quarta-feira, 31 de outubro de 2012

AS ESPIGAS FURTADAS




31 de outubro   Diário Incontínuo

AS ESPIGAS FURTADAS

Elmar Carvalho

É um tanto comum, hoje em dia, atribuir-se a culpa da falta de limites de muitos jovens às leis, especialmente ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Esses arautos dizem que o estado interfere demasiadamente na família, sobretudo na maneira de os pais criarem os filhos. Apregoam que as crianças não podem receber surra, nem mesmo leves palmadas, e não podem ser colocadas para trabalhar. Alegam que esses dois itens – castigo e trabalho – eram importantes na educação e formação moral de um jovem.

Talvez essa análise seja simplória, e não seja correta. O que parece, em muitas famílias, é que os filhos não são observados de perto pelo pai e pela mãe, que em muitos casos trabalham em empregos fora de casa. Desse modo, os infantes, sob os cuidados de empregadas ou de avós, não seriam admoestados em seus deslizes, e se acostumam a fazer o que bem entendem. Já com doze ou mais anos, quando os pais querem lhes impor regra e disciplina, se rebelam e não aceitam as recomendações paternas, porquanto a isso não foram acostumados desde tenra idade. Sou da opinião de que a formação moral e a disciplina devem começar já a partir dos primeiros anos de vida.

Com relação ao trabalho, outrora os lavradores, sobretudo, tinham muitos filhos, tanto por falta de educação no planejamento familiar, como porque alegavam que os filhos eram a riqueza dos pobres. Desde os oito para os dez anos, colocavam os menores para lhes ajudar nos serviços de agricultura, mesmo porque poucas localidades dispunham de escolas. Como a prole era enorme, os lavradores contavam com a ajuda de filhos até ficarem velhos, ou não tão velhos assim, já que a expectativa de vida era muito baixa, sendo que um rurícola de 45 anos de idade já parecia um ancião, com a pele enrugada, os dentes extirpados ou cariados e os cabelos encanecidos.

Desse modo, os filhos trabalhavam para os pais até constituírem suas próprias famílias, sendo os mais velhos substituídos sucessivamente pelos irmãos mais jovens. E haja parto e haja menino. De qualquer sorte, todos continuavam a dar dia de serviço para os velhos pais, ao menos em relação aos serviços mais pesados, como broca, derrubada e capina, através do sistema de troca de diárias (ou não), no chamado regime de economia familiar. De algum tempo a esta parte os lavradores passaram a ter a aposentadoria rural, que lhes dá uma certa dignidade e conforto.

Todavia, como é fácil de se notar, por ser óbvio, se o garoto ia para o trabalho, não poderia frequentar a escola, e isso contribuía para que os filhos dos mais pobres e analfabetos continuassem analfabetos, e situados entre os mais pobres. Foram infantes que praticamente não tiveram infância, pois em sua faina pesada não brincavam. Nessa época a disciplina era muito rigorosa, geralmente vigorando a lei da chibata, em casa, e a da palmatória, na escola. Para certos mestres, a palmatória parecia ser mais importante que a Cartilha de ABC ou a tabuada. Parecia o emblema da educação rude desse tempo antigo, em que os alunos eram sabatinados, e a cada resposta errada eram “contemplados” com um “bolo” ou palmada aplicada com esse instrumento.

Ao falarmos sobre os rigores da educação de antigamente, um amigo contou-me o fato que passo a narrar, e que ilustra um pouco o que tentei transmitir neste breve registro. O Duda – é esse o nome do meu amigo, paulista do interior – frequentava livremente o sítio de um amigo de seu pai, que ficava perto do de sua família. Era considerado pelo casal de proprietários como se fosse um filho, e eles tinham a maior satisfação com as suas constantes visitas, com direito a merenda e refeições.

Numa dessas visitas, o Duda viu várias espigas empilhadas em determinado local da varanda. Os grãos estavam tenros, macios, dourados, prontos para serem cozidos ou assados. O garoto, sem nenhuma malícia, muito menos a menor ideia de que estivesse fazendo algo errado, escolheu quatro ou cinco espigas e as colocou na garupa de sua bicicleta, e retornou para a casa de seu pai. Ao chegar, as colocou perto de seu calçado, em seu quarto, sem dar maior importância ao episódio.

Quando seu pai, que era médico, retornou do serviço, logo notou a presença do milho perto dos sapatos do filho. Imediatamente lhe perguntou sobre a origem das espigas, tendo o rapaz contado o fato, sem nenhuma omissão, e sem nenhum sentimento de culpa, mesmo porque achava nada ter feito de errado. O pai explicou-lhe que ele furtara as espigas, uma vez que não as pedira aos donos, e mandou que ele, em sua companhia, fosse devolvê-las.

