segunda-feira, 31 de maio de 2021

Barras no Quadro de Acoram

 



Recebi, através de José Pedro Araújo, um lindo quadro enviado pelo amigo Francisco Carlos Araújo, o Chico Acoram, que considero, brincando, como sendo o último cacique da tribo dos Marataoãs.

Trata-se da folha de rosto do seu importante livro, em fase de editoração, O menino, a cidade e o rio, que contém crônicas, biografias de filhos ilustres de Barras e do Piauí e poemas.

O quadro, que já veio emoldurado, estampa uma belíssima ilustração feita pela barrense Ângela Rêgo, em que se vê o centro histórico da cidade, a velha igreja demolida no início dos anos 1960, voltada para o poente e para o rio, uma nesga do Marataoã e a Ilha dos Amores, além os versos iniciais de meu poema Barras das sete barras.

Foi um grande mimo e um afago no meu ego, que me deixou muito contente.    

Cícero de Andrade Veloso



PREFÁCIO

(ao livro Cícero de Andrade Veloso: biografia de um bom homem e um grande maçom)


João Paulo Peixoto Costa

Historiador e Doutor em História Social


Há muitas décadas as/os historiadoras/es mudaram o foco de suas pesquisas. Antes voltada exclusivamente a enaltecer “heróis”, grandes vultos dos meios político, militar ou econômico, a História transformou suas prioridades e se direcionou à vida “dos de baixo”. A humanidade, com suas conquistas e reviravoltas, não se fez apenas pela ação de figuras ilustres, mas principalmente pelas massas de pessoas anônimas, tantas vezes esquecidas, mas que fizeram o mundo caminhar, inclusive no cotidiano e nos momentos aparentemente mais banais. Cícero de Andrade Veloso por certo não era um homem de cabedal ou que se enquadraria nos antigos parâmetros de protagonista de um livro de História. Felizmente, o mundo mudou, e quem o conheceu sabe que sua vida inspiradora deveria continuar a ser contada quando não estivesse mais aqui. Para a tarefa, não havia pessoa mais indicada do que José Ataíde Torres Costa Filho. 

Com memória aguçada, olhar sensível aos acontecimentos e escrita leve, José Ataíde Filho nos embala pela trajetória de Cícero e nos faz querer saber mais ao longo da leitura, desde seus primeiros anos de vida em meio à numerosa família de Valença, passando pelo percurso profissional, suas andanças pelo Piauí, a apaixonada experiência maçônica e a amorosa construção de sua prole. Na condição de genro do personagem principal, a proximidade do autor com seu biografado não se resumia a conexões formais, mas se explicava pela personalidade acolhedora dos dois e pelo caráter honesto, bondoso, humilde e extrovertido de Cícero. Sagaz na escolha do tema e no desenvolvimento narrativo, José Ataide Filho generosamente compartilha conosco um pouco do que conheceu em meio à convivência tão prazerosa e daquilo que presenciou do afeto com seus filhos, netos, bisneto e sua esposa Vilma, amada companheira de tantos anos.

A vida bem vivida de Cícero ultrapassava a casa e se estendia àqueles com quem conviveu no trabalho e na Maçonaria, a que dedicou muitos anos de serviço. Os depoimentos recolhidos em anexo, bem como os diplomas e certificações que acumulou pelo caminho, atestam a pessoa batalhadora, carismática e querida que era. Eu, como sobrinho do autor, compartilhei em algumas confraternizações de família ou em almoços de fim de semana um pouco de sua companhia sempre muito agradável e divertida, e só posso imaginar a sorte das/dos que com ele conviveram. A saudade deixada com sua partida também é prova das coisas boas que disseminou por sua vida. 

Se engana quem vê a rua e a loja maçônica batizadas com seu nome e o imagina como uma poderosa autoridade de alguma elite qualquer. Cícero Veloso apenas viveu sua vida da melhor forma que pôde, e, por isso, é merecedor das melhores lembranças para quem o conheceu. Das maiores conquistas aos hábitos engraçados do dia-dia, sua trajetória tão bem contada por seu genro e amigo José Ataíde Filho é fonte rica para quem quer conhecer a história do Piauí por uma biografia e inspiração para as pessoas a quem tanto queria. No fim das contas, Cícero foi um homem comum: maçom, trabalhador, pai e avô, filho com muitos irmãos, um menino do interior do Piauí. Ao mesmo tempo, uma pessoa extraordinária porque teve uma vida que certamente todas/os nós gostaríamos de construir: trabalhando honestamente, apaixonado pelo que fazia, amando a família que construíra e, enfim, sendo feliz. 


Teresina, 16 de abril de 2021.

domingo, 30 de maio de 2021

Seleta Piauiense - Ovídio Saraiva


 

Soneto XXVII


Ovídio Saraiva (1787 – 1852)

 

Vamos, querido bem, formosa Alcina,

Nossas juras cumprir feitas a tanto;

Quem teme o braço do alto Numen Santo,

Aos votos que produz a fronte inclina.

 

Aquela Garça, que o verdor faz dina,

É do nosso prazer, do nosso encanto;

Vai-se o Sol, vem da noite o escuro manto,

Vamos, querido bem, formosa Alcina.

 

Nenhum, nenhum Pastor da nossa Aldeia

A notícia terá destes amores,

Pois de amantes é mãe a noite feia.

 

Júpiter, se o souber, não muda as cores;

Pois dous ternos mortais, que amor enleia,

Nunca acenderam seus fatais rigores.   

Jorge Carvalho


 

GRANDES VULTOS: FILHOS DA PARNAÍBA


Jorge Antônio Costa Carvalho (1951-2021) - Advogado e Auditor Fiscal do Trabalho 


Notável Poeta 


Memorialista e Genealogista 


Colecionador e Vanguardista


(Extraído do Instagram de Diego Mendes Sousa) 

quinta-feira, 27 de maio de 2021

Link da live Tributo ao Poeta Jorge Carvalho


Live Tributo ao Poeta Jorge Carvalho

Data de horário: 28 de maio, às 18:00.

