domingo, 31 de julho de 2022

Seleta Piauiense - H. Dobal

 

Fonte: Google

No voo cortante da tarde

 

H. Dobal (1927 - 2008)

 

Dói o domingo

no ninho dos tédios.

 

Dói o verão:

esta pele seca

estirada

sobre os ministérios vazios.

 

Dói o clube

dos domingos.

Dói o rito

dos domingos:

o amargo esporte

de viver.

O amargo esporte

de esquecer.

 

Dói a divisão da vida:

o pão subtraído,

o peixe poluído,

a paz envenenada.

 

Dói o voo cortante desta tarde.

sábado, 30 de julho de 2022

O cajueiro



O cajueiro 


Carlos Rubem 


Ainda no meu curso primário no Grupo Escolar Costa Alvarenga, em Oeiras, no final dos anos sessenta, li num compêndio um resumo da sensível crônica “Um amigo da infância”, a qual é mais conhecida por “Meu cajueiro”, de autoria do escritor Humberto de Campos, o que me deixou enternecido.


Este maranhense de Miritiba (25.10.1885), cidade que hoje leva o seu nome, foi um grande polígrafo. Ocupou a Cadeira n° 20 da Academia Brasileira de Letras. Passou parte de sua infância e adolescência em Parnaíba. Faleceu no Rio de Janeiro no di 05 de dezembro de 1934, aos 48 anos de idade.


Quando conclui o ginásio no Colégio Estadual de Oeiras, hoje, Farmacêutico João Carvalho, em 1974, a minha turma empreendeu um passeio ao litoral piauiense. Dentre os pontos turísticos, visitamos aquela árvore chantada por Humberto de Campos, em criança.


Na meninice dos meus filhos, toda ver que ia a Parnaíba, invariavelmente, os levava para conhecer o aludido cajueiro. Fazia registros fotográficos.


Neste mês de julho que se esvai (2022), a minha filha Laís e o Rodolfo, marido dela, foram veranear em Luís Correia, cidade marítima do Piauí, vizinha a Parnaíba. Viajaram com suas gêmeas Helena e Olívia, 04 anos.


Ao retornarem, indaguei a mãe das minhas queridas netas se estiveram no reportado cajueiro, conforme recomendei.


— Pai, foi tão corrido que não tivemos tempo nem de ver árvore penteada. Hummm, resmunguei!


No dia 23 último, à noite, houve a instalação da Academia Piauiense de Cultura, agremiação da qual ocupou a Cadeira n° 11, sendo Possidônio Nunes de Queiroz (1904 - 1996), oeirense, o Patrono da mesma.


Com alguns confrades e confreiras, naquela manhã, fizemos um “city tour”. Estivemos na Lagoa do Bebedouro, o túmulo da poetisa Luíza Amélia, centro histórico, o famoso cajueiro de Humberto Campos, inclusive. Colhemos muitas imagens digitais.


Abaixo, transcrevo um excerto daquela crônica que me deixa sempre embevecido quando a leio:


“Aos treze anos de idade, e três da sua, separamo-nos, o meu cajueiro e eu. Embarco para o Maranhão, e ele fica. Na hora, porém, de deixar a casa, vou levar-lhe o meu adeus. Abraço-me ao seu tronco, aperto-o de encontro ao meu peito. A resina transparente e cheirosa corre-lhe do caule ferido. Na ponta do ramo mais alto abotoam os primeiros cachos de flores miúdas e arroxeadas, como pequeninas unhas de criança com frio.


— Adeus, meu cajueiro. Até a volta!


Ele não diz nada, e eu me vou embora.


Da esquina da rua, olho ainda por cima da cerca, a sua folha mais alta, pequenino lenço verde, agitado em despedida. E estou em São Luís, homem-menino, lutando pela vida, enrijando o corpo no trabalho duro e fortalecendo a alma no sofrimento, quando recebo uma comprida lata de folha acompanhando uma carta de minha mãe: "Receberás com esta uma pequena lata de doce de caju em calda. São os primeiros cajus do teu cajueiro. São deliciosos, e ele te manda lembranças".”  

Relato de um bêbado ao poeta

 

Fonte: Google

Relato de um bêbado ao poeta 


Sousa Filho

 

Se bebo num bar, minha mulher briga;

Se bebo em casa, ela briga;

Se não bebo e não saio, ela briga.

Se ela não briga...

... Eu estranho...

Não é a minha mulher, disse-me o ébrio.

sexta-feira, 29 de julho de 2022

NOMES E PRENOMES EXÓTICOS, EIS A QUESTÃO

Fonte: Google
 


NOMES E PRENOMES EXÓTICOS, EIS A QUESTÃO


Elmar Carvalho


Fui informado pela chefia do Cartório Eleitoral de que fora criada uma duplicidade de filiação por causa de um caso curioso. Duplicidade é quando um eleitor é filiado a dois partidos, o que não é permitido por lei. Em alguns casos, trata-se de pessoas diferentes, mas homônimas, mas logo se descobre a verdade através da filiação ou da data de nascimento. Porém, no caso que me foi informado, os pais tinham o mesmo nome e os dois filiados tinham nascido no mesmo dia.

Os sobrenomes eram os mesmos e os prenomes eram praticamente iguais. Eram Luiz e Luís. A mãe, no auge da empolgação materna e no afã de homenagear o santo que lhe teria feito uma espécie de milagre, batizou os gêmeos com o mesmo nome, homófonos e homógrafos, com a única diferença da troca de um z por um s. É claro que o problema será resolvido, mas foi criada uma situação embaraçosa, que poderá acarretar algum constrangimento aos envolvidos.

Contudo, tenho ouvido falar de situações mais graves, cujos nomes servem de zombaria e escárnio aos seus possuidores. Nomes como Flávio Cavalcante Rei da Televisão, Osama Bin Laden, Lady Diana devem provocar risos, ou até mesmo chacotas. Muitas vezes os pais sequer sabem pronunciar corretamente o nome do filho, quanto mais escrevê-lo. Antes de pensarem na satisfação que o exotismo e bizarrice desses nomes lhes causam, deveriam pensar nos problemas e traumas que eles poderão provocar em seu filho.

Numa das cidades em que trabalhei, ouvia falar em certo Jamim. Pensei que se tratasse, evidentemente, de Jaminho, cujo pai se chamasse James. Somente por ocasião de uma audiência, em que esse Jamim era parte, foi que descobri que ele de   fato se chamava James Dean, sendo ele naturalmente uma homenagem ao ator norte-americano. Acredito que o bisonho pai do menino Osama sequer soubesse ao certo quem era o verdadeiro Osama e a razão de sua triste e trágica celebridade.

