sexta-feira, 31 de março de 2023

Está chegando a Semana Santa!

Fonte: Google

 

Está chegando a Semana Santa!


Pádua Marques

Romancista, contista e cronista

 

Aqueles que têm mais de cinquenta anos, já passaram da Volta da Jurema, hão de se lembrar como era esperada a Semana Santa. Semana Santa era jeito de falar porque assim como naquele tempo, até hoje é um dia só do ano, a Sexta-feira da Paixão, que os cristãos celebram a paixão e morte de Jesus Cristo. Mas era data esperada o ano inteiro.

Fora as celebrações, era dia de grande espera porque naquele dia era dia de se trocar comida, verduras e legumes fresquinhos, milho, feijão verde, melancia, quiabo, maxixe e para completar, os bolos de milho verde, de macaxeira, tapiocas, beijus feitos em casa de farinha e trazidos para as feiras e mercados.

Os meninos aguardavam a vez de saírem de porta em porta nas casas dos vizinhos e parentes deixando estes alimentos e aguardando a vez da dona de casa retribuir com alguma coisa igual. Esta era uma festa muito bonita e que deixava a todos os meninos do nosso tempo prontos para andarem fazendo esta penitência boa e alegre. Em tudo que era casa havia uma alegria tamanha pela chegada da Sexta-feira da Paixão.

As cidades eram menores, a população era menor, havia uma amizade entre as pessoas, velhos, gente grande e meninos. Tudo era festa. A gente passava o dia inteiro percorrendo a vizinhança deixando frutas, verduras e legumes e trazendo na mesma pisada, ovos, melancia, tapioca, beijus vindos do Marruás, do Bom Princípio e do Cocal, lugares conhecidos pela fartura da mesa.

E os meninos saíam puxando seus carros de lata, de baladeira no cós do calção, empurrando a roda tocada pelo arame, chutando uma bola de meia e aquilo era uma festa e tanto. E dentro de casa aquele entra e sai de bandejas cheias de alimentos frescos, que haviam de encher as despensas por vários dias.

A celebração dos adultos, para as velhas e as senhoras, era mais reservada. Havia quem passasse o dia inteiro de jejum, rezando em penitência. Havia a crença entre os mais chegados nos anos de que era proibido falar alto, contar piadas, falar nome feio, xingar e até havia quem não pegasse em dinheiro e não tomasse banho.

Era um dia alegre para os meninos e mais triste para a gente grande. E o almoço, todos da família em silêncio na mesa, os meninos obrigados a colocarem camisas. Porque havia, fora da celebração cristã, o respeito pela morte de Jesus Cristo. Daquele dia a gente tinha uma reverência de compaixão, até de medo pelos castigos de Deus para com os pecadores.

Porque a gente sabia que Jesus Cristo morreu para nos salvar do fogo do inferno. Mas os meninos e a gente grande tinham certeza que seria a partir daquele dia um ano de fartura na mesa dos homens. E a Sexta-feira da Paixão era comum muita chuva, como se a natureza anunciasse que aquela chuva era um aviso divino para que os homens guardassem os mandamentos.

Depois o mundo se encheu de pecados trazidos pela tecnologia, os meios de comunicação e tudo o mais. Os meninos deixaram de brincar na chuva porque fazia mal, trazia gripe e resfriados. Os meninos deixaram de acreditar nas Escrituras, deixaram a rua e ganharam a solidão dos apartamentos. As famílias deixaram de trocar os jejuns fartos com suas bandejas de coisa boa. Já não existe mais o trem vindo do Bom Princípio e de Cocal. O mundo ficou mais egoísta e os homens ficaram mais tristes.

domingo, 26 de março de 2023

Seleta Piauiense - Adriano Lobão Aragão

 

Fonte: Google

os semáforos os centavos

 

Adriano Lobão Aragão (1977)

 

assim estende o homem no asfalto seu pasto de esmolas

em segundos ao publico entrega a dança dos centavos

e desarmado de adornos seu palco entre faixas se arma

 

um que nestas postiças pernas trôpegas se equilibra

um que entre as mãos lança em chamas de querosene seu risco

outro exposto em malposto corpo ensejo de compaixão

 

este escambo estas mãos este instante entre o tráfego parado

pelos vidros seus gestos estendidos em doação

outros absortos somente na luz indicando a espera

 

para passageiros e condutores que apenas aguardam

que o tempo ainda lhes conceda algum possível alento

sexta-feira, 24 de março de 2023

Ao poeta, professor e amigo Cláucio Ciarlini



 Ao poeta, professor  e amigo Cláucio Ciarlini

 

Sousa Filho - professor e poeta

 

          Hoje é o aniversário do poeta, professor  e amigo Cláucio Ciarlini. Tenho por ele imensurável respeito e admiração. Por isso, escrevi esse singelo texto para agradecer ao muito que ele fez (e ainda faz) por mim e por vários outros escritores. É impressionante como Deus coloca pessoas maravilhosas no meu caminho.  Em 2016 tive a honra de conhecer o poeta Cláucio Ciarlini, por ocasião de uma publicação de um poema meu para o jornal O Piagui culturalista, produzido e editado pelos amigo Cláucio Ciarlini e Fábio Bezerra.