Assim foi feito. Os donos do sítio até se agastaram com o pai do Duda, pois disseram que ele era como um filho para eles, e tinha toda a liberdade para levar quantas espigas quisesse; que ele levara o que na verdade lhe pertencia, porquanto eles jamais lhe negariam alimento. O médico não aceitou a justificativa, e o certo é que esses amigos ficaram um tanto distanciados, por causa desse incidente, durante algum tempo. Contudo, esse episódio parece ter contribuído de forma poderosa na formação moral do Duda, uma vez que ele não mais praticou fato semelhante.

Acrescentou-me que certa feita, já casado, passou por um belo e grande milharal, em que não havia cerca. Como sua jovem mulher desejasse obter duas ou três espigas, o Duda preferiu caminhar mais de um quilômetro, até chegar à casa do proprietário, embora elas estivessem ao alcance da mão de quem percorresse aquela estrada. Bateu palmas, até aparecer o agricultor. O meu amigo contou-lhe o sucedido, e propôs comprar quatro ou cinco espigas. O fazendeiro, com cara de pouco amigo, retrucou de forma ríspida, peremptória e abrupta:
Não vendo e não dou!
Deixo que cada leitor tire a sua própria conclusão desse caso mais do que emblemático, e que pode ser uma grande lição de vida.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Cambacica, uma história de amor por Teresina



Regis de Moraes Marinho
Poeta e promotor de justiça


Cambacica, pequeno grande livro do escritor piauiense Halan Silva, publicado em 2011 pela Livraria e Editora Nova Aliança, é uma novela que retrata um amor não concretizado entre Otávio, um ornitólogo pobre, e Firmina, “uma moça de família” de Teresina, capital do Piauí, que, por força das convenções sociais, terminou casando, mal, com um outro rapaz que vivia do passado do sobrenome da família.

Sob essa estreita visão, a novela sob comento, a meu sentir, nada acrescentaria às demais que versam sobre amores frustrados e inalcançáveis e, pois, não teria estofo para se estabelecer na estante da história literária piauiense.

Longe, porém, de figurar como um clichê literário, ou um lugar-comum novelístico, a novela Cambacica, para usar palavras de Carlos Nejar, em sua História da Literatura Brasileira (Leya, 2011, p. 25), vale pelo que, nela, “está invisível, intocado, ainda que o que se diga cruze como a linha de um trem com o que não se diz, nem se diria, mas se está pensando. Ou começou a ser pensado, depois que se disse”.

Em verdade, o amor fracassado de Otávio, o indefeso fura-flor ou cambacica, pequeno pássaro da fauna teresinense, e a moça rica Firmina, não passa de um “leitmotiv”, ou pretexto literário, para falar do desastre ecológico que se prenuncia em Teresina, com o desenfreado crescimento imobiliário e a destruição da mata ciliar dos rios Poti e Parnaíba. Em outras palavras, a avefauna teresinense corre perigo e é enxotada do seu habitat natural, pois, como na canção de Chico Buarque, “o homem vem aí”...

Nesse sentido, o amor irrealizado de Otávio e Firmina surge como uma metáfora do desamor do progresso de Teresina pela sua – agora prestes a extinguir-se – fauna aviária. Donde concluir-se que a novela Cambacica é um grito de socorro ecoando de nossa fauna, que quer e merece ser preservada, para a manutenção, ainda que na Teresina desenvolvimentista do Século XXI, de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, em prol das presentes e futuras gerações.
Anoto que páginas como as do capítulo “Bichos” têm um acentuado caráter antológico e nos colocam lado a lado, por que não dizer mesmo dentro dos nossos quintais e jardins aromáticos, para aviventar em nossas almas o amor telúrico-bucólico, sem pieguismo, mas com profundo senso de proteção ecológica e ambiental, como no trecho abaixo:

