauiense - Claucio Ciarlini

 

Fonte: Pinterest/Google

Desumanos Tempos


Claucio Ciarlini (1981)

 

Quando não mais restar amor nenhum

E o mundo de ódio for estabelecido,

Os anos de escuridão nos farão relembrar

Do tempo em que os valores humanos

Ainda possuíam certa relevância.

 

Quando não mais restar amor nenhum

E o cristianismo radical for a lei,

Os castigos aos diferentes farão lamentar

Toda uma massa que hoje jaz moribunda

Por promessas nascidas da ignorância

 

Quando não mais restar amor nenhum

E o vil metal for definitivamente adorado

O brilho intenso e cruel, nos fará enxergar

Os milhares de escravos acorrentados

Presos pelo vicio, destinados à subserviência

 

Quando não mais restar amor nenhum

E a escolha das formas de se apaixonar for restrita

As perseguições aos hereges farão sangrar

Até mesmo aquele que hoje com os olhos condena

Pois também verá dos seus, a queimar por desobediência

 

Quando não mais restar amor nenhum

E o ensino novamente nos tornar zumbis,

O angustiante som da palmatória fará clamar

Por dias em que o dialogo seja de novo uma opção

Prevalecendo o lúdico e o afeto, ao invés da violência

 

Quando não mais restar amor nenhum

Que Deus então nos perdoe,

Pelo esquecimento de tudo que um dia ele pregou.

 

(2018)

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

PASTOR JOSÉ PEDRO DE ARAÚJO, uma breve biografia

 

Pr. José Pedro de Araújo

PASTOR JOSÉ PEDRO DE ARAÚJO, uma breve biografia

  

José Pedro de Araújo Filho

Historiador, romancista, contista e cronista

 

Nascido no município piauiense de Picos, Piauí, em 17 de fevereiro de 1927, pastor Araújo, como passou a ser conhecido muitos anos depois, era descendente de uma família muito religiosa e que adotava o catolicismo como religião. Após uma infância difícil, depois que viu a sua família ser desfeita com a separação de seus pais, passou a viver na casa dos avós maternos até a sua adolescência. Por esse tempo já demonstrava forte interesse pelas coisas do espírito, frequentando assiduamente as missas juntamente com seus familiares. O seu contato com o evangelho, de fato, somente se daria mesmo quando saiu de casa e, sozinho em São Luís, capital do Maranhão, adentrou a um templo da Assembleia de Deus, chamado que foi pelo som dos cânticos que brotavam do interior daquela igreja. Estava o jovem com cerca de vinte e um ou vinte e dois anos, e sentia-se naquele instante terrivelmente sozinho. Passou a frequentar os cultos e cada vez mais concluía que aquele modo de glorificar a Deus diferia em muito do modelo que era adotado pela sua família quando ainda estava no Piauí. Tudo isso acontecia enquanto ele aguardava ser chamado a ingressar na Policia Militar do Maranhão, interesse, aliás, que o levara até ali.  Mas, a falta de verba orçamentária atrasou em muitos meses o seu ingresso na caserna, e enquanto isso ia ele vivendo da realização de serviços braçais.  A sua índole de homem pacato e fazedor de amizades o aproximou de uma família residente no Bairro Santo Antônio, ainda em São Luís, e isso lhe serviu de amparo em um dado momento em que uma enfermidade se abateu sobre ele, impossibilitando-o de trabalhar por vários meses. O nome da pessoa que mais o ajudou naqueles momentos difíceis da sua vida, por uma dessas coincidências da vida, era Amparo. Aquela família o adotou e lhe concedeu abrigo naqueles os momentos de dificuldade extrema quando se achava sozinho naquela cidade estranha. Enfim, ingressou na Policia Militar e logo estava servindo no batalhão do corpo da guarda do Palácio dos Leões. Mas ali não demorou muito. Ao saber que estavam recrutando policiais para formar um destacamento no novo município de Presidente Dutra, inscreveu-se imediatamente, apesar de aconselhado a não fazer isso por alguns colegas que alegavam dificuldades em residir em município tão distante e de difícil acesso. Decidido, via ali uma maneira de mudar de vida, e sabia que isso seria mais fácil em um lugar que estava apenas começando a sua caminhada também. Nesse tempo, início dos anos 50, a Igreja Cristã Evangélica de Presidente Dutra também iniciava a sua caminhada, com poucos membros, mas já bastante ativa. Novo na cidade, sem muitas amizades, o recém-chegado, certa noite, transitando pela Rua Magalhães de Almeida, foi alertado pelo cântico que brotava no interior do pequeno templo. Era um chamado. O jovem que havia feito a sua decisão ainda em São Luís estava por esse tempo um pouco afastado da igreja. Adentrou a ele e até o fim da sua vida trabalhou incessantemente para levar o evangelho para outras pessoas, adotando firmemente a ordem de Cristo a seus apóstolos; “ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda a criatura”.  Trabalhou durante toda a sua vida para sustentar a família sem nunca se afastar da igreja, até o dia em que decidiu abdicar de outras funções para seguir apenas evangelizando. No começo dos anos setenta, 10 de dezembro daquele ano, foi ungido com o cargo de evangelista e passou a trabalhar na igreja em que congregava desde a sua chegada à cidade. Pouco tempo depois já estava responsável pela pequena igreja cristã do município de Fortuna, e em decorrência do seu trabalho ali foi ordenado pastor dois anos depois. Experiente, bom orador, e sempre aberto a novos desafios, aceitou pastorear a igreja cristã evangélica de Piracuruca, para onde seguiu em agosto 1973. Por aquele tempo, aquela igreja atravessava um período muito difícil em razão de um grave conflito instalado no seu seio, o que provocou uma séria cisão entre os seus membros. Foi nessa igreja que o Pastor Araújo mostrou todo a sua abnegação ao trabalho cristão e o seu espírito de liderança. Uniu novamente a igreja e a transformou em uma das mais ativas e maiores do território piauiense, tal foi a conquista de novos membros que se processou ali. Não demorou e ele já estava responsável também pela igreja de Batalha, município vizinho a Piracuruca e, algumas vezes, respondendo também pela de Parnaíba, que também atravessava um período de grandes dificuldades. Cinco anos depois, por entender que já estava no tempo de voltar às suas origens presidutrense, voltou para a região para pastorear a igreja Cristã de Dom Pedro. Em 21 de setembro de 1981 assumia os destinos da sua igreja, a Igreja Cristã Evangélica de Presidente Dutra. Ativo, fez parte da Junta das Igrejas Cristãs Evangélicas e como um de seus diretores, visitou muitas igrejas da denominação em diversos estados. Estava com viagem marcada para visitar a igreja de Campo Alegre de Lourdes, município situado no sertão da Bahia, quando foi vitimado por uma doença que terminou por leva-lo ao seio de Abraão.