           É importante salientar que logo no início de 2017, Cláucio Ciarlini reuniu vários poetas (inclusive eu) para participar de uma coletânea, que democraticamente (como é o Cláucio) foi escolhido o nome de  Versania. Foi minha primeira participação em coletâneas.

          É salutar dizer que nessa obra Versania, Cláucio Ciarlini conseguiu reunir vários  poetas, dentre os quais alguns já tem publicações solo, como é o caso de Alciomar Neto, Marciano Gualberto, Marcelo Silva, Sousa Filho e Zilmar Jr. Além desses os também versanianos  , Jailson Jr, Alexandre Cézar, Carlos Pontes, Daltro Paiva  são produtores culturais . Os demais versanianos como Emanuel Carvalho, Fernandez Rocha, Jeferson Portugal, Joice Cleyde, Leonardo Silva, Luana Silva, Rosal Benvindo, Morgana Sales, entre outros, não menos importantes continuam nos honrando com seus belíssimos textos.

        Depois de Versania, Cláucio Ciarlini organizou várias outras coletânea, as quais também faço parte, tais como a Trilogia Entre gerações (contos, poemas e crônicas), Piaui em Letras, Revista Piagui em quarenta, Revista do Piauí Poético,  além das próprias obras dele. Tudo que eu escrever aqui sobre o poeta e amigo Cláucio Ciarlini ainda será pouco, haja vista a riqueza literária que circunda o referido poeta.

         Diante do exposto, quero agradecer ao amigo e professor Cláucio Ciarlini pela enorme dedicação que ele tem à nossa literatura, parabenizá-lo pela passagem do seu aniversário  e desejar-lhe saúde, muita paz e prosperidade.  Feliz aniversário e que essa data se reproduza por muitos e muitos anos. 

quarta-feira, 22 de março de 2023

LANÇAMENTO DE LETRAS EM AMARRAÇÃO

 


No próximo dia 01 de abril (sábado), no auditório da Câmara Municipal de Vereadores da cidade de Luís Correia, ocorrerá o lançamento da I Coletânea Literária Letras de Amarração, trabalho organizado pelos poetas Antônio José Sales e Josiel Barros.

 

            A coletânea nasceu do desejo de reunir os mais variados textos de escritores(as) da planície litorânea do estado do Piauí contribuindo, assim, para divulgar e valorizar a cultura literária regional. O resultado é uma miscelânea de textos em que predomina a poesia, mas que também conta com textos acadêmicos e descritivos que enaltecem as nossas belezas naturais, os pontos turísticos, a economia, a história e modo de vida de seu povo.

 

        “Ao pensarmos na elaboração deste projeto tínhamos o intuito de abrir as portas do mundo literário para a reunião de autores e autoras da região da planície litorânea piauiense, com foco na cidade de Luís Correia, nossa antiga Amarração, daí o título da coletânea”, pontuou Josiel Barros.

 

        Além das produções Luís-correienses, os organizadores estendem o convite para a colaboração de outros escritores(as) de cidade vizinhas para que possam enriquecer ainda mais a coletânea.

(Texto publicado no blog do Elivaldo Ramos Tutóia - Ma)    

Dia Mundial da Poesia: METAPOEMA

 

Fonte: Google

METAPOEMA


Elmar Carvalho

 

As meadas e as palavras

são labirintos e teias.

Nelas os poetas se elevam;

nelas as moscas se enleiam

e se debatem em vão.

Os poetas são.

As moscas, não.    

domingo, 19 de março de 2023

Seleta Piauiense - Nathan Sousa (1973)

 

Fonte: Google

O IMPULSO DA AVE

 

Nathan Sousa (1973)

 

para M. Paulo Nunes

 

 tenho sobre a mesa estes papéis alheios a qualquer

anseio; a qualquer angústia ou desforra.

papéis brancos, amarelos. celulose e silêncio.

despropósitos.

 

rabisco em suas faces estas formas

que defloram signos rasos, ausência;

gritos a sumirem na paisagem.

(o que a palavra transfigura ou desfalece).

 

onde todos os lugares são apenas

tinta e tracejado: o desvelo que do pulso

exige golpes de enlace; a língua a deslizar

nos cantos; o invento das mãos que nada sabem

do lume antes do gesto.

 

esta mesa; estes papéis alheios ao assombro,

e o ímpeto do improvável que me resta.  

quinta-feira, 16 de março de 2023

FLAGRANTES DA NATUREZA

 

Foto meramente ilustrativa    Fonte: Google

FLAGRANTES DA NATUREZA


Elmar Carvalho


Hoje cedo, perto da cidade de Demerval Lobão, avistei um pequeno vira-lata, atravessando a estrada, com muito esforço, em verdadeiro estoicismo, a que talvez tenha se habituado, diante do inelutável de sua tragédia individual. Não movimentava as patas traseiras, e tinha que arrastá-las na aspereza de lixa do asfalto. Diminuí a velocidade do carro, para que ele pudesse concluir a penosa travessia da melhor maneira possível.