Link para entrar na reunião Zoom:

https://us04web.zoom.us/j/75152837650?pwd=UC96YmcrQ1RWckQ4T3pyQzhLeVAyUT09

ID da reunião: 751 5283 7650
Senha de acesso: F3M9bw     

quarta-feira, 26 de maio de 2021

Sobre a obra Joana, de Pádua Marques (*)


Sobre a obra Joana, de Pádua Marques (*)


Claucio Ciarlini

 

E se todos os teus sonhos dependessem de um alguém que um dia vai retornar?

 

Incerta é a vida… Cheia de armadilhas, tropeços e desvios.

 

De espera: espera por um alguém, espera por um sorriso, por um alento, por uma notícia, por um destino, um milagre…

 

Vivemos a esperar, sem nem ao menos saber, quando as nossas respostas virão (e como virão). E a partir daí, passamos a construir, as nossas histórias: de tijolo e memórias… Certos que um dia, um belo dia, tudo fará sentido, e poderemos então suspirar, tranquilos e contentes, deitados em nossas redes de estimação e, claro, ao lado de quem nós mais amamos.

 

Tive o doce privilégio, nos últimos dias, de mergulhar no mundo sensível e psicológico que é a escrita do amigo Pádua Marques (O Padinha), em sua obra ainda inédita: Joana e seus filhos – uma verdadeira amostra do que é vida, e toda a bela angústia que ela nos traz. O enredo: Uma partida, sem data para o regresso. Um pai de família, que desaba pelo mundo à procura de uma vida melhor, deixando esposa e filhos, a aguardar o seu retorno, em meio a toda dificuldade, dúvida e tristeza, que uma saudade pode trazer.

 

E a vida não é assim?

 

Uma história que nos prende, do inicio ao final. Que nos remexe, que nos envolve, que cutuca com força os cantos mais protegidos de nossas mentes, de tal forma que a entrega se faz, por assim dizer, total e inevitável.

 

O livro Joana e seus filhos é leitura obrigatória para quem trabalha com o sentimento, ou para quem vive a realidade, sonhando que um dia ela se torne o sonho, que você sempre quis e pensou… Mas tenho que advertir, caro leitor, cuidado com o que você sonha!

 (*) Este texto, datado de 2012, tornou-se o prefácio do romance, publicado em 2021, pela Editora Tremembé.    

segunda-feira, 24 de maio de 2021

Live Tributo ao Poeta Jorge Carvalho



Em março deste ano, Parnaíba e o mundo perderam o brilhante poeta Jorge Carvalho. E chegou a hora de prestar nossa homenagem ao autor que tanto nos presenteou com seus poemas criativos e ousados. 

A live Tributo ao Poeta Jorge Carvalho, que se dará no dia 28 deste mês, a partir das 18h, via plataforma Zoom e contará com a participação dos escritores Danilo de Melo Souza, Elmar Carvalho e Luiz Ayrton. É uma produção de O Piaguí e traz o apoio da Academia Parnaibana de Letras e da Academia Piauiense de Letras. Ao final, será aberto o microfone para os que quiserem deixar algum comentário ou homenagem. 

Em breve será divulgado o link. 

domingo, 23 de maio de 2021

Seleta Piauiense - Rodrigo M. Leite

Fonte: Google


Delírio ao Meio Dia


Rodrigo M. Leite (1989)

 

ao meio-dia:

temíveis ondas de calor!

 

algumas nuvens ainda tornam a cidade nublada

claro-escura / óculos escuros

 

a sensação térmica dispara botões abertos

copos d’água, tragos

 

                     idas à tabacaria

 

poentes bancos de mármore circulam a praça seca

pessoas escondidas entre outras (refresco!)

gargarejos, risadas, lamentações

 

ao meio-dia

anúncios comercias em bicicletas falantes:

 

fogo! fogo! fogo!   

sábado, 22 de maio de 2021

Um santo!





Um santo!


Carlos Rubem 


Tornei-me amigo e admirador do Professor Possidônio Queiroz (1904 - 1996) em criança. Morador da Rua da Feira, meu vizinho. Desde a mais tenra idade, frequentava sua casa. Sempre me tratou — como a qualquer um — com o maior desvelo. Por lá estando, ficava a observar sua conversa com visitantes, seja com gente simples ou intelectuais, a exemplo do polígrafo José Vidal de Freitas, ilustre conterrâneo. Vez outra, com toda sua mansuetude, interrompia o diálogo com o interlocutor e dizia: — Agora vamos ouvir o jovem Carlos Rubem!


A nossa amizade se consolidou ao longo do tempo. No fim da sua vida, cego, me tornei seus olhos, o secretariava no que me era permitido. Acompanhei-o até o o seu último suspiro!


Quando do meu enlace matrimonial com a Dirce ocorrido já no recuado ano de 1985, convidei-o para ser testemunha deste memorável acontecimento.


Possi não pode comparecer a este ato solene, em Teresina, mas se fez representar pelo nosso comum amigo Ferrer Freitas, incumbência cumprida mediante procuração.


Hoje (20.05.2020), ao ensejo da pandemia covidiana ora vivenciada, em plena quarentena, a Dirce fez uma limpeza geral em nossas coisas. E localizou a cópia de uma carta cujo destinatário é o Ferrer, subscrita pelo meu aludido ídolo, na qual se sobressai todo seu bom humor, carinho e polidez angelical.


Possi era santo!...  

sexta-feira, 21 de maio de 2021

MINHAS TANKAS E HAICAIS

 


MINHAS TANKAS E HAICAIS

(Poemas curtos)


José Luiz de Carvalho *

 

              No ano de 2019, iniciei um estudo e também a produção de poemas haicais, os publicando em jornais e portais de notícias com o título, “MEUS HAICAIS”, em 2020, participei da coletânea Poemas Entre Gerações, (organizada em parceria com Cláudio Ciarlini, com a participação vários escritores piauienses), nela destaquei os “poemas curtos”. Hoje, apresento aqui a minha primeira   TANKA e um breve comentário sobre esse assunto, apenas com a intenção de contribuir um pouco para a melhoria e o fortalecimento dessa produção literária na nossa região.