Soube que em certa cidade do Piauí, uma mãe, por causa de uma promessa ao santo de sua devoção, deu o nome Raimunda Cândida da Conceição a cinco filhas. Criou uma verdadeira dinastia de Raimundas: a primeira, a segunda, a terceira... Não satisfeita com tantas Raimundas, batizou quatro filhos com o nome de Raimundo. Drummond, obviamente para rimar com mundo, disse que se se chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução. Haja tantas Raimundas e Raimundos!

Não sei por que razão, mas as pessoas de nome Raimundo parecem não gostar muito desse nome, e geralmente são chamadas de Rai ou Ray, Mundico, Mundoca, Mundinho ou simplesmente R. E as Raimundas, por causa da rima com certa parte protuberante e posterior do corpo, também são um tanto ariscas com esse nome próprio (ou impróprio?).

Todavia, há os que assimilam bem os seus nomes esquisitos e até os ostentam com glória e orgulho, como o João Bosta da anedota, que foi consultar o juiz a respeito de mudar o seu nome. O magistrado disse que a mudança, em seu caso, não só era permitida como até recomendável, e lhe perguntou sobre que nome gostaria de ter, ao que o consulente respondeu que gostaria de se chamar Pedro Bosta. Sua implicância, portanto, não era com o Bosta, mas com o João, talvez por causa da estória do João Besta.

Contudo, deixo a advertência aos pais: cuidado com o nome que irão dar a seus filhos. Lembrem-se de que quem irá usá-lo é o rebento, e é este que sofrerá as consequências de seu exotismo e excentricidade, através de risos, mofas, escárnios e zombarias. Consequentemente, é o filho que poderá amargar constrangimentos e mesmo traumas por causa de um nome próprio impróprio.  

7 de fevereiro de 2010

terça-feira, 26 de julho de 2022

Ser escritor

Fonte: Google

 

SER ESCRITOR

 

                                                                                   Francisco Miguel de Moura*

                                                                                               Escritor, da APL

            

            Que é ser escritor? Eis uma questão que gostaria de discutir em termos elevados, na sua parte intelectual, ética, espiritual, e não apenas no que se atém à matéria.

 Entretanto, como começo de conversa, diga-se que escritor não é profissão oficializada. Ninguém pode aposentar-se como escritor nem declarar a profissão na ficha do hotel, mesmo que viva com os rendimentos, o trabalho de escritor. Uma realidade não reconhecida. O escritor existe. E como existe!

            Pior é que, num mundo “globalizado” como o nosso, em que  profissões até bem pouco reconhecidas estão deixando de existir, e é possível que a profissão de escritor jamais venha a ser oficializada.

            Mas não deixa de ser fascinante saber-se que alguém, por um passe de mágica, consegue tirar um novo mundo de sua cabeça, apenas com os conhecimentos adquiridos, e através da palavra. Pode construir um estilo como Mário de Andrade, Graciliano Ramos, José Cândido de Carvalho, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto,  Fontes Ibiapina, O. G. Rego de Carvalho, Alvina Gameiro, José Saramago, Jorge Amado. Pode construir uma doutrina como Moisés, Jesus, Maomé, Gandhi...

            Ser escritor é ser perigoso porque é lutar com a liberdade. Embora tenha dito Drummond que  “lutar com a palavra é a luta mais vã”, não é tão vã assim, senão muitos não se honrariam de ser romancistas, contistas, poetas. Ser escritor é ser inventor de palavras, de discurso. E ser inventor é ser poeta.

            Eu prevejo um mundo feliz assim, em que todos, ou quase todos, busquem suas origens e a origem das coisas, em que todos serão poetas, criando e recriando mundos.  Porque Deus foi poeta. Cristo foi poeta. Poetas foram todos os profetas, inclusive Che Guevara, nas Américas. Para que poesia mais completa do que o Sermão da Montanha?

            De alguém que sabendo ler, escrever e contar, e além disto dê a maior parte de sua preocupação vital para escrever poemas, de alguém que seja assim nunca ouvi falar que tenha entrado para o mundo do crime. O mundo da  poesia é um mundo espiritualizado, que saiu da imundície e galgou o céu. Já o mundo do homem que se entrega ao crime, seja pela droga, seja através de  sequestros, assaltos, etc. é um mundo de derrotas, de descida ao inferno. Mundo infeliz. Vejo os criminosos como pessoas que desceram à  condição mais vil, mais primitiva a que possa chegar o homem. E poucos, por isto mesmo, têm volta.

            Os escritores são os donos da palavra. Quando os discursos ficam velhos eles inventam outros, e os renovam. São antenas ligadas a tudo o que acontece no mundo, a fim de que, diante das novidades, e principalmente do novo, coloque o seu discurso simbolizante. Não se trata daquela palavra fixa, pedra, que não amolga. Nada disto. A palavra do escritor é a imagem do homem e da sociedade, é a vida na sua fluidez, tanto para diante como para trás, para dentro como para fora, buscando o mítico, o desconhecido ser que somos e seremos por muito, muito tempo.

            Portanto, zombem quanto queiram do escritor, do poeta, do comunicador. Seja através do jornal, da revista, do livro, do computador, da internet, ou pela palavra falada na televisão e no rádio, é sempre a sombra do escritor que acompanha. A palavra falada, quando escrita, ganha outra vida. Não há história sem palavra, sem arte. Não há ciência sem arte, sem palavra. Não há vida sem palavra. Ela é o nosso sinal. O verbo é que fez o homem. É que faz o homem.

            Eis, portanto, a razão do mistério do escritor, do poeta. Da auréola de grandeza, de força, de beleza, de poder que o cerca.

            Quando não houver mais a palavra escrita, o homem civilizado desaparecerá da face da terra, e sobre esta reinará a treva, como no princípio. Não esperemos que um dia a profissão seja oficializada. De qualquer forma ela é divina, desejada, amada, odiada, mas sempre um símbolo da alma. 

 

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*Francisco Miguel de Moura é escritor brasileiro, mora em Teresina e tem endereço eletrônico: franciscomigueldemoura@superig.com.br  

segunda-feira, 25 de julho de 2022

Rosa das Bonecas



Rosa das Bonecas


Pádua Marques

Contista, cronista e romancista

 

Era de chegar bem cedinho na praça do Coronel Jonas e esperar as colegas vendedoras de temperos vindas dos Morros da Mariana irem chegando e montando os tabuleiros de tomates, murici, cebola verde, mariscos e até siris. Mas isso era duas vezes, quando muito, sábado e domingo. No resto da semana era de ficar em casa fazendo suas bonecas de pano, correndo atrás de linha e de tecido, alguma chita bonita, algodão pra encher e nos trabalhos de casa cuidar do filho Sebastião, um menino de oito anos, cego de nascença e que dava muito trabalho.