 

PS. Ontem, 17 de fevereiro, faria 94 anos, vida interrompida aos 64 anos.    

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

AS PROFECIAS E A FÍSICA QUÂNTICA

Fonte: Superinteressante/Google

 

AS PROFECIAS E A FÍSICA QUÂNTICA

 

Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)

 

                Andei lendo, nesses dias, o ensaio contido no livro O Efeito Isaías, denso em razão de suas perplexidades e paroxismos. Dada a exaustiva insistência do autor em tentar introduzir noções, experimentos, observações, deduções absurdas que, em um círculo vicioso contínuo, preenche toda a obra, tem-se a impressão de que, na verdade, tanto esforço visa despertar no leitor interesse pelas confusas ilações que faz, misturando e entrelaçando profecias, tecnologia da oração/prece, milagres, ciência, com física quântica. Diante de tamanha aridez, vacuidade ou presunção, ele mesmo se confunde; às vezes, em prejuízo da seriedade do discurso. Pareceu-me, senão uma confusão, impropriedade, ou informação despicienda, o quase anacoluto contextual, em que discorrendo sobre os essênios, povo dotado de muita religiosidade e incomparável sabedoria, que deixou registrada em papiros, rolos de metal e couro animal, tergiversa para afirmar que eram eles estrita e, essencialmente, vegetarianos; não matavam a comida que levavam à boca para não se matarem; nada de carne, laticínio animal, proteínas essenciais, como alimento. Tudo indica, porém, que só nesse aspecto mantinham o bom trato para com os animais, porque, caso não os matassem a fim de produzir material para seus registros impressos, adquiriam o couro de animais mortos por outrem; ou será que retiravam a pele do rato, cão, lagartixa, cobra; ou seriam carneiros, porcos, coelhos, caças, boi ou vaca, ainda vivos? Segue o autor dizendo que, graças a essa educada dieta alimentar, viviam até cento e vinte anos. Se sem comerem carne perduravam por tanto tempo, imaginem se a comessem. Não tive como não lembrar de Ariano Suassuna, que chegou a provar e comprovar que ser carnívoro permite maior longevidade do que o vegetarianismo. Segundo ele, no começo da História, possivelmente, antes dos essênios, homem e cavalo tinham quase o mesmo tempo de vida, comendo, o primeiro, carne que caçava ou pescava, e o segundo, ervas. Com o passar do tempo, desenvolvimento da agricultura e da pecuária, melhoria nos padrões e oferta de alimentos, o homem, comendo carne, sendo carnívoro, vive muito mais que o cavalo (ou, por minha conta: o boi, a vaca, o carneiro), que continuam vegetarianos ou herbívoros.

                Em outra passagem do livro, claro, depois de mais discursos sobre eventos somente explicáveis após o advento da física quântica, como a ciência da profecia, da oração e do milagre, mote e tema principal da obra, ao falar dos maias, outra confusão – a menos que tenha havido problema na tradução da parte do texto relativa à informação -: textualmente, afirma que, “tão subitamente quanto apareceram, nas áreas remotas da península do Iucatã, há quase mil e quinhentos anos, desapareceram por volta do ano oitocentos e trinta d.C.”. Tiveram um dos mais eficientes sistemas de medição e aferição do tempo, que somente foi superado com a chegada do relógio atômico. Tanto assim que, para especialistas, descendentes dos maias ainda usam o sistema que registra o tempo e que “não falhou nenhum dia em mais de vinte e cinco séculos”. Talvez quisesse afirmar o autor que o surgimento deles ocorrera em mil e quinhentos a.C.; ainda assim, de lá, até oitocentos e trinta d.C., perfariam, no máximo, vinte e três séculos.

                Queria crer que, até o final do livro, dúvidas, dicotomias ou incoerências pudessem ser solucionadas. Senão, caso julgasse interessante, teria que ir a outras fontes apurar o que elas disseram ou dizem, por exemplo, a respeito de essênios e maias. Quanto a estes, o autor de O Efeito Isaías, de fato, equivocou-se, cronologicamente: entre os anos duzentos e cinquenta e novecentos, ambos da era cristã, eles viveram o auge de sua civilização, que começou pelos anos mil e oitocentos a.C. Aí, sim, somente nesse interregno já cabem vinte e cinco séculos. Ou seja, sem milagre nem auxílio da física quântica, parte do problema foi resolvido. Talvez erratas em reedições futuras do livro eliminem ou corrijam, se achar que elas o são, as falhas de caráter dos essênios; quem sabe venhamos a saber que, depois de passarem a utilizar o couro animal para seus registros impressos, teriam começado a aproveitar a carne, laticínio, enfim, as proteínas dos mesmos como alimento.

                Para encerrar: entende o autor que a ciência da profecia, cuja intelecção, hoje, está facilitada pela física quântica, já previa ser possível alterar as consequências do futuro mediante escolhas que fizermos no presente (?). Particularmente, não vejo grande mérito científico nessa conclusão, mas, segundo o livro, esse é o Efeito Isaías.   