“Entre os passarinhos que não se incomodam com a presença do homem, vê-se, por entre os interstícios dos telhados ou escalando muros, a simpática Cambaxirra, que a maioria das pessoas conhece pelo nome Garrincha, mas há quem a chame de Rouxinol. Costuma andar aos casais e o macho emite um som melodioso e diminuto. Nas casas, praças e ruas da cidade, pode-se avistar com frequência a generosa rolinha Fogo-pagou, que, noutras regiões, em razão do som que emite ao alçar voo, é conhecida como rola-cascavel. Em menor número, nos mesmos locais da anterior, encontra-se outra rolinha, a Sangue-de-boi ou rola Caldo-de-feijão. Os Ben-ti-vis são estridentes e vadios, estão em toda parte. Entre a folhagem das árvores ou em voos breves, surgem bandos de Anuns pretos. Nas áreas próximas das margens do rio Parnaíba, é possível encontrar Anuns brancos. Vez ou outra, um olhar atento pode descortinar semioculta na copa das árvores, a gozadora Alma-de-Gato. Nos jardins, apanhando néctar das flores, assomam alguns membros das mais de 320 espécies da família dos Beija-flores. Nos bairros arborizados, como o São Cristóvão e o Horto Florestal, durante a safra do caju, observa-se o Rei-Congo ou Japu. O canto desse pássaro, associado ao estremecer das asas, dá a impressão de sacudir folhagem. Nas margens do Poty, antes da construção das avenidas e dos prédios residenciais, costumava aparecer, na copa das mangueiras, um dos mais afamados ventríloquos da avefauna brasileira – o Xexéu ou Japim”.

Enfim, Cambacica, de Halan Silva, é, sob minha ótica, uma reflexiva história de amor por Teresina enquanto cidade arborizada e ainda apinhada de pássaros que não pode, nem deve acabar, e que, portanto, vale como um grito de alerta a todos que aqui residem e participam do seu progresso, para que esse amor não venha a se frustrar e fracassar como o de Otávio e Firmina.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

UMA FANTÁSTICA AVENTURA NO MUNDO DO CRIME



UMA FANTÁSTICA AVENTURA NO MUNDO DO CRIME

Jonas Fontenele de Carvalho (*)

Tenho alguns amigos, que quando narro algumas passagens da minha vida, ou não acreditam, ou a acham excepcionalmente fantástica, sendo certo que as vivi, sem essa condição, apenas vivi. Acho mesmo que eles também viveram situações consideradas fantásticas, mas ou não se lembram delas, ou não deram tanta importância como eu, ou eu sou mesmo um privilegiado, o que particularmente não acredito.

A vida, não sei se por ironia ou por outro motivo qualquer, me fez advogado, e na área criminal, justo eu, que não gosto de violência, e que me sinto mal ao ver qualquer ser humano preso. Quando, por obrigação da profissão, tenho que ir a um presídio, sinto que é uma violência comigo mesmo, sempre saio de lá arrasado, por ver aquela multidão de pessoas, sem poder curtir o que a vida tem de melhor, seja lá o que eles achem o melhor da vida. Fico imaginando a tristeza deles, e a tristeza que eles causaram para poder estar ali atrás daqueles muros intransponíveis.

Mas, o que quero narrar é uma passagem absurda e surreal que me aconteceu quando ainda contava com dezessete/dezoito anos de idade. Morava eu nessa época (1978/1979) na cidade de São Paulo e trabalhava na VARIG, namorava uma jovem, que além de trabalhar também na VARIG, morava perto do aeroporto, então quando eu saía do serviço, quando não era dia de semana, eu ia pra casa dela, e de lá só saía por volta de uma da manhã, coisa típica da idade.

Um dia de domingo, saindo da casa da namorada, por volta da uma da manhã, eu estava no ponto de ônibus, esperando o ônibus que chamávamos de NEGREIRO, que era o último ônibus do dia. Era pegar aquele ônibus ou esperar amanhecer o dia para conseguir ir pra casa. Nesse dia não havia ninguém na rua, todo mundo recolhido para recomeçar tudo outra vez na segunda-feira pela manhã, quando vejo um sujeito sozinho empurrando um fusca. Ele empurrava e entrava no carro para aproveitar o embalo e tentar dar um “tranco” para fazer o carro pegar. Fiquei olhando aquela situação e pensando comigo mesmo: “ele não vai conseguir nunca fazer esse carro pegar”, isso porque quando ele conseguia entrar no veículo, o impulso que ele havia dado se acabava e o “tranco” não tinha força para fazer o motor girar.

Fiquei olhando aquilo e pensando: se eu não o ajudar, o cara vai morrer tentando e não vai conseguir. Correndo o risco do ônibus NEGREIRO passar e me deixar na “mão” corri até o sujeito e perguntei se ele queria que eu o ajudasse, no que ele imediatamente aceitou, e então ele ficou dentro do carro e eu empurrei até que o carro fez aquele barulho que estávamos esperando, eu pra deixar de empurrar e ele para sair daquela situação. Carro funcionando, eu havia terminado a minha parte, cabia a mim, voltar ao ponto de ônibus e esperar o NEGREIRO, só que fui interrompido pelo “amigo” que acabara de conquistar, que me perguntava para onde estava indo. O que lhe respondi: INTERLAGOS, bairro onde morava. Ele então me disse: estou indo praquelas bandas, entra aí que te deixo lá. Era muita sorte minha, pensei: empurrei o carro certo, na hora certa, já que o NEGREIRO não dava nem sinal que iria aparecer, aceitei a carona muito satisfeito.