Muito provavelmente a sua deficiência foi provocada por algum veículo ou por alguma paulada ou pedrada de algum brutal representante da raça humana. Acostumado a correr e a saltar em sua canina agilidade, repentinamente sofreu o golpe que agora lhe obrigava a arrastar as patas inválidas, em esforço extraordinário dos membros anteriores, em sua luta solitária pela sobrevivência, em busca de alimentos ou na fuga de eventual e inesperado predador.

Comovi-me profundamente com a cena e ainda estou triste. Como um contraponto alegre, narro dois outros flagrantes de minhas viagens. Outro dia, vi uma cobra coral atravessando  o asfalto. Em lugar de acelerar, para esmagá-la, como muitos fariam, fiz exatamente o contrário. Desacelerei o carro, para melhor vê-la elegante e belamente mover-se, como viva, colorida e ondulante fita, filha das matas.

Fiz isso porque uma cobra só ataca quando se sente ameaçada. Fiz isso porque ela não tem nenhuma culpa do veneno que tem. É uma arma natural que lhe foi dada, sem que ela tenha pedido. Mas, em contrapartida, o Criador não lhe deu asas nem pernas, e ela tem que se arrastar, sobre areias e pedregulhos, na luta pela vida.

Vi também, outro dia, um arco-íris formar uma espécie de portal multicolorido sobre o crepe lutuoso do asfalto. Parecia, prenhe de lendas e mistérios, um estandarte a simbolizar a esperança de um mundo melhor, de um mundo mais justo e mais fraterno, onde os cães abandonados não mais precisem arrastar suas pernas paralíticas, por causa da insanidade do mundo dos homens.

10 de maio de 2010                   


domingo, 12 de março de 2023

Seleta Piauiense - Dílson Lages Monteiro

 

Fonte: Google

(RE)PRESA

 

Dílson Lages Monteiro (1973)

 

A água debaixo da ponte
agita-se com o reflexo do céu
e devora a noite
tecendo o rio de estrelas.

Debaixo da ponte
os lábios das margens
molham-se de delírios
e os lírios olham a imensidão.

Debaixo da ponte
o corpo da água escorre
entre os dedos de concreto
e esbarra no beijo da vegetação.   

quinta-feira, 9 de março de 2023

MEMÓRIA JUDICIÁRIA DO PIAUÍ

 

Fontes Ibiapina




MEMÓRIA JUDICIÁRIA DO PIAUÍ

 

Valério Chaves Pinto

Escritor e desembargador aposentado do TJPI

 

Muitas personalidades piauienses, embora tenham se projetado no cenário nacional, pelo seu valor intelectual e destacada atuação nas diversas áreas do saber, permanecem na obscuridade, sem oportunidade de serem conhecidas pelas gerações modernas.

Os mais jovens, principalmente, desconhecem o que muitas dessas personalidades realizaram no cenário cultural, na magistratura, na política, nas letras jurídicas e outros ramos do conhecimento; as vezes lembradas pelo nome de uma rua ou de uma avenida de Teresina, ou de cidades do interior do Estado.

Dentre essas figuras algumas honraram os quadros da magistratura estadual através de sua atuação   firme proferindo decisões que muito dignificaram a vida do Judiciário Piauiense.

Sabemos que a vida dos homens constrói-se mostrando o tempo e a sua oferenda, tecendo o fio invisível de cada instante, assentando-se na rotina do trabalho em torno do qual se edifica o cenário grandioso da vida.

O desembargador Cristino Couto Castelo Branco, ex-presidente do TJPI, escrevendo sobre homens que iluminam, ressaltou que: “na história de cada homem de fé e de talento há um rastro de luz a lhe aclarar os caminhos. Eles brilham por si mesmos como estrelas”.

Por ocasião das solenidades de posse de novos acadêmicos nas Academias de Letras Piauienses seria oportuno evocar a memória e o trabalho de figuras das letras e da magistratura piauienses que  honraram a inteligência do Piauí e contribuíram para a grandeza  do nosso estado, legando as gerações que lhes sucederam exemplos de abnegada vocação para distribuição da Justiça, exercitando a inteligência mais detidamente na arte de aplicação do Direito.

Com efeito, a atitude de reconhecer, lembrar e homenagear é, portanto, uma atitude de desprendimento e profunda demonstração de consideração e afeto.

Vale a pena relembrar, por exemplo, os primeiros desembargadores que compuseram o Tribunal de Justiça do Piauí, em 1891, e outros que o Poder Judiciário do Piauí muito se orgulha pelo exemplo, pela cultura, competência, retidão de caráter e grandeza de qualidades espirituais.

Helvídio Clementino de Aguiar foi o primeiro presidente do TJ, tendo sido juiz de direito das comarcas de União, Campo Maior e Teresina;

Os demais membros foram Polidoro César Burlamaqui, Álvaro de Assis Osório Mendes, João Gabriel Baptista, João Gabriel Ferreira e Augusto Collin da Silva Rios.