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

PERCURSO LITERÁRIO ENTRE CAMPO MAIOR E PARNAÍBA

 

Edição do Almanaque da Parnaíba (2018) publicado pela Academia Parnaibana de Letras. Foto Moacir Ximenes. Fonte: https://www.wikiwand.com/pt/Almanaque_da_Parna%C3%ADba


PERCURSO LITERÁRIO ENTRE CAMPO MAIOR E PARNAÍBA

 

Celson Chaves

Professor, escritor e historiador

 

As raízes históricas entre Campo Maior e Parnaíba são longas e profundas. Remontam aos tempos da capitania até o principal ciclo econômico da cera da carnaúba (décadas 1930 e 1970). Por sua posição geográfica privilegiada, Parnaíba tornou-se a principal praça de comércio para as vilas e povoações do centro-norte do Piauí. A antiga capital Oeiras era distante e as estradas ofereciam poucas condições de tráfego, sem falar nos assaltos praticados contra as comitivas e viajantes por bandos de saqueadores.

 

Pela proximidade com Campo Maior, Caxias e Parnaíba disputavam a preferência dos negócios na região dos carnaubais. Mesmo com a transferência da capital de Oeiras para Teresina, em 1852, a cidade permaneceu por muito tempo dependente do porto e do comércio de Parnaíba. Sua riqueza fluía por lá.

 

A ligação histórica da cidade portuária com Campo Maior não se deu apenas pelo lado econômico, mas político, social e literário. Juntas, as duas cidades nortistas desempenharam papéis importantes em episódios marcantes da história do Piauí, como a Independência do Brasil e a Confederação do Equador.

 

Dr. João Cândido de Deus e Silva foi a autoridade responsável por manter as cidades numa estreita conexão política, como foco e palco de rebeliões. Como juiz, ele chegou a responder administrativamente pelas duas vilas. Maçom de ideias iluministas, Dr. João Cândido, mesmo residindo em Parnaíba, por questão de ofício, visitava sempre que podia a vila dos carnaubais. Ele mantinha uma estreita relação com os homens mais ilustrados da região. A partir dos dois municípios irradiavam-se as principais estratégias e ideias revolucionárias para todo o Piauí.

 

São muitas as interconexões, relações de dependências e afinidades entre as duas cidades nortistas. De 1811 e 1833, como distrito judiciário, Campo Maior manteve-se anexado à comarca de Parnaíba. Somente em 1836, tem sua autonomia garantida.  Não bastasse tudo isso, outro aspecto que une os municípios é a questão cultural.

 

Ao longo da história, Parnaíba foi-se constituindo numa cidade vanguardista, com uma elite intelectual, visionária e próspera. O pensamento empresarial e progressista da elite parnaibana, sobretudo dos comerciantes transformaram a cidade em centro regional do norte do Estado, rivalizando até mesmo com a moderna capital.

 

O espírito progressista-civilizatório da cidade praiana, no início do século XX, atraía os campo-maiorenses pela oportunidade de trabalho, negócio, formação educacional e/ou cultural. No caso dos escritores, além de colaborar com o Almanaque da Parnaíba (AP) e jornais, mantinham relação comercial, política e amizades na cidade portuária. Mário da Costa Araújo estudou em Parnaíba, onde contribuiu na imprensa local, e Joel Genuíno de Oliveira chegou a residir temporariamente no litoral. Octacílio Eulálio, como representante comercial, visitava a região com frequência.

Capa do Almanaque da Parnaíba, edição 1956

Mesmo residindo em Teresina, o jurista, político e escritor Cláudio Pacheco, sempre que podia, passava temporadas no litoral, na companhia do amigo e um dos editores do AP, Ranulpho Torres Raposo, com quem mantinha comunicação regular: “Durante quarenta anos, mantive com Ranulpho Torres Raposo uma correspondência que chegava, aproximadamente uma carta por mês, de cada parte” (Cláudio Pacheco. Quarenta anos de Cartas. Almanaque da Parnaíba, Ano LIX, 1982).

Capa do Almanaque da Parnaíba, edição 1969

 

Apesar de Campo Maior ser acanhada culturalmente, houve momentos de efervescência artística, e nesse sentido, Parnaíba, com sua logística, imprensa e o AP, acabou sendo um polo impulsionador e propagador das atividades literárias de poetas, cronistas e historiadores da terra dos carnaubais.

   

O vínculo de escritores campo-maiorenses com Parnaíba é antigo, principia aos anos de 1900. O advogado e poeta Valdivino Tito de Oliveira foi o primeiro a divulgar seus trabalhos no litoral através do jornal Nortista (1901-1903). A ligação literária ficou ainda mais forte ente as duas cidades com a criação do AP, em 1924.

 

O periódico foi a principal plataforma de divulgação dos textos dos escritores campo-maiorenses entre as décadas de 1930 a 1980. Por algumas situações, muitos acabaram passando temporadas no litoral, o que facilitou maior divulgação dos trabalhos. O jornalista, poeta e historiador Joel de Oliveira é o escritor campo-maiorense com maior número de textos editados no AP. Publicou principalmente na década de 1940.

 

Além destes escritores, colaboraram no Almanaque da Parnaíba: Mário da Costa Araújo, João Crhysóstomo de Oliveira, Briolanja Genuíno de Oliveira, Cláudio Pacheco, Manuel Bernardes da Costa Araújo, Octacílio Eulálio, Cunha Neto, José Miranda Filho e atualmente Elmar Carvalho. O maranhense, Manuel Felício Pinto, juiz da comarca e prefeito provisório (1945) de Campo Maior também escrevia de forma sistemática para o AP.

 

Campo Maior, por diversas vezes, teve cobertura especial no Almanaque da Parnaíba. O prefeito Francisco Alves Cavalcante aproveitou as páginas do periódico para divulgar amplamente as ações modernizantes de sua gestão. 

 

O Almanaque da Parnaíba é o mais longevo periódico em atividade do Estado. É uma das fontes de pesquisa mais requisitada. Irradiou cultura por todo estado, oportunizou aos escritores e poetas de cidades pequenas espaço para publicar seus textos.

 

As produções dos escritores campo-maiorenses, publicadas no Almanaque da Parnaíba foram muitas e diversas. São poucas as edições do periódico que não teve a participação dos nossos autores. Em algumas edições, os textos ficaram escassos, mas não desapareceram. Nas décadas de 1940 e 1950, o escritor da vez era Joel de Oliveira, com suas notas históricas e curiosidades; enquanto nos anos 1970 e 1980 destacaram-se o cronista Otacílio Eulálio e o jurista Cláudio Pacheco. Tiveram participação breve no Almanaque: Briolanja Oliveira e Cunha Neto. Apenas um texto para cada autor.