Rosa, Rosa dos Santos, Rosa de dona Raimunda, a Rosa das Bonecas. Todo mundo conhecia e sabia aonde ficava seu ponto de venda na praça do Coronel Jonas. Pegado o dia e o sol tinindo lá estava ela e suas companheiras trabalhando. Ali mesmo ia fazendo suas bonecas de pano entre um rasgo de tempo depois de atender uma ou duas pessoas. Era o que lhe garantia algum trocado no final da manhã, uns poucos cruzeiros que iriam pra bolsa de couro miúda e amarrada na cintura.

Um dia chegou a vender cinco bonecas de uma só vez pra uma freguesa, pelo que parecia gente de fora, vinda do Rio de Janeiro. Decerto era mulher de algum grandão do Moraes e que se admirou daquela sua arte. A freguesa, muito fina, branca, de roupa boa, que estava na ocasião acompanhada de uma outra pessoa, esta mais feia de feição e que deveria ser sua parente em Parnaíba, levaria as bonecas como presente pra alguma afilhada. Rosa ficou satisfeita.

Não tanto pela explicação daquela mulher cheirosa e de roupa boa sobre as bonecas. A mulher disse e repetiu que aquele seu ofício era raro e estava desaparecendo. Rosa estava feliz porque naquele dia e no final da manhã quando fosse embora pra os Campos, tinha cinco cruzeiros na bolsa. Aquilo não acontecia todo dia de feira! Igual muita gente que conhecia, não criou ambição de fazer mais bonecas. Não iria arriscar enchendo a banca de mercadoria e depois aquilo ficar empancado por semanas. Se bem que não era coisa de apodrecer. Tinha cabeça pra negócio. Sabia calcular riscos.

As companheiras vindas dos Morros gostavam de Rosa. Era das quatro mulheres naquele ponto da praça do Coronel Jonas, aquela que mais sabia das coisas. Conhecia e se dava com gente de dentro da rua, prefeito, professor esse e aquele, doutor, delegado. Sabia o que andava acontecendo na Parnaíba. As quatro mulheres passavam a manhã inteira naquele terror de sol falando alto, cumprimentando um conhecido, soltando uma brincadeira pra um compadre mais adiante. 

E as bonecas ali enfileiradas no tabuleiro. Uma aqui de vestidos branco, outra de vestido azul, mais adiante era uma de vestido encarnado, de bolinhas miúdas, de blusas amarelas. Aqueles olhos das bonecas pintados, puxados e grandes como se estivessem assustadas com aquela gritaria dos homens que vendiam arroz, feijão, galinhas vivas, alpercatas, farinha branca e de puba, manjubas e tapiocas. As bonecas ficavam ali entre silenciosas e comportadas quando chegava uma mulher acompanhada da filha e apontava pra elas. A freguesa se admirava, comprava e pedia que a menina incontinenti desse um nome pra essa ou aquela. 

Às vezes comprava sem antes reclamar do preço. E lá ia a boneca de vestido de chita amarela com a menina, sua nova dona. As outras bonecas ficavam tristes porque perderam pra sempre uma colega de tabuleiro. Ninguém nunca mais iria saber dela, se estava bem cuidada, se a menina já em casa ousou trocar suas roupas ou com o tempo ficou esquecida dentro de uma gaveta, se foi jogada perto de algum gato e foi rasgada por ele. Mas era o destino das filhas de Rosa das Bonecas. 

Rosa nunca parou um dia na vida pra pensar no que pensavam ou conversavam aos cochichos suas bonecas enquanto ela ia montando uma a uma ou quando na feira elas eram oferecidas pra alguém interessado. No fim da manhã de sábado ou no domingo ela e suas bonecas de pano tomavam o rumo de casa. Na semana, de segunda a sexta, outras bonecas mais magras, gordas, alegres e sisudas iriam se juntar na mesa de costura. 

Nunca Rosa foi de calcular quantas filhas de pano foram feitas até aquele dia. Mas no Natal vendia muitas. As meninas vinham de todos os cantos de Parnaíba trazidas pelo pais ou a mães pra ver os presentes e as vitrines da Rosemary ou da Casa Cristino. Tudo era mágico naquela praça da Graça. As meninas tardavam o passo admiradas com tanta luz e beleza. Mas acabavam mesmo era ganhando uma boneca de pano feita pela Rosa das Bonecas.

(Conto extraído do livro Os Três Degraus)

domingo, 24 de julho de 2022

EGOCENTRISMO

 


EGOCENTRISMO


Elmar Carvalho

 

Eu sou um homem,

diante do qual,

curvo como um

servo capacho,

eu tiro meu chapéu,

que nem sequer tenho.

Eu vendo minha

imagem refletida

no espelho não mágico

de meu quarto,

curvo-me a mim mesmo,

como um eunuco do harém

perante o sultão.

E aquela imagem,

curva ante mim,

é minha maior homenagem

que me presto.

Eu me aproximo

do espelho,

até que minha imagem egocêntrica

seja projetada no infinito.  

sexta-feira, 22 de julho de 2022

EM REGENERAÇÃO, AO PÔR DO SOL

 

Fonte: Google

EM REGENERAÇÃO, AO PÔR DO SOL


Elmar Carvalho


Ontem, ao sair do trabalho, de tardezinha, estava um tanto melancólico. Por isso mesmo, resolvi dar uma volta de carro até o início da Chapada Grande, seguindo pela estrada que vai de Regeneração para Oeiras. O entardecer, na zona rural, em que se percebe com mais intensidade o cair da noite, sempre me entristece um pouco. Acho o amanhecer sempre mais alegre; até o cantar das aves me parece mais festivo, com a luz surgindo e fazendo tudo ressurgir.

O cair das trevas é quase como se fosse um aniquilamento de tudo, com as coisas e a paisagem desaparecendo na escuridão. É como se fosse a antecipação ou o ensaio da morte. Dizem que o sono é uma pequena morte, mas o sono nunca me causou tristeza. Ao contrário, a falta dele é que causa uma certa ansiedade e até mesmo graves problemas psicológicos nas pessoas que têm dificuldade em dormir. Isso porque sentimos vontade e mesmo necessidade de dormir.

Bandeira, num de seus poemas, fala que quando fora dormir, em certa noite de São João, havia conversa, risos, luzes, mas quando acordou, alta madrugada, já nada disso havia, porquanto estavam todos dormindo, dormindo profundamente. Há o dormir mais profundo, o dormir da noite eterna, o dormir da morte, de que jamais se acorda.

Suponho que essa nostalgia ao entardecer é um sentimento atávico, ancestral, entranhado na alma e numa espécie de memória genética, se é que assim me posso exprimir, que aparentemente surge sem razão e para o qual não se encontra fácil e instantânea justificativa. Contudo, creio que o tombar da noite, nos lugares em que não existe luz elétrica, lembra o caos primordial em que nada existia, mas do qual tudo surgiu.