             A Tanka é mais antiga que a poesia haiku (ou haicai), ambos são poemas curtos e tem as suas origens no Japão, século VII. Tendo se espalhado pelo mundo a partir do início do século XX, logicamente sofrendo algumas modificações. Um poema tana, por exemplo, tem trinta e uma sílabas, com apresentação métrica de cinco linhas (versos) com 5, 7, 5, 7 e 7.  O Haicai, tem uma organização com dezessete sílabas distribuídas em apenas três linhas com 5, 7 e 5. 

              Os chamados “poemas curtos” são necessariamente pequenos, porém sem perder a essência do pensamento poético que motivou a sua escrita. Consiste em uma poesia na sua forma mais pura, natural e límpida, como senti o cheiro de uma flor, ouvir o canto de um pássaro, o prazer da brisa do vento e o calor sol em sua pele. Olhar um nascer, um pôr-do-sol, o subir e o descer das marés de um oceano infindo.

 

TANKAS

 

SABOR

 

Não quero casar,

com ela, nem com ninguém.

Quero é saber,

Se de manga ou cajá?

O sabor que “nina” tem.

 

(Em 21.01.2021)

 

METRIFICANDO:

 

não-que-ro-ca-sar  ---->  (5 sílabas)
com-e-la-nem-com-nin-guém  ---->  (7 sílabas)
que-ro-é-sa-ber  ---->  (5 sílabas)
se-de-man-ga-ou-ca-  ---->  (7 sílabas)
o-sa-bor-que-ni-na-tem  ---->  (7 sílabas).

 

 HAICAI

 

CANTIGA DE NINAR

 

Quero é cantar

Uma canção que calma,

Embala, nina...

 

(Em 03.01.2007)

 

METRIFICANDO:

que-ro-e-can-tar  ---->  (5 sílabas)
u-ma-can-ção-que-cal-ma  ---->  (7 sílabas)
em-ba-la-ni-na  ---->  (5 sílabas).

 * José Luiz de Carvalho – Poeta e Contista (Membro da APAL) 

quinta-feira, 20 de maio de 2021

As gotas poéticas de Claucio Ciarlini


 

As gotas poéticas de Claucio Ciarlini

 

Elmar Carvalho

 

Neste dia 13, quinta-feira, através do programa Chá das 5, da Academia Piauiense de Letras, veiculado pelo Canal Nestante, iniciei uma amizade com o escritor e cronista Carlos Castelo, nascido em Teresina, mas desde criança radicado em São Paulo, graças a uma simpática brincadeira do apresentador Zózimo Tavares, que era coadjuvado pelo acadêmico Dílson Lages Monteiro. Recomendo assistam a essa excelente entrevista, que se encontra disponível no You Tube.

Quando foi ontem, por WhatsApp, recebi um texto de Carlos Castelo sobre haicai, publicado na revista virtual Bravo. Conciso, mas recheado de informações e em linguagem exemplarmente didática. Respondi-lhe que no dia anterior fizera um prefácio para um livro do poeta parnaibano Marciano Gualberto, em que lhe comentei alguns desse tipo de poema, contido nessa obra ainda inédita. Em resposta, ele me afirmou que nossas ideias eram coincidentes.

Do seu elucidativo e sintético artigo acho importante pinçar o seguinte: “A forma poética teve início com Matsuo Bashô, nascido em Osaka, em 1644. Adentrou pela Terra Brasilis através de traduções do francês, feitas por Afrânio Peixoto. E depois espraiou-se por muitos outros haicaistas, que vão de Manuel Bandeira, Guilherme de Almeida, Pedro Xisto, Ciro Armando Catta Preta a Paulo Leminski e muitos outros.”

Em seguida, o articulista esclarece que o haicai hoje é tão popular quanto o soneto o foi no século 19. Porém, pergunta se o leitor já ouviu falar em senryu, para explicar que o gênero fora criado por Karai Senryu, no século 17, e que seria “uma forma mais mundana de haicai”.

Tendo ele dito que a nossa concepção sobre essa forma poética convergia, não me acanhei em lhe perguntar: “Poderíamos dizer que o senryu seria um haicai sem rigidez formal e mais aberto para vários temas?” Sua resposta foi afirmativa e sem titubeios. Acrescentei que iria repassar o seu artigo para um escritor e poeta amigo meu, o professor e editor Claucio Ciarlini, que produz os seus haicais.   

O Claucio, então, se lembrou que havia me pedido para escrever um comentário para o seu livro em elaboração, titulado “HaiCaos: Poema em quarentena”.

Contudo, tendo em vista que, sendo o haicai um gênero poético de rigidez formal, com versos de métrica certa, contada, e de temática sempre ou quase sempre voltada para a natureza e suas circunstâncias, inclusive a beleza da paisagem, o poeta passou a entender que talvez tenha que modificar o título de seu livro em preparo.

Pedi-lhe não se angustiasse, que ante essa rigidez de forma e fôrma, os poucos haicais que tive a ousadia de cometer, também já não o seriam; seriam senryu, que mais se adaptam a minha personalidade não afeita a “espartilhos” estéticos rigorosos, mas sim a uma mais ampla liberdade criativa. Observados os pressupostos formais do haicai oriental, os de Millôr Fernandes também não se enquadrariam; seriam também senryu.

No site Recanto das Letras, em artigo de Raul Pough, colhi a seguinte informação: “O SENRYU nada mais é do que um Haikai (três versos de 5-7-5, sem rigor absoluto), também sem título e sem rima, mas que em linguagem geralmente coloquial, de conteúdo cômico, humorístico, irônico ou satírico, conceitual ou filosófico, de forma epigramática, trata principalmente do cotidiano da vida, dos sentimentos, hábitos, atos e vicissitudes do homem e da sociedade.” Encerrou seu texto dizendo que o senryu seria um terceto à moda ocidental.