Poderíamos citar muitos outros nomes  que brilharam o resplandeceram na magistratura piauiense e nas letras jurídicas, tais como: Clodoaldo Conrado de Freitas, Álvaro de Assis Osório Mendes, Cristino Couto Castelo Branco, Edgard Nogueira, Anísio Auto de Abreu, Cromwell Barbosa de Carvalho, Joaquim Vaz da Costa, Esmaragdo de Freitas e Sousa, Fenelon Ferreira Castelo Branco, Fernando Lopes e Silva Sobrinho, Gabriel Luís Ferreira, Higino Cícero da Cunha, Vicente Ribeiro Gonçalves, Raimundo Barbosa de Carvalho Baptista, José de Arimathéa Tito, José Coriolano de Sousa Lima, José Vidal de Freitas, Robert Wall de Carvalho, Simplício Coelho Resende, Simplício de Sousa Mendes, Luís de Morais Correia, João Nonon de Moura Fontes Ibiapina, e tantos outros.

Não andassem as palavras tão vulgarizadas, e não se triviasse tanto no seu uso vicioso, a só menção desses nomes bastaria para definir a individualidade e a indicar o que há de mais expressivo na nobreza de suas biografias, cada qual nos processos intelectuais e nas atividades com que firmaram suas personalidades.

Poderíamos citar ainda nomes como João Crisóstomo da Rocha Cabral – uma das maiores autoridades em direito eleitoral do país, autor do Código Eleitoral brasileiro instituído pelo Governo Provisório de Getúlio Vargas em 1930; poeta e jurista, modelo de estudioso e intérprete, e que hoje, com merecida justiça, empresta seu nome ao prédio-sede do Tribunal Regional Eleitoral do Piauí.

Vale lembrar também nomes como Elias de Oliveira e Silva que em 1919, após bacharelar-se em direito em Fortaleza, exerceu a Promotoria Pública em Teresina onde lecionou Psicologia e História da Filosofia, no Liceu Piauiense, na Escola Normal e na Faculdade de Direito.

Além de magistrado, foi juiz Distrital em Batalha e de Direito em Piracuruca, exercendo depois a advocacia e o jornalismo.

Pertenceu à Academia Piauiense de Letras, da qual foi sócio fundador em 1917, ocupando a cadeira nº 28 que teve como patrona a poetisa piracuruquense Luiza Amélia de Queiroz Brandão.

É autor da arrojada tese “Criminologia das Multidões”, com prefácio do ministro Bento de Farias e que mereceu justificados elogios da crítica literária nacional e estrangeira.

Como se pode ver, as personalidades aqui destacadas, durante sua existência de dedicação ao trabalho souberam dignificar, como juízes, a magistratura, e como escritores, as letras piauienses, além de terem legado, como chefes de família, admiráveis exemplos de honradez e honestidade.  

quarta-feira, 8 de março de 2023

INTOLERANTE, QUEM NÃO O É UM POUCO?

Fonte: Google

 

INTOLERANTE, QUEM NÃO O É UM POUCO?


Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)

 

                Não, não é verdade: nem tudo que aqui se faz, aqui se paga. Até em se tratando de religiosidade, de crença ou fé, há que se dizer, por mais intolerante que possa soar, mesmo com relação ao tratamento dado, supostamente, pela natureza, por Deus, para os ainda mais crentes, ou àqueles que se sintam injustiçados, que essa história de compensação não é coisa divina; sim, o que nos acontece de bom ou ruim, às vezes fica assim, sem uma contrapartida ruim ou boa; a gente má acontecem boas coisas, como péssimas se abatem sobre os pios; todos, claro, sofremos nossos perrengues, tanto quanto gozamos de momentos que consideramos felizes. É verdade que alguns se julgam mais felizes do que muitas pessoas que conhecem; acontece, por vezes, também a essas, de fato, pensarem ou concordarem com aqueles.