Entrei e fui naquele veículo pensando: o sujeito ia pro mesmo lado em que eu morava, eu não ia pagar nada e ia chegar em casa mais rápido do que o NEGREIRO. O motorista era muito cordial, agradecendo a ajuda e fazendo perguntas, tudo corria melhor do que eu previa, mas isso só perdurou até ingressarmos na avenida 23 de maio, quando ouvi uma sirene bem atrás do fusca, seguido de um movimento do motorista que revelou um revólver na sua mão seguido de um tiro em direção ao carro da polícia, óbvio e evidente que aquilo me deixou absolutamente pasmo, sem reação e branco de medo. O tiro endereçado ao carro da polícia, foi imediatamente revidado com vários tiros em direção ao fusca, me deixando não em pânico, pois dessa fase eu já havia passado, me deixando super-aterrorizado, sem entender que diabos estava acontecendo, o que o motorista logo me revelou, fato que se eu não estivesse aterrorizado já devia saber, mas o terror vivido não me deixava raciocinar: ele acabara de furtar aquele veículo, e eu na minha inocência, havia ajudado a concretizar o furto, e estava agora ali, dentro do veículo, que recebia tiros da polícia, com um sujeito que eu nunca vira na vida, e o que é pior, na situação de cúmplice.

Narrar esse fato hoje pra mim é fácil. No dia e na hora, o pavor que eu vivi naquele momento, não dá para descrever, por mais que eu queira. Aquilo era algo absolutamente diferente na minha vida. Não sabia o que fazer, não sabia se gritava, se saltava do carro em alta velocidade, ou simplesmente deixava o fato acontecer. Eu era refém de uma situação absolutamente inacreditável. O sujeito imprimia uma velocidade ao fusca, que acho mesmo que a própria Volkswagen não sabia que o danado conseguia alcançar. Acho que aquela criatura viu o pavor, o desespero que eu vivia e me disse que ia me deixar na primeira oportunidade e que eu me preparasse para descer logo que ele diminuísse a velocidade, ele então fez uma manobra brusca a direita, que não sei mesmo porque não capotamos, e gritou: sai. Eu não sei de onde tirei coragem e saltei e ele então entrou numa rua e sumiu na escuridão.

Acho que naquele momento meu coração pulsava além da sua capacidade. Sentei no chão e comecei a chorar compulsivamente, não conseguia controlar o choro, acho que o medo se misturava com o desespero, com uma sensação de que a vida estava me alertando, dizendo que eu era ainda muito criança, apesar de me achar muito “adulto” na época.

Vivi, pois, esta fantástica aventura no mundo do crime, de forma absolutamente involuntária, mas fico imaginado, que se tivesse dado errado, poderia ter morrido ou preso na minha adolescência, e o que é pior com a fama de “ladrão de carro”, que eu nunca iria conseguir desfazer.

Essa é uma das narrativas que os amigos acham fantásticas e outros nem acreditam, acham que é brincadeira minha. Você leitor, tire suas conclusões.

(*) O autor é advogado e professor em Brasília. É um bom amigo e tem reputação ilibada. Agora, um detalhe: de vez em quando, mente (artisticamente, claro).

domingo, 28 de outubro de 2012

Atividade da ACALE em novembro




A Academia Campomaiorense de Artes e Letras – ACALE, presidida pelo pesquisador e escritor João Alves Filho estará abarrotada de atividades no próximo mês de novembro. No dia 12, participará da celebração da Santa Missa pelos 300 da inauguração da Igreja de Santo Antônio (1712 – 2012) e do lançamento da programação dos 300 anos da Freguesia de Santo Antônio (1715 - 2015). O acadêmico João Alves Filho, na oportunidade, proferirá palestra sobre a história da Igreja e da Freguesia, tendo já publicado livro a respeito. Trata-se de uma promoção religiosa, histórica e cultural, através de parceria entre a Diocese, ACALE e Paróquia de Santo Antônio. No dia 17, haverá a posse dos campomaiorenses Ernani Napoleão Lima e Paulo Henrique Ferreira dos Santos na Academia de Letras do Vale do Longá – ALVAL. A solenidade acontecerá no auditório da Secretaria Municipal de Educação de Campo Maior, às 17 horas, e terá o apoio da ALVAL. No dia 24, no salão paroquial, às 19:30 horas, será lançado um livro de poemas da autoria de Maria de Jesus Andrade Paz, membro da ACALE. No dia 30, no salão paroquial, às 19:30 será comemorada a fundação da Academia, ocorrida há 10 anos.