 

Um grande período da literatura campo-maiorense pode ser narrado a partir das páginas e edições do Almanaque da Parnaíba. O universo temático e o conjunto de autores no AP aparecem suscitar diversas interpretações. Pelo AP passaram figuras representativas da nossa cultura. A literatura certamente ajudou pavimentar o intercambio cultural entre as duas cidades.  A trajetória de alguns autores foi construída com a existência do Almanaque.

 

Os intelectuais campo-maiorenses tiveram um papel expressivo não apenas como colaboradores do AP, como vida social e política de Parnaíba, a ponto do poeta, jornalista e revolucionário Lívio Lopes Castelo Branco e Silva ter sido homenageado patrono da cadeira nº 28 e Elmar Carvalho eleito para a cadeira nº 07 da Academia Parnaibana de Letras, criada em 1983.

 

No sentido geral, o Almanaque abraçou a cidade dos carnaubais divulgando poesias, biografias, histórias, anúncios de empresas, paisagens urbanas, rurais e dados estatísticos.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

domingo, 21 de fevereiro de 2021

Um olhar sobre A Ponte na Memória

Fonte: Jornal da Parnaíba/Google


Um olhar sobre A Ponte na Memória


Wilton Porto

Escritor e poeta


Maravilha, quando o autor destrincha. Quando fazemos uma segunda leitura. O difícil da interpretação é este relacionar real com fictício, até em que o arco e existe ou metáfora. Uma palavra: "Ponte Simplício Dias" e o comentarista Parnaibano já teria uma visão mais concreta do que versejou o Poeta.

Bela poesia. E aqui, encho a boca de "Poesia", embora, eu costume diferenciar poesia de poema.

Poema é a estrutura, a ferramenta e poesia é o conteúdo, a arte dentro do conteúdo, o "monumento artistico", que leva a se averiguar a potencialidade e outros.

Há muitos com melhores recursos. Com mais viagem no mundo do dicionário, leituras, pesquisa e, lógica, dom.

Poema não é só palavra difícil, mas quando uma palavra bem encaixada, gerando a aliteração, uma marca de Elmar Carvalho, vemos a arte aliada ao sentido e não apenas em se falar de forma exaltada no do "pulo do sapo".

Muita arte arrega os olhos do leitor, porém, no elevado, rebuscado palavreado, deixa o leitor a ver navio, sem saber para onde ele está indo.

Vento costuma ser usado como tempo. O Poeta Elmar, neste poema, sentiu no rosto, o vento, a brisa, que balançava o real casario e por isso, ele não saia do lugar    

Seleta Piauiense - Adriano Lobão

Fonte: Achei na Bíblia/Google


então

 

Adriano Lobão (1977) 

 

em perene forma permanece em idade e fortuna

tudo que no tempo não muda nem tempos nem vontades

nem mentira nem verdade penetra a forma profunda

 

somente em mim depositou-se irrelevante mudança

talvez desnecessária dança que o cair das folhas trouxe

talvez inseto da noite que de seu brilho descansa

 

quem sabe silêncio de outrora agora outra hora propaga

antes de ilusão inata à matéria apurar sua volta

em perene forma precisa mas dispersa inexata

 

somente em mim depositou-se irrelevante reverso

de não mais crer nos versos dessa inútil lira agridoce   

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Gênese de A ponte na memória

Fonte: Jornal da Parnaíba/Google


DIÁRIO

[Gênese de A ponte na memória]

Elmar Carvalho

18/02/2021

Afinal terminou o primeiro carnaval ocorrido nestes tempos de pandemia. Gostei. Pouco barulho, menos confusão, menos zoada destas atuais músicas horrorosas carnavalescas. Nesse ponto, fui beneficiado pelo distanciamento social.

Por isso, resolvi tentar fazer hoje um texto sobre a gênese de meu poema A ponte na memória, conforme havia prometido a mim mesmo e ao poeta Ernani Jetirana, que, numa live de “Leituras Compartilhadas” do meu livro Rosa dos ventos gerais, promovida pelo site Entretextos, mediada pelo poeta e escritor Dílson Lages Monteiro, havia lido e comentado esse poema, com muita sagacidade e pertinência.

É um texto em que tentei juntar o discursivo a recursos do concretismo e dos ditos poemas visuais, e que por isso mesmo nos remete ao velho carmen figuratum. Jetirana foi muito feliz em sua análise. Observou com muita propriedade esses aspectos formais, dissecando-os da melhor forma possível. Ao fazer o avanço ou recuo de alguns versos, além de chamar a atenção para a sonoridade de algumas palavras ou fonemas, para rimas e aliterações, eu quis dar uma ideia do arco da ponte, de sua elegante curvatura, e ao menos sugerir a imagem de janelas e de arcos, sejam eles góticos ou simplesmente exóticos.

Inclusive foi sagaz em seu comentário sobre o título; explicou porque era melhor A ponte na memória, do que um hipotético A ponte da memória. A primeira expressão – A ponte na memória – que é realmente o título, transmite a ideia de movimento, de plasticidade, e de como a ponte foi ficando ou se transformando em minha memória, e não como ela era realmente, ao menos na ocasião em que escrevi o poema. O comentarista expressou o que de fato eu pensei ao optar por essa versão. Quanto à interpretação e dissecação do conteúdo, o Jetirana teve uma precisão de mira de raio laser. Se pudesse lhe dar uma nota, a nota seria 10 (dez).

O arguto comentarista não se pronunciou sobre a gênese do poema, porque não era seu objetivo, e porque não poderia fazê-lo, exceto se tivesse conversado comigo ou se tivesse lido algum texto a respeito. Poderia, no máximo, fundamentado em seu faro detetivesco e em sua intuição e inteligência interpretativa arriscar alguns palpites, que poderiam ou não se aproximar da verdade. Acho interessante falar sobre isso, sobre a história desse pequeno texto poético, de forma sintética.