                Por que, de repente, questionar essa quase pétrea opinião ou conceito que permeia as atividades ou decisões humanas e suas relações com as de cunho sobrenatural? Com as devidas escusas pela particularização, citarei um: há algumas décadas sou cobrador de impostos, um publicano seria nos áureos tempos romanos, contemporâneos de Jesus e seus discípulos; e o que menos, ou quase nunca encontro, quando aprofundo certas auditorias, é alguém totalmente adimplente dos tributos que deve; ou seja, compra-se, produz-se ou se toma serviço, mas não se quita corretamente as obrigações tributárias; quer dizer, nem todas as dívidas aqui feitas são pagas ou liquidadas Pode até parecer brincadeira, ironia ou gozação, mas não é. Vejam, observem o ror de incentivos, refinanciamentos, reengenharias que os governos, vira e mexe, oferecem ou disponibilizam no intuito de fazer com que os devedores contumazes recolham os tributos devidos; fato é que, grandes inadimplentes ou exímios caloteiros pagam um tantinho de suas dívidas – o que, geralmente, deixa os governos felicíssimos -, depois dão uma parada enquanto esperam as próximas benesses estatais; pequenos devedores ou os mais recalcitrantes, parece que preferem esperar que seus débitos cresçam, e o círculo vicioso se realimenta. Aí vem aquele cidadão que se acha  mais esperto e inteligente que a média, e dispara: também, é “imposto” demais, ninguém aguenta; ao que um cobrador de tributos, já calejado e cansado de tanta lengalenga, refutaria: alguns aguentam, sim, amigo: os bons pagadores, aqueles que, muitas vezes, mesmo sendo vítimas de concorrência desleal, e sabendo que, para eles, quase nada é oferecido, continuam cumprindo suas obrigações, não apenas tributárias, mas junto a fornecedores, empregados; é que esses acreditam que o estado não sobrevive sem tributos; e é graças aos que assim pensam, que os governos vão tocando o barco; se essa corja de legisladores que, só demagógica e, hipocritamente, se diz defensora de uma tributação justa – mas que somente fica no plano das ideias – , pusesse mãos à obra, certamente, todos teríamos vida mais fácil; o pior é que eles sabem como conseguir isso, bastava que fizessem sua parte, criando regras, aprovando ou estabelecendo métodos, critérios, normas tributárias que permitissem a todos – senão à maioria – contribuir de forma proporcional a suas riquezas; isso evitaria ou, no mínimo, não permitiria que uns pagassem por outros, sendo que esses outros seriam os que deveriam pagar por uns.

                Por falar em cobrador de impostos, que em vez de publicanos, ganharam a pomposa alcunha de auditores e/ou fiscais, dizem que não há quem deles goste, verdadeiramente. Desconfio um pouco de qualquer regra ou norma que prega ou busca a generalização como objetivo último; conheço algumas pessoas que, ou apareceram nos meus caminhos antes de me tornar um fiscal de tributos, ou depois, e que dizem ter um grande apreço por essa categoria de servidores públicos; tomara estivesse equivocado quando digo que, particularmente, acredito que menos desgostam de nós aqueles aos quais conhecemos antes de ingressarmos no fisco ou de adotarmos essa profissão que, desculpem-me, ainda muito nos apraz.

                De fato, é normal, até porque há registros históricos que comprovam isso, colocar ao rés do chão mais sujo a espécie dos cobradores de impostos, as próprias escrituras sagradas fizeram isso; e olhem que, tanto ou mais no tempo dos césares do que hoje, os governantes cobravam tributos até de quem não os devia; ou alguém nunca ouviu ou leu que César tal, por haver gastado além da conta naquele evento particular, lançaria seus publicanos na praça para tentar recuperar a riqueza diminuída?

                No livro Tratado sobre a Tolerância, a respeito dos cobradores de impostos, citando São Mateus e, depois, concluindo, Voltaire assevera: “” Quem não escuta a igreja seja visto como um pagão e publicano”. Eles são malditos, é verdade, mas não são entregues ao braço secular. Longe de retirar desses cobradores de impostos qualquer prerrogativa de cidadão, foram-lhes dados os maiores privilégios. É a única profissão condenada na Escritura, e é a mais favorecida pelos governos”. Melhor não citar a edição nem a tradução do livro para que, pelo menos, os fiscais tributários mais irascíveis ou os que não leram a obra, não tomem o autor por um grande mentiroso, além de um hipócrita intolerante.

domingo, 5 de março de 2023

Seleta Piauiense - Danilo Melo

 


Parnahyba


Danilo Melo (1965)

 

Parnaíba, você está encantadoramente monótona

Parnaíba, você continua tristemente bela

Tudo o que quis foi te fazer feliz

Mas não será feliz, Parnaíba,

Enquanto não matares teus governantes fascistas.

Você parou no tempo, estou velho.

Parnaíba, mil pensamentos atropelam minh’alma

Por que você não esquenta?

—   Pedra do Sal, Praça da Graça, Rio Igaraçu, Lagoa do Bebedouro,

Sabiazal, Guarita, Portinho, Tatus, Filgueiras...

 Tenho telúrica, a idade de Hemingway junto aos republicanos pincelados por Van Gogh delirante.

Parnaíba, por que você não faz seus banheiros públicos?

Tenho que escrever meus poemas.

Habitam muito mais anarcróides entre o céu e a terra,

que supõem nossa sã hipocrisia.

Parnaíba, vi os garotos com sacos cheios de oitis

Quase choro, mais aí... safrei-me.

Onde estão tuas autoridades prostituídas?

Parnaíba, você não merece a Maria-Onça recitando seus poemas

Você não merece os santificados: Assis Brasil, Alcenor, Elmar, Ivelto, Jorge, Costa, Humberto de Campos, Wilton, Carlos e seus inúmeros beatificados.

Foda-se o que restou do Cassino 24, do fox-trot intragável.

Parnaíba, o povo não esquece o nome verdadeiro de cada bairro: Guarita, Tucuns, Coroa, Quarenta, Pindorama, Macacal... são eternos.

Parnaíba, quero arrancar novamente os tapumes da praça

Não vais sossegar.