Todavia, ao entendermos que o senryu é uma “forma mais mundana de haicai”, não podemos deixar de compreender que de qualquer maneira não deixa de ser haicai, embora possamos considerar que seja uma variante, uma espécie de mutação. Então, nada demais. Até o famigerado coronavírus tem as suas variantes, sofre as suas mutações, e para o mal, por se tornar mais feroz e mais contagioso, enquanto a modificação do gênero poético oriental entendo tenha sido para o bem, para nos dar mais amplitude e diversidade formal e temática.

Os haicais ou senryu de Claucio Ciarlini não são orientados para uma métrica fixa e nem para obrigatórias rimas, vez que o poeta cultiva a liberdade formal, para alcançar uma mais espaçosa inventividade. Todavia, não quis transformar a sua liberdade em anarquia ou desregramento, porquanto usa com sabedoria e parcimônia as rimas, os ritmos e a concisão,  esta sobretudo em virtude dos tamanhos curtos dos versos, que o levam, creio, a uma polimetria, e não a uma ausência total de métrica; porém, não as fui contar.

Por outra parte a sua temática não ficou adstrita aos assuntos costumeiros do haicai ortodoxo. Como não poderia deixar de ser, pelo seu projeto delineado a partir do título, abarca vários problemas e circunstâncias físicas, sociais, políticas e psicológicas, desencadeados por esses sombrios tempos pandêmicos. Vejamos, à guisa de exemplo:

Alguns pastores sem noção

Numa loucura pelo dízimo

Podem dizimar uma nação

* * *

Mergulho em literatura

Aliviando-me a tortura

Até encontrarem a cura

* * *

Como pôde?

Perguntou o capitalista...

Pois pôde!

Acredito sejam esses três poemas acima suficientes para demonstrar a criatividade e a inventividade de Claucio Ciarlini, sobretudo o seu poder de síntese, a sua capacidade em dizer muito com um mínimo de palavras, sem descurar da emoção, da beleza e da sensibilidade.

Invocando o espírito do excelso bardo Manuel Bandeira e evocando a sua verve admirável, diria que os poemas minimalistas do nosso vate, sejam eles chamados de haicais ou de senryu, cometeram “o milagre de colocar o universo em uma gota d’água”.         

quarta-feira, 19 de maio de 2021

POSSE NA ACADEMIA DE LETRAS DOS MAGISTRADOS



POSSE NA ACADEMIA DE LETRAS DOS MAGISTRADOS


Des.  inativo Valério Chaves

 

Em solene cerimônia virtual realizada na noite do dia 12 de maio corrente, com o prestígio confortador de intelectuais, magistrados, autoridades  constituídas e círculos culturais mais expressivos do Estado do Piauí, a Academia de Letras da Magistratura Piauiense  deu posse na cadeira 24, ao seu mais novo imortal, dr. Thiago Brandão de Almeida.

 O ato, marcado por instantes de deslumbramento espiritual, foi presidido pelo desembargador e presidente da ALMAP, Luiz Gonzaga Brandão de Carvalho, cabendo ao acadêmico e desembargador federal Carlos Augusto Brandão de Carvalho proferir o discurso de recepção.

            O novo imortal é Juiz de Direito com atuação em comarcas do Piauí e em Teresina há vários anos, apesar de jovem. É ex-presidente da Associação dos Magistrados Piauienses (AMAPI), professor da UESPI  e da AMAPI, além de profundo estudioso e conhecedor da Ciência do Direito.

 Indicado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), integrou a Comissão de Notáveis presidida pelo ministro Luz Fux, do Supremo Tribunal Federal, responsável pela elaboração do projeto do novo Código de Processo Civil.

            Thiago Brandão é um jovem e respeitado magistrado piauiense.

Mas como disse o ex-ministro Jarbas Passarinho, em discurso proferido a 24 de julho de 1971, na sede da Escola Industrial de Belém, entendemos  que “é preciso contar com a pressão renovadora da mocidade.  Ela tem pressa e, na pressa não raro julga mal seus antepassados, próximos e remotos”.

            Em seu discurso de posse, profundamente emocionado e integralmente honesto, Thiago Brandão traçou sua própria biografia familiar e profissional numa síntese reveladora de seu caráter de cidadão e magistrado

            A partir de sua posse no sodalício dos magistrados piauienses, acho que posso chamar de meu ilustre confrade e dizer-lhe que essa foi a mais alta de suas conquistas, porque ela irmana e estimula na perpetuação da chama que outros que, antes de nós, conservaram, viva e perene a ALMAP como o símbolo do pensamento mais elevado da nossa terra e dos magistrados piauienses.

            Nobre é a missão da Academia de Letras da Magistratura.

 Portanto estou convencido de que de agora em diante o confrade Thiago Brandão, do alto de sua competência, dela participa com o entusiasmo de sua juventude de homem da ciência jurídica e homem de letras preocupado com os problemas da justiça.

             Receba meu fraternal abraço expressando o apreço, o respeito e admiração que devoto ao amigo.

            Teresina/PI, maio/ 2021

terça-feira, 18 de maio de 2021

Misticismo e Raça na Poesia de Marciano Gualberto

Caros leitores, reverbero através das luzes e sombras de minhas humildes palavras, uma prévia de meu segundo livro prefaciado pelo meu querido amigo e irmão Dr. Elmar Carvalho. Marciano Gualberto


Misticismo e Raça na Poesia de Marciano Gualberto
 

Em tudo que fizerem, trabalhem de bom ânimo, como se fosse para o Senhor, e não para os homens. Colossenses 3:23.

 

Elmar Carvalho

 

No contato inicial que tive com o escritor e poeta Marciano Gualberto para a elaboração deste prefácio e da leitura de suas palavras na Nota preambular, tive um insight sobre o conteúdo deste texto, um espécie de intuição ou estalo à Vieira. Poderia tê-lo escrito de imediato. Mas preferi cumprir o dever de ler todos os poemas do livro para constatar se a minha premonição seria confirmada. Devo confessar que, em matéria de apresentação, que sempre requer estudo e pesquisa, foi a primeira vez que isso me ocorreu.