Um caos primordial às avessas, que tudo vai destruindo, que tudo vai reduzindo a nada, porque as coisas vão desaparecendo de nossa vista, como se deixassem de existir de fato, e não apenas para a nossa percepção visual. Embora tenhamos fé numa outra vida, a morte nos entristece pela saudade que sentimos da pessoa que não mais veremos. A separação pela distância nos deixa triste, mas acalentamos a esperança de que sempre poderemos rever a pessoa amada.

Talvez fiquemos tristes ao crepúsculo porque é como se as coisas morressem ao desaparecer nas trevas, e a noite se nos afigurasse como uma espécie de antecipação da morte; da morte de nós mesmos, e da morte do mundo que perderemos com a nossa morte. Mas, parafraseando a letra viniciana, chega de tristeza, chega de saudade.

6 de abril de 2010

Tudo azul!




Tudo azul!


Carlos Rubem 


Gente, a tia Amália, 98 anos, é muito interessante. Jacta-se em dizer que é PROFESSORA! 


Quando um ex-aluno a cumprimenta, envia-lhe carta, cartãozinho, um mimo qualquer, passa dias a comentar esta gentileza. Anda em estado de êxtase por ter recebi o livro Alvorada de Pássaros, de autoria do Dr. João Orlando Ribeiro Gonçalves,  que o alfabetizou. Considera-o exemplar discípulo.


Agora mesmo de manhã (19.07.2022), estive na casa do vovô Joel Campos. Encontrei-a no seu escritório onde há muitos livros, revistas, fotografias de parentes, bibelôs e outras quinquilharias.


Estava anotando o significado de diversas palavras, ao tempo em que fazia viagens ao dicionário. Com seu jeitão de mestras do tempo antigo, costuma dizer que não podemos prosseguir qualquer leitura sem saber a propriedade de cada termo.


Está prestes a completar 99 anos no dia 10 de setembro vindouro. Anda preocupada em fazer a escolha do cardápio visando oferecer um jantar à sua família e pessoas amigas.


Mas o que está mesmo motivando-a é a comemoração do seu centenário no ano seguinte.


Já tem em mente o modelo de sua roupa, sapato, joias e tudo o que tem direito. Vai usar um vestido azul da cor do manto de Nossa Senhora, como diz. E gostaria que seus convidados trajem-se indumentária na referida tonalidade.


Como se vê, tem planos a cumprir. Vive sonhando horas sem fim!   

terça-feira, 19 de julho de 2022

SE HÁ CRIME, PRECISA HAVER PUNIÇÃO

Fonte: Google

 

SE HÁ CRIME, PRECISA HAVER PUNIÇÃO

 

Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)

 

                O jornal publicaria, provocando certa comoção coletiva, que um grave acidente com oito mortos – incluindo um recém-nascido e a mãe – teria ocorrido em rodovia que liga dois municípios piauienses, e o que o provocara, até onde se sabia, havia sido animal solto na pista, fazendo com que veículos, na tentativa de não o abalroarem, se chocassem, incendiando-se e carbonizando cinco pessoas de uma mesma família, três de outras e ferindo cinco, que foram hospitalizadas.

                Oportunamente, a prefeitura de um dos munícipios citados, segundo a mídia, teria emitido nota de pesar sobre o acidente, solidarizando-se com familiares dos mortos e feridos. Parlamentares piauienses lamentaram a tragédia e se uniram às famílias enlutadas, principalmente, à de um deles, funcionário de uma das municipalidades.

                A consequência irônica do nefasto acontecimento, e das mortes ocorridas – se é que outras não aconteceriam, dentre as graves vítimas hospitalizadas, em razão, ainda, do mesmo acidente -, ao que parece, é que tudo ficaria como dantes, por isso mesmo, sem punição aos proprietários/donos do animal que o teria provocado. Não se falou, pelo menos na mesma reportagem escrita, nenhuma linha sobre a tentativa de localização dos indivíduos, indiretamente, causadores da tragédia – se é que não teriam causado outras no passado – de modo a imputar-lhes a culpa, bastando para isso, que não restasse dúvidas de serem eles os donos/responsáveis pelos animais soltos, não presos, abandonados às margens de estradas e rodovias, envolvidos em acidentes – nesse, e em tantos outros ocorridos nas vias e estradas do Piauí e/ou Nordeste -, por conta das mortes e feridas que seriam, facilmente evitadas, se eles fizessem o mínimo que lhes cabe: recolher seus animais aos espaços adequados, retirando-os de locais onde somente perigo poderiam causar.

                Não podem ficar ou continuar impunes criadores que, irresponsavelmente, soltam seus animais para pastarem e se alimentarem fora de suas propriedades. Já é absurda a preocupação que os motoristas/condutores precisam dispensar durante suas viagens ou deslocamentos em estradas de grande fluxo, não muito bem conservadas, à incalculável quantidade de sensores e pardais eletrônicos, às vezes, inadequados; quebra-molas, sinalização ausente ou prejudicada por atos de vandalismo; ainda ter que dedicar especial atenção a animais que vagam, erraticamente, pelas mesmas. Ninguém é obrigado a criar gado, cavalo, jumento, porco, carneiro, bode, cachorro, gato, notadamente, próximo a elas; mas quem o fizer, precisa entender que será responsabilizado pelos acidentes que causarem por estar soltos no local e hora errados.

                A mesma edição do jornal citaria outro trágico incidente: o de um agente penitenciário federal, criminoso, que matara um guarda municipal, tesoureiro de partido político e ativo participante do mesmo, após invadir reunião festiva que a vítima realizava em homenagem aos cinquenta anos de idade que fazia na ocasião; resta saber se, conforme foi noticiado, e depois negado, o assassino também haja morrido, eis que, pelo que se soube, mesmo bastante ferido na tentativa exitosa de execução, previamente anunciada, perpetrada por seu algoz, ainda teria conseguido desferir tiros certeiros no facínora; inconteste é que o caso precisa ser, celeremente, apurado, esclarecido e, se vivo, punido o criminoso, de modo a se tentar coibir com o rigor necessário, tanto mais por conta do período de intensa campanha política que se está vivendo, qualquer tipo de violência parecida com a descrita; pois, a partir do que veio a público, soube-se que assassinado e assassino seriam simpatizantes dos principais partidos que, ora, digladiam, eleitoralmente.

                Outra ação e decisão não se espera diferente nos dois casos supracitados - a morte de oito pessoas carbonizadas em decorrência de acidente automobilístico provocado, talvez, por animal de grande porte solto no leito da rodovia por onde circulavam os veículos sinistrados; e o frio assassinato do guarda municipal no Paraná -, que não seja punição severa, tanto para o irresponsável proprietário do animal causador das mortes e dos graves ferimentos em outras vítimas, caso fique comprovado que, de fato, a causa teria sido a presença do animal na pista; quanto do agente penitenciário, uma vez a natureza não haja tomado as devidas providências, também lhe tirando a vida.