Parnaíba, Teresina quer te engolir com a bunda, isso é meu. Reivindico a ação revolucionária de maio de 68

Parnaíba, estou gritando vitimado da química das tuas trezenas de Farmá­cias

Não chores por mim sua cretina.
Meu olhar está nu

Comendo bolo de milho e peixe na panela
Me entorpeço com o passar da donzela
Trazendo mil prazeres consigo reprimidos
Ah! Eu a desejo, e seus pudins de laranja.
Quero um teatro com eletricidade no palco

Quero um porto seguro Por que você é careta?

Morro de rir dos teus cidadãos e minhas baboseiras.

 

Oh! Princesa do Igaraçu

Você está falida, e levaram os postes ingleses da Rua Grande
Parnaíba, teus burgueses estão trepando na Munguba.
O Simplição era um bofe.

Parnaíba, assistia às aulas de crisma e lia Marx no intervalo.
Parnaíba, sou anarquista e pronto! porra!

 

Leio sempre Emma & Proudon
Emagreci 7 quilos fazendo este poema
Venderei o método aos capitalistas.

Parnaíba, vi de uma só vez: 50 favelas sem água, luz, piso, almoço,
café da manhã e porra nenhuma.

Você será feliz, como pretende tua juventude burguesa.

Você será poupada do castigo do grande espírito.

"PARNAHYBA, NORTE DO BRASIL", eu conheço essa história

Parnahyba, sejamos saudosistas, que permaneça o inesquecível.

Parnaíba, teus caranguejos estão acabando

Parnaíba, o Zé deve cantar seus Blues na Volta da Jumenta

O Inovação, escrever todas as verdades

A fundação, divulgar Assis Brasil

Permita-me tudo, dentro da lei

Parnaíba, você está doente dos seios

Sombrias "entre ruínas" te esperam

Parnaíba, eu resolvi pela paz

Sou um santo marginal escondido entre os outros homens à procura de uma inspiração verdadeira.

Cantando cantigas de dor no Porto das Barcas
Rezo por todos e sou estranho

Parnaíba, você escutou os suspiros da modernidade perdida em sintonia com a BBC.

Parnaíba, toneladas de quilos de razão e tecnologia mantêm a guerra,

A imediatice das máquinas e computadores arrombado.

Parnaíba, o que me prende aqui é apenas Atalaia e toda aquela pulsação.

Meu coração está cheio de poesia e carinho

Sou um bom menino e tão sensível quanto você.

Ainda corro atrás do folharal, na ilusão de encontrar felicidade pra nós

No entanto a Alfândega está faminta, e suja, e ameaçada...

Parnaíba, estão corrompendo um ciclo histórico.

Não deixe o rio secar, tenho de pular da ponte

E um monte de malinação

Parnaíba, intervirei em teu coração

Meu lado burguês pragmático conquistará teu terreno

teus olhos...

Pois o amor é o final de nossas contas.

E você me perdoará, estou certo

Parnaíba, curral ontem, curral hoje, curral sempre.

 

(Phb-verão 85/87)   

sexta-feira, 3 de março de 2023

Um bom, simpático e empático médico

 

Fonte: Google
Estagiárias, Chico Fidélis, Dr. Mateus e Remédios (sentada)


Um bom, simpático e empático médico


Elmar Carvalho


Não tive o prazer de conhecer o jovem médico Mateus Nunes Carvalho.

Soube de sua morte, vítima de acidente automobilístico, através da Fátima, que tomara conhecimento da infausta notícia pela TV. Por intermédio da Remédios, residente em Várzea do Simão, localidade que recebia os seus cuidados médicos, soube de outras informações que revelam seu caráter e personalidade. Devo dizer que aqui a palavra cuidado foi muito bem empregada, pois ele era um verdadeiro cuidador, como abaixo se verá.

Depois, soube pela internet e pela televisão, que ele viajava na companhia de seu pai, Flaviano, que sofreu apenas leves escoriações. Segundo essas informações, tinha apenas 28 anos e era casado com um médica, Raíssa, filha de uma médica. Não lhe conhecia os pais e não sei maiores detalhes de sua curta e benéfica vida. Mas desejo dizer algumas coisas sobre ele, que, julgo, valerão mais do que uma extensa biografia e um rico currículo vitae.

A Remédios relatou para minha mulher que uns quinze dias antes de seu falecimento o Dr. Mateus estivera na Várzea do Simão, onde temos uma pequena gleba de terra e um sítio. Ele disse que estava se despedindo, pois iria se mudar de Parnaíba para Teresina, onde faria uma especialização médica.

A minha cunhada contou que ele era de uma simpatia contagiante e que tratava muito bem seus pacientes. Era zeloso e devotado em seu serviço. As suas pacientes idosas gostavam muito dele, quase como se ele fosse uma pessoa da família ou um velho conhecido. Após consultar a Remédios, que além de idosa é cadeirante, em sua casa, disse que iria visitar mais outras duas ou três idosas. Fez as consultas na igrejinha de N. S. Aparecida, que minha mulher e outras pessoas abnegadas da comunidade vêm tentando construir, uma vez que não há um espaço próprio para atendimento médico.