Constatei que o autor canta o seu misticismo de forma clara, sem nenhum hermetismo, como ocorre em muitos dos versos de William Blake. A sua religiosidade parece conter um sincretismo de várias manifestações ritualísticas, um certo ecumenismo de quem não cultiva preconceito religioso. E nesse seu misticismo, de forma viril, faz a afirmação de sua raça, com orgulho e ênfase. Os seus anjos não são os anjos brancos, intocáveis, diáfanos, quase inefáveis em sua evanescência, de Rainer Maria Rilke, quando este solta seu brado sublime de angústia e solidão:  

“Quem, se eu gritasse, entre as legiões dos Anjos

me ouviria? E mesmo que um deles me tomasse

inesperadamente em meu coração, aniquilar-me-ia

sua existência demasiado forte (...)”

 

Os seus anjos não são angelicais, alfenins/querubins de doçura e beatitude. Podem ser justiceiros de asas negras:

“Samael, anjo demiurgo, que de tanto ouvir a si

Próprio, criou seu próprio mundo

Gloria a ti, Samael, nas alturas, pelo apoio

Que me deu, no escombro de mim mesmo

Acompanhado sou de vós, e de toda a legião

Dos 200 caídos que lhe seguem”

Nos seus versos, além do simbolismo maçônico, da cabala e do cristianismo, ressoa de forma muito forte os tambores dos terreiros, dos candomblés, da umbanda, das encruzilhadas, dos salões de macumba, como retumbaram em os Tambores de São Luís, de Josué Montello, ou como percutiram na noite da Bahia os atabaques, em vários romances de Jorge Amado.

A sua poética repudia os preconceitos, sobretudo os religiosos, o racismo e as idiotices dos supremacistas brancos. Portanto, nos seus versos não perpassam as brancuras liriais, as carnes brancas das monjas ardentes e ciliciadas do imenso poeta negro Cruz e Sousa. Ele faz a afirmação e mesmo a exaltação de sua raça, mas sem condenar nenhuma raça. Vejamos esse cotejo, para comprovação do que digo:

“Maravilhoso como sou:

Preto, guerreiro, sonhador

E acima de tudo: AFRONTA.”

Em vários de seus haicais, que não têm o rigor excessivo ou os espartilhos dos orientais, condena o colonialismo político e cultural. Em versos simples, sem desnecessárias firulas e malabarismos, enaltece os ancestrais e pede que os elogios e reconhecimentos não sejam póstumos, como sói acontecer. Nesse aspecto está em boa companhia, ao seguir as pegadas de Nelson Cavaquinho:  

“Me dê as flores em vida

O carinho, a mão amiga,

Para aliviar meus ais.

Depois que eu me chamar saudade

Não preciso de vaidade

Quero preces e nada mais”

e as do poeta Manuel Bandeira, que consultado sobre se achava correto lhe erigem uma estátua em vida, respondeu que não só a desejava, como até se recusava a morrer enquanto o monumento não lhe fosse erguido. O nosso poeta Gualberto, não sendo um fariseu, um hipócrita, disse em seu versejar:

“Não diga que me ama!

Não elogiem meus livros

Depois de minha morte...”

Nos seus versos, bem elaborados em sua exemplar concisão, por vezes destila ironias e até mesmo constrói verdadeiros epigramas, como estes:

“Enfim, tu chegou cabelo

Grisalho, prova, que

Estou mas sábio e morrendo.”

Ironias sutis, às vezes, bem-humoradas, um tanto fesceninas (em raros casos), quiçá, autobiográficas:

“Quando criança, não

Tive aqueles balões, mas

            Meus pensamentos voavam.”

................................

“Somos bem mais

Muito, muito mais

Que uma greta ingrata.”

Em sua caminhada poética vislumbra anjos de asas pretas, devassa portais secretos, desvenda enigmas e segredos, como os do livro da capa preta de Cipriano e os da necromancia, além de outros mistérios templários e egípcios. Seja como for, o certo é que os seus anjos não são alvinitentes como os de Rilke e nem como as monjas do “cisne negro”, de carnes brancas, lindas, tentadoras. Mais se assemelham, creio, a essas figuras caricatas e emblemáticas de Rimbaud: “Mercador, tu és negro; magistrado, tu és negro; general, tu és negro; imperador, velho prurido, tu és negro; tu bebeste um licor não selado, da fábrica de Satã.”

Este livro, com as sacadas do poeta, com os seus insights, com o borbulhar de sua inspiração, merece ser lido e refletido com atenção. E ser relido. Dizem que poucos livros merecem uma releitura. E dizem que, se não merecem uma releitura, sequer merecem ser lidos.

Leiamos e releiamos, pois, esta exuberante flor de lótus do jardim poético gualbertiano.      

segunda-feira, 17 de maio de 2021

GRANDES VULTOS: PARNAIBANOS HONORÁRIOS

Elmar Carvalho


Diego Mendes Sousa: GRANDES VULTOS: PARNAIBANOS HONORÁRIOS 

José Elmar de Mélo Carvalho (1956-) - Escritor e Magistrado 

Poeta, Romancista, Contista, Cronista e Crítico Literário 

Juiz de Direito 

Autor de "Rosa dos Ventos Gerais" (1996, 2002 e 2016, em três edições)

Prêmio Ribeiro Couto da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro (UBE-RJ), pelo conjunto da obra 

Um dos mais importantes intelectuais piauienses da atualidade 

Membro da Academia Parnaibana de Letras 

Membro Fundador do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Parnaíba 

Membro da Academia Piauiense de Letras

(Extraído do Instagram de Diego Mendes Sousa)
Diego Mendes Sousa: https://www.instagram.com/p/CO9CWmLAcD4/?igshid=1cds88yqcgq38

domingo, 16 de maio de 2021

Seleta Piauiense - Diego Mendes Sousa

Fotografia de Jairo Leocádio


RIO 


Diego Mendes Sousa (1989)