Após morar por muitos anos em Parnaíba, aos 26 anos, e depois de aprovação em concurso público realizado pelo famoso DASP, em 10/08/1982, tomei posse de meu cargo de fiscal da extinta Superintendência Nacional do Abastecimento – SUNAB, Delegacia do Piauí, cuja sede ficava em Teresina. Portanto, tive que ficar um tanto exilado da casa paterna, onde morava, e de meus amigos parnaibanos e de minha namorada Fátima, depois minha esposa.  

Fiquei acometido de um verdadeiro parnaibanzo, palavra inventada por um desses amigos, o poeta Jorge Carvalho. Vinha uma vez por mês a Parnaíba, para matar essa saudade insidiosa e constante. Quando se aproximava o momento de ir para o terminal rodoviário, para o retorno, uma tristeza profunda se apoderava de mim. Nesse tempo a poesia e o entusiasmo pela vida me vibravam muito forte na alma.

Numa dessas viagens, após ter ido à praia de Atalaia, que prefiro chamar de Amarração, de nome tão poético quanto apropriado, porque nele podemos enxergar, sem necessidade de muito esforço, as palavras amar, ação de amar, de amarrar (amarrar barcos e corações refertos de paixão), fui tomar uma última cerveja perto da Ponte Simplício Dias, no lado esquerdo de quem vai do centro para a Ilha Grande de Santa Isabel, no entorno do Porto Salgado ou do Porto das Barcas.

Da calçada do boteco, à sombra dos imponentes e copados pés de oitis, a degustar lentamente a cerveja, eu via o arco da ponte e as águas plúmbeas do Igaraçu. Sobre e sob a ponte eu havia passado muitas vezes, em minha moto uivante, em demanda do Recanto da Saudade (de Dom Augusto da Munguba), de Morros da Mariana, do Labino, dos Tatus e de Pedra do Sal. De um lado e do outro de onde eu estava, se erguiam velhos prédios, alguns deles ainda suntuosos, a revelar o fastígio de uma Parnaíba situada num passado de grandeza e opulência.

O vento baloiçava os oitizeiros e afagava os meus cabelos, outrora bastos e ondulados. Ao olhar a curvatura da ponte, me lembrei de arcadas góticas, de parábolas e abóbadas, de colunas dóricas e jônicas, e de um lendário arco-íris, em cujas extremidades dizem existir um pote ou uma botija de ouro. Me imaginei um argonauta à procura desse tesouro.

Extraí desse conjunto arquitetônico e dessa situação que me emocionava todos os elementos e metáforas de meu poema. Imaginei os velhos prédios como uns veleiros, empurrados pela brisa, que me parecia um sopro divino, nos quais eu viajava no espaço e no tempo; no espaço dos desconfins de uma terra de magia e encantos e no tempo feito de emoção e saudade.

Para ilustrar este texto, e para que o leitor possa melhor analisar o que nele foi exposto, julgo conveniente transcrever abaixo o aludido poema, que o ensejou:

 

A PONTE NA MEMÓRIA

 

O vento passavoante

               pássaro voante

sob o arco-da-velha

sob o arco da ponte.

Baloiça os pés de oitis,

joga confete com suas folhas

e empurra o casario antigo

com suas: arcadas dóricas

                   volutas jônicas

                   ogivas góticas

                   sacadas exóticas

com suas parábolas e abóbadas.

O vento passalígero passalísio

e empurra o casario antigo

que navega parado

no tempo que navega

como um mar que navegasse

sob um navio ancorado

que se deixasse navegar.

Meu sonho de malas prontas

é passageiro e tripulação

do casario – navio que navega

ao se deixar navegar.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

QUEM SABE NA PRÓXIMA SEMANA SANTA

Fonte: Google/Construindo DECOR

 

QUEM SABE NA PRÓXIMA SEMANA SANTA


Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)

 

Quem sabe, lá não haja mais necessidade de apelar-se para a adoção de parciais pontos facultativos, e, assim, os que desejarem, sem que, sobre alguns, recaia qualquer eiva de desconfiança ou crítica, possam encher as estradas e os céus durante o deslocamento nas velhas e tradicionais viagens que sempre são feitas, também, nessa época de feriados religiosos.

Sim, uns, durante as últimas festas momescas, resolveram não trabalhar por conta de lei que lhes assegurava, há mais de meio século, precisamente, desde mil, novecentos e sessenta e seis, nesse período, direito à folia, ou, que seja, um merecido descanso; quer dizer, para esses profissionais e seu respectivo patrão, instituição pública-estatal, o mundo, nos últimos cinquenta e três anos, nem no quinquagésimo quarto, dois mil e vinte, de domínio do coronavírus, mudou nada. Então, por que mudaria agora? Porque o governo federal, baseado no que autoridades sanitárias vêm recomendando, decidira que o melhor para todos seria que continuassem fazendo o que haviam feito nos últimos dias: trabalhando sem se expor nem propor aglomerações que, segundo os mesmos, sabidamente, trouxeram e ainda trariam grandes prejuízos aos sistemas público e privado de saúde? Ora, ora. Ou porque os estados, fazendo eco às orientações vindas do patamar superior, haviam sugerido que a normalidade dos últimos dias não fosse quebrada ou alterada: o trabalho como vinha sendo feito, a obediência às recomendações vigentes, seria a melhor opção? Somente porque os municípios, a quem o supremo tribunal federal fez valer a garantia de que recairia, de fato, sobre eles, a obrigação de cuidar, mais de perto, da saúde dos munícipes, também adotaram a sugestão legal de manutenção das atividades, sem a adoção dos tais pontos facultativos, até porque o ano anterior fora de pouco trabalho e produção? Tolice, preocupação descabida a desses gestores. Obedecer a norma nova prejudicial, que é isso?