Soube, pela mesma fonte, que ele parecia exultar com a beleza natural da Várzea. Contemplava as árvores e os pássaros, como se estivesse encantado. De tudo que a Remédios narrou, fico com a convicção de que o médico Mateus Nunes Carvalho, além de sua alegria e simpatia contagiantes, amava a sua profissão e os seus pacientes, e cultivava o dom da empatia para com todas as pessoas. Parecia não ser deste mundo de hoje, tão apressado e tão cheio de problemas e dificuldades.

Após encerrar as consultas, retornou para se despedir da Remédios; a abraçou e lhe beijou afetuosamente a cabeça, quase de forma filial.

Em magnífico poema elegíaco o poeta Augusto Frederico Schmidt disse que “os que se vão, vão depressa”. O Dr. Mateus se foi depressa demais. Curta demais foi a sua bondosa existência em nosso planeta. Talvez Deus tenha precisado dele numa de suas outras dimensões.

Fico com a leve impressão de que ao se despedir, porque iria morar em Teresina, estava se despedindo, na verdade, porque iria fazer uma viagem mais longa e sem retorno, para um lugar mais feliz, onde não existem nem lágrimas e nem sofrimento.   

quinta-feira, 2 de março de 2023

ROCHA FURTADO E OS PADRES UCHOA E CIRILO

Rocha Furtado, ao centro        Fonte: Google


ROCHA FURTADO E OS PADRES UCHOA E CIRILO


Elmar Carvalho


Lendo a excelente entrevista do ex-governador Rocha Furtado, concedida ao historiador Manuel Domingos Neto, contida no seu livro “O que os netos dos vaqueiros me contaram – o domínio oligárquico no Vale do Parnaíba”, admirei-me da severidade com que o entrevistado se referiu ao monsenhor Lindolfo Uchoa (Pedro II, 1884 – Teresina, 1966), que sempre foi considerado um dos grandes beneméritos da Educação no Piauí.

Foi vigário de Barras nos períodos de 1925 a 1941 e 1942 a 1957. Nessa cidade, em 1954, com a ajuda de irmãs da Ordem Mercedária do Brasil, fundou a Escola São Pedro Nolasco e o Patronato Monsenhor Bozon, assim como em Floriano fundou e dirigiu o Colégio “24 de Fevereiro”.

Vejamos o que sobre ele diz o historiador Wilson Carvalho Gonçalves: “Nele sobressaía também o educador, e nesta qualidade criou e dirigiu, por dez anos, o Colégio “24 de Fevereiro” – famoso em Floriano, e que preparou para a vida a juventude do tempo, dando-lhe estrutura moral, religiosa e intelectual. Gratíssima à notável obra, a Princesa do Sul nunca pode esquecer o gesto de benemerência de Monsenhor Uchoa – e lhe reverencia a memória com o nome aureolado em rua, em estádio, em grêmio escolar, em biblioteca, em estabelecimento de ensino, zelando a majestade de um patrimônio inesgotável de exemplos dignificantes”.

Cotejemos agora o que diz Rocha Furtado, referindo-se ao monsenhor e a seu educandário de Floriano:

“Aquele colégio era mais um campo de concentração do que um colégio. Nunca passei tanta fome e nunca pensei que um jovem adolescente pudesse ter tanta resistência para passar um ano comendo tão miseravelmente. Forçados pela fome, arrancávamos raízes de umbu e comíamos. O padre Lindolfo Uchoa, muito injustamente, é considerado um grande educador no Piauí. Ele não tinha a mínima noção do que fosse educador! (…) Várias vezes deixei de comer porque vinha bicho no prato e quem ia ser garçom tinha o direito de comer da comida do padre. Ele tinha uma mesa separada e comia as melhores iguarias. Os que iam servir-lhe tinham esse direito”.

Na entrevista, Rocha Furtado conta que todo mês eram abertas inscrições para quem quisesse disputar o cobiçado lugar de garçom da mesa do padre Uchoa, mas que ele e seu irmão Antônio sempre se recusaram a participar dessa disputa, que consideravam coisa de escravo. No depoimento, afirma que no ano em que foi interno desse colégio, em Floriano, só comeu bem no dia 7 de setembro de 1922, quando foi convidado a almoçar na casa do doutor Fernando Marques, uma vez que, “durante o resto do ano, passamos fome, vendo nos servir paneladas podres e as coisas mais abjetas”.

Entretanto, perguntado sobre se aproveitara alguma coisa no colégio do padre Uchoa, respondeu que os professores eram bons; que não tinha a menor ressalva quanto a isso; que ele e seus colegas aprenderam bastante e que foi um tempo muito útil para todos.

Faz elogios rasgados ao padre Cirilo Chaves, em cujo colégio estudou no ano seguinte (1923), dizendo que este era o tipo do educador, “um homem profundamente humano, democrata, agradável, honesto e sóbrio”. De quebra, ainda acrescentou que a comida do padre Cirilo, então suspenso da ordem, era bem superior à fornecida por Uchoa, e que Cirilo comia da mesma comida que era dada aos discípulos, “numa atitude democrática, de educador”.