Desde cedo 

desci ao encontro das águas 

do meu reino 


rapidamente 


desci 

como quem despenca 

da luz 

de incerta 

forma 

prematura 


o encalço do tempo 

a desvairada vazante 


e o bojo do Parnaíba 

a singrar 

as suas miragens 

e os seus fantasmas 

na maior pressa


crescidos 

sobreviventes 


ao 

mirante 

disperso 


diante 

do meu 

escândalo 

humano 


e retardado


O rio

da minha geografia 

de poeta antecipado 

é barrento 


Igaraçu transbordante 


     do seu leito  

           os meus        

                 mistérios 


(*) Rio Igaraçu, braço do Rio Parnaíba, na Parnaíba, no norte litorâneo do Piauí

sexta-feira, 14 de maio de 2021

Fogo em palhoças de Teresina



FOGO EM PALHOÇAS DE TERESINA


Elmar Carvalho


Hoje à tarde, encontrei no shopping Teresina, no chamado “senadinho”, que não costumo frequentar, o jornalista Toni Rodrigues, meu conhecido há vários anos. Além de correto como cidadão e profissional, é também homem culto e escritor de mérito, tendo escrito ficção policial, o que denota o seu espírito investigativo e questionador.

Já escreveu textos de caráter historiográfico, mormente sobre os crimes rumorosos ocorridos no estado. Nasceu em Piripiri, em 1968, mas é radicado em Altos desde a meninice. Tempos atrás, confessou-me haver lido a antologia parnaibana Poemágico – a nova alquimia, publicada em 1985, de que faziam parte os poetas Alcenor Candeira Filho, Jorge Carvalho, V. de Araújo, Paulo Véras e Elmar Carvalho. Disse haver gostado da coletânea, o que muito me honra.

Na conversa que mantivemos nesta tarde, terminou falando sobre o famigerado caso do fogo que era ateado em casas de palha, na Teresina da época do interventor Leônidas de Castro Melo, que até hoje desperta controvérsias e especulações, sem que se tenha certeza sobre quem tenha sido efetivamente o mandante desses incêndios, que atormentaram as pessoas pobres, residentes na periferia da capital.

Entendo que a maioria dos estudiosos defende a tese de que o autor intelectual tenha sido o coronel Evilásio Vilanova, comandante da Polícia Militar do Estado, tanto com o objetivo de que fosse criado o corpo de bombeiros, como para lançar a culpa em políticos da época, e, assim, cavar a possibilidade de vir a ser o governante do Piauí.

Leônidas era um homem sério, honrado e honesto, tanto que saiu pobre do poder, não obstante haver governado o estado com amplo e quase ilimitado poder, por mais de dez anos, ininterruptamente. Claro que teve seus erros, e entre estes geralmente é apontada a aposentadoria compulsória dos desembargadores Arimatéia Tito, Simplício Mendes e Esmaragdo Freitas.

Pelo que sei, Leônidas Melo nunca contou a sua versão sobre quem seria o mandante desses incêndios, preferindo guardar perfeito silêncio, por motivo que desconheço. Soube que, já em idade provecta, prometeu que relataria a verdade sobre esse triste fato da História Piauiense a pessoa de sua confiança, mas terminou falecendo, sem fazer a anunciada revelação.

Também soube que, muitos anos após esses fatos, ele teria recebido a inesperada visita de Vilanova. Os dois conversaram a sós, sem que nunca alguém tenha sabido o teor da conversa. O escritor Victor Gonçalves escreveu um conto sobre esses lamentáveis acontecimentos e o historiador Alcides Nascimento publicou uma volumosa obra sobre o assunto. Leônidas escreveu um livro de memórias, titulado Trechos do Meu Caminho, que tem passagens interessantes, antológicas mesmo, algumas até que são verdadeiras lições de vida, mas que não encerram o caso.

Toni Rodrigues revelou-me ter novas informações a acrescentar sobre o que já se escreveu a respeito desse tema, pois leu documento que os outros historiadores não teriam compulsado, bem como sobre o episódio da demissão de Evilásio Vilanova, que era coronel do Exército, e não era piauiense. Esperemos, pois, que o jornalista e escritor Toni Rodrigues traga luzes a esse episódio histórico ainda um tanto penumbroso, ou ainda não completamente esclarecido.  

20 de fevereiro de 2010   

Professor e poeta Marciano Gualberto selecionado em Festival da UNE

 


PROFESSOR PARNAIBANO TEVE PRODUÇÃO LITERÁRIA SELECIONADA NO FESTIVAL DA UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTE – UNE

 

O professor e poeta Marciano Gualberto (Lord Gualberto) teve sua produção literária selecionada para compor o 12ª Bienal da UNE. O festival de cultura, arte, ciência e tecnologia mapeia, conecta e apresenta o que de mais interessante tem sido produzido dentro e fora das Universidades brasileiras a mais de 20 anos. É considerado o maior festival estudantil da América Latina, e esse ano contará com muitas personalidades, dentre elas, um dos maiores nomes do Rap Nacional, o músico Emicida.


Sempre celebrando a cultura popular brasileira nesta 12ª edição traz o tema “Brasil: um povo que resiste” e homenageia os cem anos da Semana de Arte Moderna e a cantora Elza Soares, um chamado a desenhar coletivamente um Brasil antropofágico e possível, ancestral e moderno, um País pintado de nós “estudantes”. E um convite a festejar nossa brasilidade, o “Brasil que deu certo”, espelho de vitórias, diversidades e representatividades.   

Matéria: O Piaguí

Fonte: União Nacional dos Estudantes  

Mandu Ladino, mais que uma lenda!

Autor da ilustração: Moisés Rego


Mandu Ladino, mais que uma lenda!


José Luiz de Carvalho

Jornalista, poeta, contista e cronista

 

Ao contrário do cacique e pajé Nheçu que no vale do Ijuí, no Rio Grande do Sul, no início dos idos 1600, nunca aceitou a presença do homem branco em suas terras. Mandu Ladino, no vale Rio Longá, na região Norte do Piauí, teve uma vida tranquila até a idade adulta, morando em uma fazenda prospera, onde inicialmente foi escravo e depois virou homem de confiança do proprietário, exercendo as funções de vaqueiro.