                Outros, alegando que estariam parando suas atividades e dispensando seus servidores, exatamente, para ajudar no combate à proliferação do vírus, decretaram ponto facultativo durante o período carnavalesco. Como assim, senhores da justiça estadual, se, parece fato incontestável, que, nos moldes como as tarefas profissionais vinham sendo realizadas, em um misto de forma presencial e remotamente, o risco de aglomeração e contágio estava sob controle; além do que, essa parada prejudicaria a população que, nesses tempos de pouca folia, poderia precisar de serviços jurídicos? Pode não ter sido intenção dos que preferiram permitir que sua turma, em vez de trabalhar efusivamente, aproveitasse a época da forma que melhor lhes aprouvesse, até mesmo, se fosse o caso, para ficar longe de qualquer possibilidade de aglomeração; todavia, não por coincidência, a polícia rodoviária federal, nos dias que antecederiam as festas de momo, estava muito preocupada com o fluxo que deveria ocorrer nas principais rodovias do estado; possivelmente, não seria com os profissionais que poderiam abandonar seus postos de trabalho para empreender viagem a preocupação maior do órgão fiscalizador; certamente, a vigilância policial – como ocorreu com a sanitária que, em procedimento de amostragem, flagrou várias viajores já infectados pelo coronavírus – portanto, disseminadores em potencial -, a caminho do seu destino - seria mantida, talvez, visando cuidar daqueles que, sem a obrigação de exercer suas atividades profissionais, poderiam empreender viagem de lazer.

                E quanto a vossas senhorias, senhores bancários, que, outro dia, engrossaram movimento grevista para tentar garantir emprego e salário, deixarem de prestar, presencialmente, seus serviços, cruzando os braços em adesão aos tais pontos facultativos, enquanto a maioria da população trabalhadora e usuária dos serviços bancários exercia suas atividades, sem solução de continuidade, não lhes pareceu meio sem sentido, contraditório? Por que, em vez disso, não tentaram induzir seu sindicato e patrões a deixá-los trabalhar, normalmente, durante o período “não-carnavalesco”, como tantos fizeram? Não vai ser fácil refutar a conclusão a que seus empregadores chegaram: que não fariam a falta que imaginam fazer perante a população e a eles próprios. Permitirem-se engrossar o rol dos que, facultativamente, não precisaram se deslocar até suas repartições ou postos de trabalho, assinar pontos e produzir o mais que pudessem, tomara, prezados cidadãos, não haja sido um tiro no pé. Quiçá, tenham aproveitado a folga para, de fato, cuidar muito bem da saúde.

                A propósito, seria, não somente sanitariamente ótimo, mas, moralmente, importante, que, nas semanas seguintes ao carnaval que, oficialmente, não houve em plagas piauienses, servidores do nosso poder judiciário estadual e federal trabalhista, bancários, por exemplo, não estivessem ocupando a maioria dos leitos, até então, disponíveis nos sistemas público e privado de saúde, acometidos de COVID-19. Se isso acontecer, vai ser difícil, para muitos, justificar que, em vez de aproveitarem os dias em que lhes fora facultada a não prestação formal de serviços a fim de não se aglomerarem, hajam, de fato, feito isso.

                Enfim, quem sabe na próxima semana santa, em relação à pandemia, a situação sanitária esteja mais favorável, e os pontos facultativos ou feriados religiosos tradicionais possam, sem traumas, sequelas ou críticas, voltar a ser direito de todos.   

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

QUERER SEM PODER É COMO MORRER?

 



QUERER SEM PODER É COMO MORRER?

 

Poetas pagam um preço alto por sentirem demais,

E serem eternos apaixonados pela vida, por sorrisos,

Mulheres lindas e inteligentes como um soneto inédito!

Pulsa dentro de mim e quando não cabe pega porre

 

Porre sou eu embriagado nos beijos que não te dei,

No toque quente que me arrepia mais que a ti menina. Meus

 Amigos nessas horas são: Bon Jhovi, Cigarettes After Sex,

Alice In Chains, Nirvana e seus hinos Darks cantando “my girls...”

 

“Mas se quiseres uma aventura em silêncio em também topo”

- Oh poeta, isso é viagem de um coração que só pode amá-las

Em um universo poético como esse: somente como esse poeta!

 

- Poxa poeta, vai morrer de amor ou desamores? Merda, essa porra

Dói pra caralho! - Sim! Sim! Dói, mas já que não posso tê-las aqui, Ao

   Menos em meus poemas, darei amor a todas elas; nobre poeta terapeuta. 

(Marciano Gualberto).

Em 22/01/2007.   

domingo, 14 de fevereiro de 2021

O BÚZIO

 

Fonte: Google/Pinterest



O BÚZIO


Elmar Carvalho

                                  

o búzio

- pequeno castelo

ou gótica catedral -

sobre a mesa avança

envolto em ondas e vendaval

 

anda ondulante

onda cavalgante

onda ante onda

 

atraído pelo chamado

do mar avança

chamado que carrega

nas espirais e labirintos

de sua concha côncava

     

avança e

lança sobre mim

a tessitura exata

de sua arquitetura

abstrata e surreal

 

avança

unicórnio lendário

protuberante

rinoceronte bizarro

surfista extravagante

em forma de chapéu

 

lentamente

avança co-movido

pelo chamado das ondas

que em si encerra

em seu ventre vazio

onde o vento em voluteios

é a própria voz do mar

 

oh, búzio caprichoso

como as curvas e volutas

de um corpo de mulher...

 

                         Inhuma, 29.07.98 – 06:00h

sábado, 13 de fevereiro de 2021

DOM PEDRO E SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA



DOM PEDRO E SÃO FÉLIX DO ARAGUAIA

Elmar Carvalho

Retornando a Teresina, levo na bagagem vários livros, que o meu cunhado Beré trouxe de São Félix do Araguaia, enviados por Lozinha e Nilva, irmã e sobrinha de minha mulher respectivamente. A segunda é a atual vice-prefeita do município. Os livros são Cartas Marcadas, de D. Pedro Casaldáliga, Sertão de Fogo, de Adauta Luz Batista, e Meu Araguaia Querido, de Erotildes da Silva Milhomem.

Dom Pedro era admirado pelos componentes do grupo do jornal Inovação, de que fiz parte, pelas suas posições, por seus questionamentos políticos, por sua luta por uma sociedade mais justa e mais fraterna, e pela opção preferencial pelos pobres. Nasceu na Espanha e é bispo da diocese de São Félix desde 1971. É ainda poeta e escritor. De Cartas Marcadas disse Dom Demétrio Valentini, na apresentação: “Apresentam-se como ‘cartas marcadas’, pois decorrem de um claro compromisso de pastor, que extravasa em sua linguagem de poeta sua lúcida visão da realidade e sua decidida opção pela causa do povo”. 