Consultei o professor Roberto Freitas, nascido em 1929, e que estudou em Floriano, a respeito da comida do internato de monsenhor Uchoa, mas ele disse nada ter ouvido falar sobre o assunto, nem de bem nem de mal; aduziu apenas que o vigário foi uma figura ilustre da história da cidade, e que o colégio era respeitado e reconhecido como de boa qualidade, embora de disciplina rigorosa, como era comum na época.

Encerro acrescentando que a História do Piauí tem sido severa com Rocha Furtado, que foi tão implacável com o velho educador. Seu governo é sempre considerado como de poucas realizações, e como um período conturbado e intranquilo, com funcionários públicos aterrorizados com o fantasma de demissões e remoções.

Alega-se, em sua defesa, que ele não tinha maioria na Assembleia Legislativa, e que a oposição lhe criava dificuldades, mormente não aprovando seus projetos. Deixo a palavra final aos doutos e historiadores do Piauí.

8 de maio de 2010          

quarta-feira, 1 de março de 2023

Era uma vez: o encontro da Mentira com a Imaginação

 


Era uma vez: o encontro da Mentira com a Imaginação

 

Fabrício Carvalho Amorim Leite (*)

 

-Sou a Mentira, rainha das torpezas, das trapaças e do poder.

-É mesmo? Chamo-me Imaginação. Crio mundos da fantasia e educo às pessoas através da boa-fé e brandura. Revelo, de forma simples e diferente, a complexa realidade da convivência humana.

-De que adianta a boa-fé, se o mundo e os humanos são feitos de mentiras, hein, Imaginação?

-Ah, ah, ah! Imagino, sem trair a verossimilhança das coisas e realidade.

-Ajudo às pessoas a descobrirem as entrelinhas de seus mundos interiores. Faço as crianças, jovens e adultos sonharem. Crio mundos imagináveis, lindos quadros, obras de arte, poemas, contos de fadas e super-heróis. O belo.

-Enfim, molduro à existência dos aflitos, ajudando-os a superar seus traumas e dilemas. Fantasio estórias para brincar e contar coisas. Trago o bem. Sou parte de um plano maior do criador.

-Como é? Plano do criador? Desde quando também não faço parte? E às úteis mentiras sociais? Não seja arrogante...

-Já imaginou se os humanos falassem verdades e fossem honestos o tempo todo? E se disséssemos todas as verdades sobre os outros? Certamente, o mundo e a raça humana não conviveriam por causa do aumento das guerras e tristeza.

-Então, mesmo falseando falar verdades, acha que me engana, rainha das torpezas? Veja o personagem Pinóquio, criado para mostrar às crianças, jovens e adultos o lado ruim de mentir.... Com sua história, vimos os males trazidos por você.

-Pimbinlimpimpim. E Pinóquio mostrou que toda mentira tem perna curta. Não é verdade, Mentira?

-Entendo o seu lado, querida irmã, mas, eu sou do bem. Veja só: se você falou do lado ruim da mentira, é porque há um bom, também...

-Quê? Querida Irmã? Do bem? Já vem mentido outra vez. Não sou sua irmã e não venha com esta que é do bem. Seu pai é o diabo! Com este, não possuo parentesco!

-E você desvirtua, sem um pingo de ética, meus contos de fadas. Queres me iludir? Estes falsos afagos não me seduzem...

- Quando crio Pinóquio e a Rainha má, de Branca de Neve, trago simples alegorias e lições para combater você e a sua falsidade, entendeu? Ou possuí memória seletiva?

- É mesmo? Obrigada pelo sincero elogio. Porém, continuando com o assunto... Verdadeiramente, a Rainha má, de Branca de Neve, é linda, representa o belo. E, como Aristóteles “o belo é o esplendor da ordem”.

- Lá vem você, novamente. Usa, com atrevimento, uma velha falácia de autoridade, para tentar legitimar suas torpezas e distorcer a essência da personagem criada por mim!

- Pobre Aristóteles, está se mexendo no túmulo! O belo não é isto!

- Ah, é? A propósito da história. Recordo-me de uma cena linda na qual a Branca de Neve saboreia docemente uma rubra e brilhante acerola presenteada pela bela Rainha má. Admita, irmãzinha? Não é verdade?

-Bum! Peguei você, de novo, a Mentira tem perna curta mesmo! Quem, afinal, vai dar ouvidos a você, não é?

- O pseudofruto era, na verdade, uma maçã envenenada vermelho-sangue oferecida pela mentirosa bruxa e Rainha má...

- E, quer saber mais? A verdadeira perfeição e beleza vem depois, quando o príncipe encantado, com seu amoroso beijo, salva a meiga Branca de Neve do terrível feitiço!

- Está bem! Sinceramente, Imaginação, é culpa da minha memória ruim, estou ficando um pouco cansada diante séculos e séculos de ofício ...

-É verdade! Pelo menos, nisto, concordamos: a memória é a maior inimiga da mentira. Bom! Espero, o quanto mais rápido possível, dê entrada em sua aposentadoria. Adeus!

(*) Advogado e escritor.