                Que outro nome dar, senão impunidade, a isto? O tratamento jurídico-legal concedido a meliante que, condenado pela morte de estudante em assalto, dias depois, agindo, livremente, com seu bando, teria participado de roubo de carro e que, em vez de prisão, receberia como punição o uso de tornozeleira eletrônica, à qual romperia, conforme descobriria a polícia quando, novamente, o apreenderia, dessa feita, por haver roubado arma de policial, devolvida pelo advogado contratado para requerer, e conseguir sua liberação, sob alegação de que havia se esgotado o prazo legalmente estabelecido para uso do flagrante de prisão? Soa estranho, pelo menos paras leigos, o fato de que, mesmo após todos os crimes descritos e, certamente, tantos outros não citados, não existir contra o mesmo, nenhuma ordem de prisão aberta; talvez, só alvarás de soltura. 

Chega de passar a mão na cabeça, desculpar ou tomar por coitadinhos, mesmos os que, por vias transversas ou, indiretamente, cometem crimes ou contribuem para que ocorram; coitadinhas são as vítimas deles.  

segunda-feira, 18 de julho de 2022

Acadêmico Reginaldo Miranda profere palestra com temática indígena




Acadêmico Reginaldo Miranda profere palestra com temática indígena

 

No último sábado (16/7) o acadêmico Reginaldo Miranda esteve no povoado São João de Sende, município de Tanque do Piauí, onde proferiu palestra sobre a criação e extinção de um aldeamento indígena de igual denominação, que ali fora fundado no ano de 1765, pelas tropas militares do Piauí.

O aldeamento indígena teve a duração de 21 anos, sendo extinto em 1786, quando os indígenas foram levados para outro aldeamento denominado São Gonçalo, hoje cidade de Regeneração.

São João de Sende foi assim denominado em homenagem ao governador João Pereira Caldas, que autorizou a fundação do lugar. Foi o tenente-coronel João do Rego Castelo Branco, quem comandou as tropas militares que capturaram os indígenas guegueses no vale do rio Uruçuí, sudoeste do Piauí. Por essa razão, foi ele também o primeiro diretor do aldeamento, depois substituído pelo filho Antônio do Rego.

Reginaldo Miranda discorreu sobre esses fatos em primorosa conferência, fazendo um resgate da história da nação indígena dos guegués desde os primeiros contatos com os agentes da Casa da Torre até seu completo aniquilamento, na primeira metade do século XIX. Miranda tem se dedicado a esse tema já tendo publicado diversas obras sobre o assunto.

A palestra fez parte do IV Festival Cultural de São João de Sende, organizado pela Prefeitura Municipal de Tanque do Piauí. O evento contou com vasta programação, onde participaram outros palestrantes, a exemplo de Júnior Viana, Romão da Cunha Nunes, Valdo Benedito, Jota Sousa e Anchieta Nunes. Danças regionais, comidas típicas e exposição de livros marcaram os três dias de festival. O prefeito Tiel Sales e a secretária municipal de cultura, Simone Nunes fora inexcedíveis em sua organização. O evento foi iniciado em anos anteriores pela iniciativa de particulares, à frente o médico-veterinário Romão da Cunha Nunes e o agente cultural Sebastião Carvalho, tendo a gestão pública, neste ano, abraçado a ideia e organizado o festival em grande dimensão. O evento teve início na sexta-feira com apresentação de artistas locais e encerrou no domingo, com torneio de futebol entre times da região.

A região guarda muitos vestígios da presença indígena, inclusive algumas ruínas de construções antigas: igreja, casa do padre e do diretor do lugar, dentre outras, além de interessantes formações rochosas. Em sendo devidamente catalogadas e estudadas servirão para esclarecer fatos da história piauiense, assim como para fomentar o turismo cultural.    

APRESENTAÇÃO DO LIVRO HISTÓRIA DE TERESINA

 



APRESENTAÇÃO DO LIVRO HISTÓRIA DE TERESINA


Teresina Queiroz

Historiadora e escritora

 

Nos anos 1920, os profundos revisionismos das formas até então aceitas de conhecimento sobre o mundo resultam em notável giro cultural. Esse giro dá as costas a grande parte da herança oitocentista, havendo assim um recuo de teorias consolidadas, modificações no campo da política e alterações nas crenças, no seu sentido mais amplo. Nesse conjunto de deslocamentos gestam-se as noções “novas” de organização do corpo social, bem como outros códigos de legitimação do conhecimento. As for- mas anteriores, ditas “velhas”, serão vergastadas não apenas na esfera da política, mas sobretudo nas formas de significação do mundo. Nesse cenário, as reconquistas feitas pela Igreja Católica deslocam antigos valores do catolicismo iluminista, desqualificam as práticas da religiosidade popular e silenciam cada vez mais os discursos anticlericais, assim como fustigam parte dos valores racionalistas. Ao mesmo tempo, no campo da cultura intelectual e artística, seguindo modelos das vanguardas europeias, explodem os modernismos artísticos e literários. No Brasil, com a Revolução de 1930, sacramenta-se esse desprezo pelo passado e assume-se a apologia do novo e a presença efetiva do século XX.

Os vendavais modernizadores e as inclinações modernistas do século XX produzem o apagamento da memória e o abandono de grande parte das escritas e do interesse por autores vindos do final do século XIX e início do século XX. Verifica-se aí uma cisão e um esquecimento de boa parcela do passado. As gerações da segunda metade do século XX, já distanciadas daquelas disputas e daquelas dores, sentem falta desse passado, inquietam-se com o silenciamento daquelas vozes e procuram ouvi-las. Nessa audição primeira, o estranhamento prepondera. Em paralelo às camadas de reconhecimento das experiências comuns, emergem as percepções de mundos que se perderam. Essa dialética do comungar e estranhar marca seguramente nossa relação com esses textos do passado.

Clodoaldo Freitas pertence àquelas gerações esquecidas e silencia- das. Sua extensa obra adormeceu em velhas coleções de jornais do norte do Brasil, por muitas décadas. Apenas no final dos anos 1980, ressurge o interesse por sua escrita. Essa redescoberta da obra e seu novo consumo cultural têm início com a publicação do História de Teresina (FREITAS, 1988), pela Fundação Cultural Monsenhor Chaves em 1988.  Nos anos 1990, ocorrem a publicação da segunda edição do livro Em roda dos fatos (FREITAS, 1996) e a segunda edição do Vultos piauienses: apontamentos biográficos (FREITAS, 1998).