Esses jovens do Inovação sonhavam com a vinda para a diocese de Parnaíba de um bispo engajado nas lutas sociais e que promovesse o avanço das comunidades eclesiais de base, o que terminou não acontecendo durante o tempo em que o jornal circulou. Por isso mesmo, o jornal fez uma entrevista com um padre que aparentava ter ideias avançadas, e o religioso se mostrou firme e contundente na entrevista.

Contudo, quando esta foi publicada, parece que o clérigo recebeu uma reprimenda do bispo parnaibano, porque tentou desdizer algumas frases da entrevista, quando na verdade tudo estava documentado na fita magnética, sem que tenha havido erro na transcrição. Dom Hélder Câmara era outro bispo que admirávamos, tanto por sua posição política, como por sua coerência e modo de vida.

É considerado um dos primeiros habitantes e um dos fundadores de São Félix do Araguaia Severiano Neves, irmão do pai de Fátima, minha mulher. Quando a cidade não existia, ele montou sua residência na localidade, e depois empreendeu uma viagem ao Piauí à procura de novos habitantes, dando início ao povoamento do lugar.

Colho na internet, na Wikipédia, a seguinte informação: “Em 23 de maio de 1941, desembarcava no rio Araguaia, em território mato-grossense, a família de Severiano Neves, acompanhada de outras famílias provenientes do estado do Pará, em busca de um futuro melhor. Iniciando-se assim um novo povoado, próximo a santa Izabel do Morro, antiga morada dos índios Carajás, habitantes milenares do rio Araguaia e da Ilha do Bananal. A denominação de São Félix foi dada pelo Bispo D. Sebastião Thomaz Câmara no dia 20 de novembro de 1942.”

Quando a localidade passou a município, foi Severiano Neves o seu primeiro prefeito. Segundo informação de minha mulher, ele nasceu em Buriti dos Lopes – PI, no povoado Várzea do Simão, filho de Simão Pedro e Firmina.

17 de fevereiro de 2010

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

A garrota



A garrota


Carlos Rubem 


Mesmo convalescente no final de sua vida, Nataniel de Sousa Reis, conhecido por Natu Reis (1885 - 1963), meu avô paterno, na medida do possível, procurava administrar seu acervo patrimonial, se inteirava do andamento do seu comércio e fazendas de gado. Era atento ao suprimento das despesas domésticas.


Naquele tempo não havia fogão a gás. Cozinhava-se à base de lenha. Vez outra contratava Silvério Cabeceira, proprietário de um antigo caminhão, para lhe fornecer uma carrada de madeira para ser consumida na cozinha.


Certa feita, ao tomar conhecimento de que o dito caminhoneiro havia despejado uma carga lenhosa à altura do quintal de sua residência, tencionava ordenar aos irmãos Mateus e Paulo, seus agregados, que transpusessem as laxas a uma edícula lá existente. Porém, tomou conhecimento que ambos não se faziam presentes.


Como havia nuvens anunciadoras de chuva, chamou o seu neto Creso, que brincava na saguão. Prometeu-lhe doar uma garrota se colocasse a lenha no local de costume.


Muito disposto, Creso encarou o desafio. Pensando no valoroso prêmio que iria ganhar, de imediato passou a fazer o serviço.


Sondado e usando pijama, à tardinha foi ver como andava a arrumação da lenha. Como uns cachorros de rua insistiam adentrar o quintal de sua casa, apoderou-se de um manguá para espantar os caninos.


Quando lá chegou ficou satisfeito com o que viu. Creso acabava de ajeitar a lenha, merecendo elogio do avô. Neste momento, o agoniado Creso o aparteou: — Quero saber é da minha garrota!


Sentindo que o neto estava desconfiando de sua palavra, o velho Natu ficou embravecido. Ostentando o relho, ralhou: — A sua garrota é esta aqui, exigindo respeito.   

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Alguns microcontos

Fonte: Google/Revista Galileu


DIÁRIO

[Alguns microcontos]

Elmar Carvalho

10/02/2021

Nestes últimos dias resolvi escrever uns microcontos. Alguns já estavam ruminados em meu cérebro. Escrevi os primeiros, e dei uma parada, pois tive que cuidar de outros afazeres. Hoje, escrevi os últimos cinco. Desses cinco, um nasceu hoje, como subproduto de um deles. Surgiu como um insight ou estalo. Seguem abaixo, após a devida revisão gramatical e estilística.  

 

Encontro marcado

Foi se encontrar com a namorada virtual no local e no horário marcados. Ela não foi, isto é, não entrou em conexão. Foi o fim de um namoro que de fato nunca chegara a existir. Após, ambos, reciprocamente, se bloquearam.

 

Roleta russa

No spleen de uma tarde modorrenta, mormacenta, de um sábado pardo qualquer, convidou os amigos para uma rodada de roleta russa. Impôs ser o primeiro. O tiro lhe varou o crânio. A perícia constatou que o revólver estava com o tambor cheio de balas,  exceto apenas uma deflagrada.

 

O mágico

Foi anunciado na cidadezinha que o mágico faria uma inédita e magnífica mágica, em única apresentação. No número, repleto de gestos mirabolantes e de pirotecnias escalafobéticas, o mágico sumiu. Para sempre. Descobriu-se que ele estava cheio de dívidas e ocultava um amor nunca, jamais correspondido.

 

Circo mambembe

Circo pequeno, de lona esfarrapada. A principal atração era o magérrimo e famélico leão. Um dia foi anunciado que o pagamento poderia ser feito em gatos e cães. Foi a única maneira que o palhaço Engraçado, por sinal o dono do circo, encontrara de salvar o leão e o circo.

 

Propaganda enganosa

A propaganda volante do circo, pela boca de quatro amplificadoras, anunciou, como novidade, que o leão iria andar sobre uma corda bamba. Um macaco fez várias pulutricas e estripulias, entre as quais se equilibrar no arame estendido de um mastro a outro. Quando cobraram o anunciado número do leão, o palhaço esclareceu tudo. O leão era um mico; um mico-leão-dourado. E o respeitável público pagou; pagou o maior mico.