 

 Na antiga terra de Nheçu, hoje a cidade de Roque Gonzáles, o escritor Nelson Hoffmann, em seu livro -  “Na história das Missões", apenas um único indígena levantou a sua voz, uniu o seu povo e enfrentou o homem branco invasor; não fez conluio com qualquer homem branco; não defendeu ideias que não fossem as de sua gente e só quis guardar o sagrado direito de permanecer na terra que sempre foi sua – a terra com as tradições que seu povo cultivava desde sempre.

 

O índio guarani, Nheçu, e o padre paraguaio, Roque Gonzáles de Santa Cruz, protagonizaram, nas terras sul-rio-grandenses, de forma irredutível, uma das mais vigorosas contendas da história das Missões Jesuíticas. Padre Roque, após fundar várias reduções no Paraguai, Uruguai e Argentina, recebeu a difícil missão de adentrar a região, onde é hoje o Estado do Rio Grande do Sul, exatamente nas terras de Nheçu. No dia 15 de agosto de 1628, padre Roque, com a ajuda do padre João Castilho, com a permissão de Nheçu, embora com restrições, fundaram a Redução de Assunção a qual durou apenas três meses. Durante o processo de catequese, as imposições dos padres não se coadunavam com as vivências indígenas. Nheçu resolveu cortar o mal pela raiz: ordenou a morte dos padres. Assim, entre os dias 15 e 17 de novembro daquele mesmo ano, com exagerada crueldade, em Caaro, foram mortos o padre Roque Gonzáles, Afonso Rodrigues e no dia 17, em Assunção do Ijuí, o padre João de Castilho os quais  tornaram- se os Mártires das Missões.

 

Naquela época, a reação dos brancos foi imediata e igualmente violenta. Em várias batalhas, mais de 200 índios foram mortos, inclusive os doze líderes da revolta, ficando apenas Nheçu que conseguiu fugir pelo Uruguai, a fim de que nunca mais fosse encontrado. A Terra de Nheçu, após a destruição de suas instalações e plantações e a consequente fuga dos índios sobreviventes, virou a “Terra de Ninguém”.

 

Quase um século depois, num outro extremo do Brasil, um índio rompe sua boa relação de convivência com os brancos. Por sua saga, Mandu jamais poderia ter vivido pacificamente com os homens brancos, pois, quando menino e muito pequeno, ao lado de sua irmã mais velha, assistiu à destruição de sua aldeia e a morte dos seus pais. Depois, eles foram levados pelos assassinos, para serem criados em fazenda na região de Campo Maior. O adolescente Manuel foi separado da sua irmã e levado para um aldeamento, no Cariri do Boqueirão, no interior da Capitania de Pernambuco, para estudar e ser cristianizado pelos religiosos da Ordem dos Capuchinhos.  Após uma rebelião, fugiu e retornou ao Piauí, onde desenvolveu um trabalho, conduzindo gado de Campo Maior para as indústrias de Charque da Parnaíba.  O motivo da revolta de Mandu Ladino foi o assassinato da sua irmã pelo Capitão Mor Souto Maior, por causas de ciúmes, uma vez que ele havia se apaixonado pela índia que  tinha um namorado, um homem branco e por essa razão, não havia correspondido às invertidas do “nobre capitão”.  Mandu juntou um pequeno grupo de índios e matou Souto Maior e todo o seu contingente policial,  depois fugindo para os   “Morros Azuis”, onde arregimentou um grande grupo de índios de várias tribos, de onde descia para saquear as fazendas, levando víveres, animais e armas.  Segundo alguns historiadores, o Cacique Mandu Ladino teria formado um verdadeiro exército, composto de milhares de índios, cuja atuação e movimento rebeldes  estenderam-se pelos sertões do Piauí e Maranhão, alcançando o  Ceará e que, sob o seu comando, muitos portugueses morreram e muitas fazendas foram arrasadas nessa grande região em três estados.

 

Diferentemente de Nheçu que combateu os brancos por razoes ideológicas religiosas,  Mandu combateu os brancos com sentimento de vingança de ordem pessoal. Na verdade, tornou-se um renegado e perseguido após ter matado Souto Maior.  Embora alguns estudiosos da história registrem que a sua luta teve também objetivo revolucionário, Mandu Ladino teria sonhado com a construção de uma grande nação indígena, em terras do Piaui. Na verdade, ele cometeu muitas atrocidades contra as pessoas, nas fazendas as quais invadiu com seu grupo de renegados, devolvendo na mesma proporção a violência praticada pelo homem branco nas invasões das aldeias indígenas. No período de 1712 a 1719, por quase  de 7  anos, durou uma  longa guerra entre fazendeiros  e índios, tendo terminado, somente, com a morte de Mandu Ladino que, após ser baleado, afogou-se, no rio Igaraçu, nas proximidades de Villa de Nossa Senhora de Montserrat da Parnaíba e com a prisão dos seus principais líderes rebeldes, diante das forças,   chefiadas por Francisco Cavalcante de Albuquerque e com a ajuda do Mestre-de-Campo da capitania do Piauí, Bernardo de Carvalho Aguiar.

 

Hoje, diante da falta de documentos históricos comprobatórios e à guisa da imaginação dos romancistas, contistas e poetas, Mandu Ladino, a cada publicação feita, distancia-se do homem índio, nascido na região de Alto Longá, que morou em Campo Maior e morreu na Parnaíba, virando apenas uma lenda cheia de glamour e de heroísmo, uma fascinante narrativa de ficção literária!   

Fotografia



FOTOGRAFIA


Alcione Pessoa Lima


Se eu pudesse sempre te encontrar sorrindo

Existindo, sem murchar tuas pétalas...

Na faceirice da mocinha que se acha mulher

Fotografaria o teu silêncio – a tua voz inimitável

Faria uma canção para te esperar. Serias sempre bela ao meu olhar.


Ainda que eu pudesse, não a fotografaria sem o teu consentimento

Seria o nosso momento – e te flagraria em êxtase

A silhueta passaria despercebida – o foco seria a tua felicidade

E como um vaga-lume acenderia o flash da tua lucidez

Para ver o teu rosto iluminado – a denunciar um olhar apaixonado.