Ao tempo em que a Fundação Cultural Monsenhor Chaves editava o História de Teresina, dei início à pesquisa mais sistemática sobre a obra de Clodoaldo Freitas, que já estudava desde o ano anterior para a composição de trabalho acadêmico na Universidade de São Paulo (QUEIROZ, 1988). Os anos seguintes foram dedicados aos trabalhos de pesquisar, transcrever, datilografar, digitar e catalogar os resultados das buscas em diferentes locais, entre eles, Teresina, São Luís, Fortaleza, Belém, Rio de Janeiro, São Paulo e Recife. Entre 1987 e 1992, foram localizadas mais de 800 matérias assinadas por Clodoaldo Freitas, ora com o próprio nome, ora com o uso de pseudônimos. Entretanto, o trabalho mais intensivo com essas matérias, tendo em vista a publicação de livros impressos ocorreu a partir de 2007, no âmbito do projeto de pesquisa Escrita e Sociedade: os homens de letras e suas múltiplas produções, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) e pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). No âmbito do projeto, ocorreu a preparação dos livros de Clodoaldo Freitas originalmente publicados na imprensa sob a forma de folhetim.

A publicação da obra literária inédita de Clodoaldo Freitas teve início em 2001. A preparação dos originas de O Bequimão (FREITAS, 2001) resultou de uma solicitação do presidente da Academia Maranhense de Letras (AML), Jomar Moraes.  A AML preparava, em convênio com o go- verno daquele estado, parte da produção da Coleção Maranhão Sempre.

No início do milênio, as formas de recuperação, preparação e manuseio de fontes primárias já haviam passado por sua revolução tecnológica. As cópias manuscritas tornavam-se relíquias medievais e os textos datilografados já não tinham função em um acervo. Face a essas mudanças, no ano de 2000, dei início à digitação de todo o acervo de obras de Clodoaldo Freitas resultante da pesquisa para a tese Os literatos e a República (QUEIROZ, 1992). A pesquisa mais intensiva acontecera entre os anos de 1988 e 1992, ainda subordinada ao processo de cópias manuais nos arquivos físicos e teve continuidade nos anos posteriores, especialmente durante a década de 1990. Assim, o acervo fora transcrito manualmente e datilografado ao longo de mais de uma década.

Por volta de 2007, a AML preparava as festas comemorativas de seu primeiro centenário, que ocorreriam no ano de 2008. No âmbito das publicações festivas apareceu a série Fundadores, homenagem da instituição aos seus criadores. Clodoaldo Freitas foi contemplado com a primeira edição do livro O Palácio das Lágrimas (FREITAS, 2008b), que recebeu o número 7, na coleção. A preparação dos originais foi realizada no âmbito do projeto Escrita e Sociedade, socializando mais uma vez a pesquisa realizada em anos anteriores e configurando a parceria entre a AML e o referido projeto. O projeto de pesquisa Escrita e Sociedade: os homens de letras e suas múltiplas produções, tinha como objetivo, dentre outros, organizar e publicar a obra literária de Clodoaldo Freitas e apresentá-la a novos leitores e pesquisadores. Objetivo adicional era o de constituir esforço coletivo de investigação e contribuir para a formação de discentes dos cursos de Licenciatura Plena em História, Licenciatura Plena em Letras, do Programa de Pós-Graduação em História do Brasil (PPGHB) e do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Piauí (PPGL) como pesquisadores. Uma de suas metas era ampliar o espectro da cultura do passado, conferindo-lhe visibilidade e permitindo a exploração científica e literária de obras até então inéditas, por estudiosos de diferentes disciplinas, compreendendo o estudo das relações entre os campos da História e da Literatura. A obra literária de Clodoaldo Freitas era revisitada também com o propósito de expandir o conhecimento das conexões entre as experiências sociais e a produção intelectual da virada do século XIX para o século XX, possibilitando explorar as virtualidades da história contidas no produto literário. O Projeto contou com bolsistas dos cursos acima referidos.

Ao longo da pesquisa para a tese de doutorado já havia localizado 46 textos literários desse autor. Quarenta e três desses títulos foram seleciona- dos e compuseram oito volumes publicados entre os anos de 2008 e 2010, a saber: Memórias de um velho (FREITAS, 2008a); O Bequimão (FREITAS, 2009b), Os bandoleiros (FREITAS, 2009c), Por um sorriso (FREITAS, 2009d), Coisas da vida (FREITAS, 2009a) e Um segredo de família e outros contos (FREITAS, 2009e); O Palácio das Lágrimas (FREITAS, 2010b) e Os Burgos e outros contos (FREITAS, 2010c). Na sequência dessas publicações também editamos Biografia e crítica (FREITAS, 2010a), coletânea privilegiando biografias de literatos, crítica literária e cultura popular.

A publicação desses romances-folhetins e sua divulgação propiciou o surgimento de dezenas de artigos científicos, apresentações em eventos, monografias e dissertações sobre Clodoaldo Freitas, abordando diferentes aspectos de sua extensa obra. Tomamos como exemplos os trabalhos de Antônio Fonseca dos Santos Neto, Maria do Socorro Rios Magalhães, Pedro Vilarinho Castelo Branco, Paulo Gutemberg de Carvalho Sousa, Mara Lígia Fernandes Costa, Neusa Maria Sales Brito, Ramon de Araújo Rodrigues, Angélica Vieira Santos e Camila de Macêdo Nogueira e Martins Oliveira.

Na Academia Piauiense de Letras (APL), a partir dos anos 1900, Celso Barros Coelho é o acadêmico que mais escreve sobre Clodoaldo Freitas. Foi responsável pelo capítulo sobre ele no livro Os fundadores (COELHO, 2018, p. 83-100). Coordenou, em 2005, as comemorações dos 150 anos de Clodoaldo Freitas; publicou artigo sobre ele na Revista Presença (COELHO, 2006, p. 8-12). No âmbito da Coleção Centenário da Academia Piauiense de Letras foram publicados publicadas a terceira edição de Em roda dos fatos (FREITAS, 2011), a terceira e a quarta edição de Vultos piauienses: apontamentos biográficos (FREITAS, 2012; FREITAS, 2014), a segunda edição de Os fatores do coelhado (FREITAS, 2019b) e A Balaiada (FREITAS, 2019a).

No conjunto dos livros publicados por Clodoaldo Freitas, o História de Teresina, agora em segunda edição, é o mais documentado, no sentido de ser tributário de grande e variada pesquisa arquivística – realizada em documentos oficias como relatórios de presidentes da província, mensagens dos governadores do estado, coleções de leis e decretos, leis orçamentárias, atos de nomeação e demissão de funcionários públicos, relatórios técnicos de engenheiros e construtores e correspondências diversas de agentes ligados ao Estado Imperial e à administração da coisa pública. Verifica-se também o uso da fonte hemerográfica, evidentemente tudo permeado por modos próprios de significar essas fontes e adicioná-las às suas lembranças e sensibilidades afetivas e políticas. O livro guarda certa tensão entre o tributo às fontes escritas e os posicionamentos dos antigos liberais que persistem no âmago da memória dos seus afetos e desafeições. Verifica-se busca de equilíbrio entre o radicalismo político de marca oitocentista e alguma contemporização episódica com o poder nos tempos republicanos.