 

Vingança

Corneado, perpetrou a sua vingança. No mais prestigiado baile da cidade, literalmente vomitou na cara da traidora, e depois lhe proferiu os mais veementes e contundentes vitupérios e palavrões. E conseguiu se ir e se esvair sem olhar para trás. Não desejava correr o risco de se tornar uma estátua de sal.

 

A bengala do cego

O ceguinho seguia com a sua bengala, tateando, tenteando, pelas ruas escorregadias da cidade chuvosa. De repente, numa esquina, quando tentava passar para o outro lado da via, deixou o bastão escapar, ao perder o equilíbrio e o tato. O cajado caiu em profundo bueiro. Vários transeuntes tentaram ajudá-lo, em vão. Um gaiato não quis perder a blague que lhe ocorrera: – E agora, a vara do ceguinho sumiu no buraco fundo!... Todos riram. Não lhe restando outra opção, contrafeito e resignado, o cego também sorriu, desamparado, daquela graça tão sem graça. 

 

Rompimento

(Extraído de um poema)

A mulher, em voz suave, quase música em surdina:

– Desse jeito, é melhor a gente terminar.

O homem trovejou, em altos brados retumbantes:

– É melhor mesmo. Mas se lembre, você me lambia o cu!

Elegante e delicada, a bela moça retrucou:

– Lambi, mas não lambo mais...

O homem se quedou pesado, estátua fulminada.

A mulher se foi, leve e evanescente, anjo que se libertou.

 

Os retirantes

Os retirantes, exaustos, sol a pino, fizeram pousada debaixo de uma árvore. Naquele sertão adusto até aquela árvore esquálida, esgalhada, não dava sombra, muito menos flores ou frutos. A mulher retirou os seios murchos, magros, como odres vazios, e neles colocou a boca sequiosa da criança, que deles nada sugou. A segurar o menino, foi até uma carnaubeira próxima, de onde trouxe um talo. Sentou-se no mesmo lugar onde estivera antes. Com calma e determinação, retirou um espinho, com o qual furou o braço esquerdo. Colocou a boca da criança no pouco sangue que minava. Olhou para a imensidão azul, sem nuvens. Seus olhos eram secos, exauridos, e deles nenhuma lágrima brotava.

 

O cego, o frio e o calor

O ônibus parecia uma Sibéria, de tanto frio que fazia. O sistema de ar-condicionado estava a pleno vapor. O frio me incomodava, mas eu olhava pela janela, e me aquecia mentalmente, vendo a paisagem ensolarada. Perto de mim ia um cego, com uns emblemáticos óculos escuros. Muito falante, elétrico, serelepe, eletrizante. Vestia um casaco escuro, de mangas longas, de costura dupla, pespontada. Devia ser um violeiro e repentista. Quando o carro parou na cidadezinha, fomos fustigados por um bafo quente. Da estação rodoviária, de telhado baixo, de amianto, exalava um calor sufocante. O cego começou a reclamar em alto e bom som contra a temperatura. Loquaz e eloquente, alegou que poderia sofrer um choque térmico. O dono da venda de passagens não gostou, e o interpelou com severidade: De onde você vem, ceguinho? Este respondeu com orgulho, com certo prurido ufanista: Venho da Parnaíba. O outro resmungou, com certa dose de sarcasmo: Ah, bom; pensei que você vinha da Suécia... O cego sacudiu os ombros, e rosnou baixinho, entredentes, que mal deu para eu ouvir: Ora, bolas! E o que ele tem a ver com isso? E escondeu um sorriso, um tanto envergonhado.  

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

O bicentenário da Independência



O bicentenário da Independência 


Carlos Rubem 


Nesta sábado (06.02.2021), pela manhã, comuniquei a tia Amália, professora, solteira, 97 anos, a chegada de mais um membro da nossa família Nogueira Campos, o Pedro André, filho da Ana Maria e Rômulo Feitosa.


Estava dando seu “expediente” em sua biblioteca onde ler livros, revistas, escreve suas cartas e cortões para parentes e amigos, diariamente.


Desta feita estava vidrada na reprodução de uma tela pictórica constante de um livro que folheava.


A cada evento cívico ou religioso, ela procura ler, com antecedência, apontamentos acerca da temática correspondente.


Já interessada com as comemorações do bicentenário da emancipação política do nosso país que ocorrerá no ano vindouro, iniciou a releitura de uma coleção de 05 volumes intitulada “História da Independência do Brasil”.


Ao notar a minha presença, foi logo me abençoando. Ficou satisfeita com a alvissareira notícia que lhe trouxe.


Em seguida, demonstrou preocupação se as autoridades educacionais e instituições culturais já estão se preparando para festejar aquela efeméride em grande estilo.


Pedi que me prestasse um depoimento em vídeo acerca dos seus propósitos cívicos há pouco revelados. Refluiu. Recatada, me disse que sua fala sobre este assunto poderia ser mal interpretada, ferir suscetibilidades. Por fim, segundo ela, não está bem articulando seu pensamento.


Quis forçar a barra. Continuou irredutível. Em dado momento, ficou imaginativa... Em seguida passou a cantarolar o Hino do Descobrimento do Brasil. Quando soube que eu gravei a sua performance, vaidosa que é e alegando que o timbre de sua voz está prejudicado, me proibiu a divulgação do que captei pelo celular.


Claro que estou contrariando o seu desejo!  

domingo, 7 de fevereiro de 2021

Seleta Piauiense - Nathan Sousa

 

Fonte: Google

Alta estrada


Nathan Sousa (1973)


Como quem encontra

a saída da cripta,

cresço no fogo e no ar,

forjando o tempo,

no tempo onde o tempo tinha tempo

de esculpir e encarnar

o que antes

cuspia e escarrava,

até que fossem expulsos da garganta

os resquícios mais mundanos.

 

Respiro fundo e por um instante

sinto fortes pulsações

na fração suspensa do tempo parado.

 

Meus devaneios são protegidos por uma cortina de pó

no exato instante em que

toda a literatura do mundo

parece um pé na estrada

ou um uivo distante.

 

Na dúvida, botei um disco de Bob Dylan

para atrair as madalenas do deserto.