Acho que não me desculparias se eu ousasse flagrar-te na tua fragilidade...

Ou em teus sonhos – ou pela fresta – o teu mundo

Não me concederias esse prazer – por isso apenas te observo

E toda a plástica de teu sorriso preenche o vazio emoldurado...

O quadro que imaginei, sem jamais tê-lo pintado.      

quarta-feira, 12 de maio de 2021

À MEMÓRIA DE MEMORÁVEIS MÚSICOS



À MEMÓRIA DE MEMORÁVEIS MÚSICOS


José Francisco Marques

Professor, instrumentista e escritor


Chagas Sitônio era mecânico de bicicletas. Grande, na arte de consertar as “magrelas”, dando fino trato às mesmas. Tinha esse honrosa função, mas detrás daquele homem simples e humilde, escondia-se um grande músico. Tão bom, que sempre que aparecia algum concurso à época(pasmem, hoje na modernidade, não aparece um evento similar), ele era agraciado com o primeiro lugar, carregando ao colo apenas  sua sanfoninha de oito baixos, companheira inseparável de seus momentos musicais.

Ele tinha uma oficina na Rua Coronel Antônio Maria e bem novo ainda, driblando meus pais e os estudos, lá estava eu em sua oficina. Lembro-me que certa feita, ao pegar o violão e arremedar algumas notas, ele, olhando por sobre os óculos me disse: essa sua mão direita é muito boa! Aquilo foi o maior elogio que recebi até hoje. De fato não me tornei músico por profissão, mas tenho sérias dificuldades ainda hoje com a minha mão esquerda, responsável pela elaboração dos acordes.

Tive sorte de nascer em uma rua extremamente musical. Lembro-me bem do grande cantor Chico Baú, possuidor de uma voz fantástica, pois o seu grave assemelhava-se ao grande Nelson Gonçalves. Como esquecer Valdir do Banjo, importado diretamente do Bairro Flores? Era um mago nesse instrumento, com um detalhe interessante: ele mesmo fabricava o seu instrumento. Era também frequentador da oficina de mestre Sitônio.

Na época propícia à apresentação do Bumba meu boi ou em tempos de Santo Reis, havia um encontro na madrugada desses verdadeiros artistas, que resgatavam em termos de cancioneiros, os mais belos registros. Lá estava eu, depois de sorrateiramente sair escondido obviamente dos meus pais, em verdadeiro transe para ouvir aqueles hinos que elevavam a minha alma muito além do mais profundo infinito. No percurso até o local, já de longe ouvindo a música que se fazia alcançar a minha audição, os paralelepípedos da rua, magicamente se faziam sobrepostos formando notas musicais em suaves movimentações sincrônicas. Eu levemente flutuava aos acordos inigualáveis daquele excelso concerto.  Jamais irei esquecer, pois ecoa ainda hoje em meus ouvidos os acordes preparatórios e em seguida a canção da qual, entranhada na minha memória, vem-me à mente saudosa os seguintes versos iniciais:

“ Catirina que só quer

Comer da língua do boi

Carne seca na janela

Quando alguém olha pra ela

Pensa que lhe dão valor”   

terça-feira, 11 de maio de 2021

NOVENTA E NOVE ANOS DE CELSO BARROS

Celso Barros em sua terra natal, entre os acadêmicos Fonseca Neto e Zózimo Tavares, em 2019. Ao fundo, a sede da Academia de Letras, História e Ecologia de Pastos Bons / Foto: Regina Tavares


NOVENTA E NOVE ANOS DE  CELSO BARROS        

 

Jonathas  Nunes                                                                                                    


Conhecer, ao longo da vida, homens da estatura intelectual de Celso Barros Coelho é honraria para poucos. Ainda jovem, ouvia referências elogiosas sobre sua presença na vida em clausura do Seminário Diocesano. Anos mais tarde soube da firmeza com que enfrentou os arreganhos da Ditadura militar ainda na década de sessenta. Advogado, exibiu destreza invulgar ao terçar armas na sala dos Tribunais. E também na antessala dos corredores da Justiça: certa feita foi visto engalfinhando-se em luta corporal com o prócer da parte contrária, ao relutar em levar desaforo para casa. Sua simples presença dava nome e renome à  cátedra universitária ufpiana.  Vi bem de perto, anos depois, Celso, meu colega na Câmara Federal, já na década de oitenta. Na Tribuna do Congresso, brandindo o chicote da palavra com maestria invulgar,  fosse na sutileza do argumento, na ironia da crítica, na instantaneidade do lampejo repentino. Certa feita, foi cáustico com o orador que esboçava queixume com ar de choro:.... “se V.Exa. tem vocação para carpideira, a Tribuna não lhe serve de assento.”

Em pelo menos duas oportunidades pude manifestar de forma explícita, minha sentida admiração pelo intelectual  Celso Barros Coelho.  Em 1984 e 1985, fui escolhido pelo  Parlamento Latino Americano para Reunião solene, a primeira em Washington e a segunda em Cartagena, na Colômbia. Declinei de ambas. Ao fazê-lo, transferi o Convite para o Colega  Deputado Celso Barros Coelho que me agradeceu e aceitou de plano. Um parêntese: dificilmente um Deputado Federal pelo Piauí pode ter uma presença física nos diversos municípios como o então Deputado Federal Jonathas Nunes. À época, não havia ainda as chamadas verbas parlamentares para distribuição a critério de cada Deputado. Pensei então com meus botões: já que não me é possível carrear algum recurso, irei pelo menos visitar o município em pessoa. Quando dos dois convites acima, declinei dos mesmos precisamente porque estava com visita marcada a São João da Serra e o outro me parece que a Landri Sales.

Ainda bem antes da pandemia, alegrava a todos a presença do querido Acadêmico Celso Barros a nossas reuniões semanais. A pandemia tem de certa forma subtraído a visão daquelas centelhas de luz que promanam de cada intervenção do Celso em reunião da APL. Agora que ele transpõe a marca dos noventa e nove, a certeza me diz que em breve, na reunião da APL, vou rever de perto as fagulhas de luz que emanam dessa mente centenária.