Os livros têm sua história. Com este não é diferente. No final dos anos 1980 fizemos a transcrição do folhetim diretamente dos exemplares (ainda se pesquisava manuseando os jornais físicos) do Diário do Piauí.  Feita a cópia manual, que levava dias, a depender da extensão do documento, as matérias foram inicialmente datilografadas e, seguindo a evolução tecnológica em curso, aplicada ao trabalho do historiador, o volume foi digitado, tendo em vista a publicação na forma de livro. Entretanto, verificamos que havia muitas falhas e lacunas nas cópias, tornando imperativo o retorno ao Arquivo Público do Piauí. Mudanças na política de consulta já não possibilitavam o acesso direto aos jornais. O fato de o Arquivo dispor dos microfilmes produzidos pela Biblioteca Nacional não foi suficiente, pois a instituição não dispunha das máquinas leitoras apropriadas ao uso dos rolos de microfilmes. Assim as coisas foram não acontecendo, até que outras novas tecnologias viabilizaram as correções do texto, na medida do necessário à produção de uma revisão detalhada e rigorosa.

Nesse passo do cotejo entre o material já em parte produzido e as revisões finais de que resulta esta edição, utilizamos os recursos valiosos da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Com esses recursos foi possível preencher informações, conferir a completude das cópias anteriores e estabelecer o texto com o maior grau de fidelidade possível a empreendimento dessa natureza. Esse acesso permitiu recuperar as citações na sua exatidão e indicar as fontes respectivas, descobrir e apresentar alguns equívocos do autor, ao realizar suas próprias transcrições de fontes e deixar bem remarcado para o leitor onde estão as falas documentais e as partes dos textos propriamente de autoria de Clodoaldo Freitas. Essas distinções não eram muito nítidas na leitura da fonte em seu veículo original e sob a forma folhetim. Com esse procedimento, buscamos facilitar a compreensão dos textos, desde que os leitores atuais já os consomem debaixo de convenções muito próprias, em que os regramentos, inclusive da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), constituem metalinguagem consensual no mundo acadêmico. Nas regras de estabelecimento do texto, optamos pela utilização do sistema autor-data, o que torna o livro mais aproximado da versão original e pela adição de notas explicativas, quando havia alguma dificuldade para o entendimento do texto ou o autor incorria em equívoco na indicação da fonte ou na exatidão da informação. A partir dessa etapa, o trabalho passou a ser feito em parceria com Ronyere Ferreira e todos esses procedimentos foram realizados seguindo discussões e ajustes negociados passo a passo entre os organizadores.

História de Teresina é a mais extensa produção historiográfica de Clodoaldo Freitas e também a primeira história da cidade. Com raras exceções de avanço no recorte cronológico, pode-se afirmar que trata dos primeiros 50 anos da história da segunda capital do Piauí. Nesse recorte, é seguido por outra importante história de Teresina, a de Monsenhor Chaves – Teresina: subsídios para a história do Piauí, de 1952 (CHAVES, 1952).

Clodoaldo Freitas pesquisou, redigiu e publicou o folhetim História de Teresina, em concomitância a sua gestão como primeiro diretor do Arquivo Público do Piauí, instituição criada por Anísio de Abreu, em 1909.  Ao tempo em que organizava a variada e desordenada documentação oficial, elaborava as matérias que iam sendo publicadas no jornal Diário do Piauí.

Por fim, gostaria de fazer algumas observações acerca das práticas escriturísticas nas primeiras décadas do século XX. O fascinante mundo da escrita e da leitura está muito mais próximo da efervescência da vida dos que podem supor essas décadas iniciais do século XXI, seduzidas por uma extraordinária variedade de meios de expressão e comunicação, pela pluralidade de suportes midiáticos e pela verdadeira parafernália de recursos de interação global. Esse mundo de palavras, em parte já perdidas, era um mundo que desejava apaixonadamente transformar o texto em modelador social, interferindo na esfera da política em seu sentido mais largo, em que se podem incluir os espaços mais recônditos da vida privada e o incitamento às silenciosas revoluções nos costumes. A palavra muitas vezes é delicada e sutil. Ainda mais, a palavra é punhal, fuzil e navalha. É ardil e verdade, força e persuasão, redenção e vingança. Transpõe a barreira do sagrado e imerge no profano no suspender da pena ou no ranger do prelo. Dominá-la é domar a corrente do tempo, é modelar a opinião. Palavra é poder na mais radical expressão do termo. Escrever, para muitos, é o senti- do mesmo da vida. Dessa forma, boa parcela da produção escrita dos séculos XIX e XX deve ser compreendida como uma das mais legítimas formas de expressão de uma pulsante vida social, experimentada e construída sob o signo de um imaginário já agora em parte perturbador para nós.

 

Teresina, 10 de agosto de 2020.

 

REFERÊNCIAS

 

CHAVES, Joaquim (Mons.). Teresina: subsídios para a história do Piauí. Te- resina: [s.n.], 1952.

 

COELHO, Celso Barros. Clodoaldo Freitas: homem representativo. Revista Presença, Teresina, ano 21, n. 36, p. 8-12, 2006.

 

COELHO, Celso Barros. Clodoaldo Freitas: inteligência superior. In: COSTA, Nelson Nery (Org.). Academia Piauiense de Letras: os fundadores. 2. ed. Teresina: Academia Piauiense de Letras, 2018. p. 83-100.

 

FREITAS, Clodoaldo. História de Teresina. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1988.

 

FREITAS, Clodoaldo. Em roda dos fatos. Prefácio de Teresinha Queiroz. 2 ed. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1996.

 

FREITAS, Clodoaldo. Vultos piauienses: apontamentos biográficos. Prefácio de Maria do Socorro Rios Magalhães. 2. ed. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1998.

 

FREITAS, Clodoaldo. O Bequimão: esquisso de um romance. Prefácio de Antônio Fonseca dos Santos Neto. São Paulo: Siciliano, 2001.

 

FREITAS, Clodoaldo. Memórias de um velho. Pesquisa e organização de Teresinha Queiroz. Imperatriz: Ética, 2008a.

 

FREITAS, Clodoaldo. O Palácio das Lágrimas. Apresentação de Jomar Moraes. São Luís: AML/EDUEMA, 2008b (Série Fundadores).

 

FREITAS, Clodoaldo. Coisas da vida. Pesquisa e organização de Teresinha Queiroz. Imperatriz: Ética, 2009a.

 

FREITAS, Clodoaldo. O Bequimão: esquisso de um romance. 2. ed. Pesquisa e organização de Teresinha Queiroz. Prefácio de Antônio Fonseca dos Santos Neto. Imperatriz: Ética, 2009b.

 

FREITAS, Clodoaldo. Os bandoleiros. Pesquisa e organização de Teresinha Queiroz. Imperatriz: Ética, 2009c.

 

FREITAS, Clodoaldo. Por um sorriso. Pesquisa e organização de Teresinha Queiroz. Imperatriz: Ética, 2009d.

 

FREITAS, Clodoaldo. Um segredo de família e outros contos. Pesquisa e organização de Teresinha Queiroz. Imperatriz: Ética, 2009e.

 

FREITAS, Clodoaldo. Biografia e crítica. Pesquisa e organização de Teresinha Queiroz. Imperatriz: Ética, 2010a.

 

FREITAS, Clodoaldo. O Palácio das Lágrimas. 2. ed. Pesquisa e organização de Teresinha Queiroz. Imperatriz: Ética, 2010b.

 

FREITAS, Clodoaldo. Os Burgos e outros contos. Pesquisa e organização de Teresinha Queiroz. Imperatriz: Ética, 2010c.

 

FREITAS, Clodoaldo. Em roda dos fatos: crônicas. 3. ed. Brasília; Teresina: Senado Federal; Academia Piauiense de Letras, 2011. (Coleção Centenário, 2).

 

FREITAS, Clodoaldo. Vultos piauienses: apontamentos biográficos. 3. ed. Teresina: Academia Piauiense de Letras/EDUFPI, 2012. (Coleção Centenário, 4).

 

FREITAS, Clodoaldo. Vultos piauienses: apontamentos biográficos. 4. ed. Teresina: Academia Piauiense de Letras/EDUFPI, 2014. (Coleção Centenário, 4).

 

FREITAS, Clodoaldo. A Balaiada. Teresina: Academia Piauiense de Letras, 2019a. (Coleção Centenário, 142).

 

FREITAS, Clodoaldo. Os fatores do coelhado: escorço de história. 2. ed. Te- resina: Academia Piauiense de Letras, 2019b. (Coleção Centenário, 87).

 

QUEIROZ, Teresinha de Jesus Mesquita. Os literatos e a República: Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e as tiranias do tempo. 1992. Tese (Doutorado em História Social). São Paulo: USP, 1992.

 

QUEIROZ, Teresinha. Notas sobre o anticlericalismo na literatura piauiense. São Paulo, 1988. (Monografia inédita).

domingo, 17 de julho de 2022

TRAGICOMÉDIA

Fonte: Elmar Carvalho

 

TRAGICOMÉDIA

 

Elmar Carvalho


Preso no

ventre estreito

do Universo,

tenho um acesso

de claustrofobia.

Fruto mau

de árvores boas,

sou estéril

(para não ter maus frutos).

Nasci prematuramente

e morrerei depois

da hora.

(Sou teimoso como

um joão-teimoso.)

Guiado por cego

e conversando com

surdo-mudo,

fui tachado de

débil mental.

Mas isto é um

eufemismo:

eu sou mesmo é

um doido varrido,

por força da necessidade.

Sou triste.

Mas eu vejo a tristeza

como lágrimas

nos olhos do diabo.

 

           Pba. 09.77

sexta-feira, 15 de julho de 2022

No Cemitério da Ressurreição

 



No Cemitério da Ressurreição

 

Elmar Carvalho

 

Cheguei cedo, ontem, ao Cemitério da Ressurreição, já que o horário do sepultamento do Dr. José Ramos Dias da Silva Filho fora adiado para as 17:30 horas. Assim, fui dar uma olhada no jazigo que adquiri décadas atrás, e felizmente ainda não “inaugurado”. Como não o localizasse de plano, fiquei olhando as lápides de túmulos, que julguei ficassem no seu entorno. Tendo essa busca resultado infrutífera, fui à administração para receber a sua localização precisa. Um prestativo funcionário me levou ao jazigo.

Como tudo estivesse em ordem, inclusive a pequena lápide de identificação, me dediquei a verificar quais eram os meus “vizinhos”. Mais uma vez constatei que o sepulcro contíguo da direita pertencia ao saudoso amigo Maury Mauá de Queiroz, de sonoro nome, quase musical. Ele possuía um estabelecimento comercial, no cruzamento da Rua Olavo Bilac com a 24 de Janeiro, na realidade um bar conhecido como o Bar do Repórter.

Entre outros jornalistas, era seu cliente o apresentar de TV Luís Carlos Maranhão, que se tornou piauiense por se ter radicado em Teresina. Nesse bar bebi algumas vezes, em minha juventude, com o notável poeta Jamerson Lemos, pernambucano, mas que também se radicara em nossa capital.

Ao ver atentamente a lápide de seu túmulo, me recordei desse tempo feliz de minha juventude. Nela constava que Maury nascera em 01/01/1938 e falecera em 12/02/2005. Portanto, falecera com 67 anos de idade. Havia a seguinte citação de Santo Agostinho, numa versão um pouco diferente e ampliada: “Uma lágrima se evapora, uma flor murcha, só a oração chega ao trono de Deus.”

Ao ler o pedido de oração e ao me lembrar que certa vez o amigo que se chamou Maury Mauá de Queiroz se preocupou comigo fiz breve oração, em que pedi por sua salvação. O fato singelo foi o seguinte: após tomar umas poucas talagadas de cuba libre, numa época em que não havia lei seca, e ainda no vigor e entusiasmo de minha juventude, fui embora em minha motocicleta. Mal cheguei a minha residência, o telefone fixo tocou. Era o poeta Jamerson que ligava, por insistência do Maury, que desejava saber se eu chegara bem. Foi com essa comovente lembrança, que fiz minha oração.

Na cerimônia antecedente ao enterro, o Alberto, em seu conciso pronunciamento, disse com muita ênfase e firmeza, que seu irmão, o Juiz de Direito José Ramos Dias da Silva Filho, tinha como principal qualidade ser um homem bom, que procurava não prejudicar quem quer que fosse. Creio não existir melhor virtude que a bondade. Nas eloquentes palavras do já citado Agostinho, bispo de Hipona, padre da Igreja, verificamos que “o amor é a beleza da alma”. Diria que quem tem amor é bom, e quem é bom é porque tem amor.

O Alberto poderia ter desfiado os títulos de José Ramos, os cargos que exercera, as comarcas de que fora titular; que ele descendia dos desembargadores Augusto Ewerton e Silva e Fernando Lopes e Silva Sobrinho, e era irmão do Des. Fernando Lopes e Silva Neto, atual corregedor-geral da Justiça. Mas preferiu se referir às virtudes que lhe ornavam a alma, entre as quais primava a bondade.

Ao ouvir suas palavras não pude deixar de me lembrar do episódio em que um forasteiro presenciou um sepultamento em cidade interiorana. Ante a notável quantidade de pessoas presentes ao campo santo, ele perguntou a um homem que chorava copiosamente se o morto era um homem muito importante, ao que o interpelado teria respondido, entre soluços: “Não sei se ele era importante. Sei que era um homem bom.”

Da mesma forma direi, corroborando as palavras de seu irmão: José Ramos era um homem bom. E agora está numa das moradas do Senhor.