Seleta Piauiense - R. Petit



JUDAS

R. Petit (*) (1894 - 1969)


Antes de vir o Sol, a vila já alarmada,
mostra em cada garoto um grande espadachim,
que anda de rua em rua, em louca disparada,
atrás de um Judas vil, de crânio de capim;

De um Judas moleirão de cara amarrotada,
de pança desconforme e cheia de estopim,
que liga um buscapé a uma bomba encerada,
pronta para estrugir, em honra do festim.

Num bulício infernal, a garotada infrene,
espera com prazer, do sino a voz solene
para então reduzir em cinzas o espantalho!...

E os vampiros reais, os judas elegantes,
vivem sempre a cantar, como viviam dantes,
desdenhando do Bem, da Vida e do Trabalho.

(*) Pseudônimo de Raimundo de Araújo Chagas

sábado, 27 de outubro de 2012

SESSÃO NOSTALGIA

Texto e charge: Gervásio Castro



A atriz Joan Crawford recusou-se a participar de "A um Passo da Eternidade" por ter odiado os figurinos do filme.
Pra não destoar dos outros cartazes, mantive o título original (em inglês) embora a ilustração tenha mais a ver com o nome que o filme ganhou no Brasil. Com boa vontade dá pra engolir.

Lançamento: Contos da Minha Terra



O escritor José Ribamar Garcia lança obra neste sábado, 27, a partir das 19 horas, na Livraria Entrelivros, em Teresina. Trata-se de Contos de Minha Terra, editado pela Nova Aliança. O livro reúne narrativas ambientadas em Teresina e no interior do Piauí.

Local do lançamento: Livraria Entrelivros

Endereço: Avenida Dom Severino, 1045 - Fátima
Data e horário: 27/10/12 - 19 horas
Será servido coquetel

Fonte: Portal Entretextos

AMIGO BOÊMIO



AMIGO BOÊMIO

Vilmar – o poeta

Amigo, chora triste acabrunhado
Pranteias a mulher que te enganou
Não deixe que teu pranto consternado
Te lance onde a maldade lançou
Chora feliz quando ao seu lado
Passava onde agora ela passou
Com outro bobalhão de braços dados
Sem olhar pro boêmio que a amou
Amigo não chores tanto assim
Entra comigo nesse botequim,
paraíso da dor e da desgraça
Esquece as carícias que fizeste
Vomite os falsos beijos que lhes deste
Fume um cigarro e bebe uma cachaça

Esquizofrenia, paranoia ou espírito?




JOSÉ MARIA VASCONCELOS


Obsessão de culto ao corpo da civilização contemporânea repete a idolatria corporal do império romano. Lá, a prosperidade imperial transformou a Urbs (Roma) e metrópoles em centros de academias e piscinas térmicas de torneamento de corpos atléticos e beleza plástica. Predominava o espírito hedonista do prazer como bem supremo - acima da própria ética - para objetivo principal dos atos humanos. Mansões ostentavam o Vomitorium, espécie de banheiro para expelir excessos da comilança e bebedeira. Orgias, banquetes e festivais de crueldade e esportes. A média de idade hedonista não ultrapassava 50 anos. Adoravam-se deuses da força, das lutas marciais e do erotismo(Marte, Vênus e outros).

Do hedonismo romano à obsessão corporal de nosso tempo, quase nada mudou. Apenas sofisticou-se; a medicina virou um shopping de especialidades em prol do corpo e da mente. A "mens sana in corpore sano" imperial tenta todos os recursos de tonificar músculos, pele e "qualidade de vida". A indústria da saúde induz pessoas a buscarem especialista para qualquer manifestação esquisita no corpo ou na mente. Basta um espirro, pequena mancha, vômito, corre-se para a clínica, especialmente os beneficiários de planos de saúde. Todo dia, nomes novos, como VIROSE, infernizam até pessoas bem informadas. E lá se vão exames e mais exames, bulas e comprimidos intoxicando o organismo, endoidando a obsessão por vida sadia e longa.

A civilização hedonista só falta comer plástico, em defesa do corpo sadio e belo, numa estressante preocupação com a vida material. Pilhas de remédios, infelicidade familiar, alcoolismo, drogas e condutas reprováveis ao espírito do bem geram candidatos à esquizofrenia e paranoias.

Pessoas com esquizofrenia podem falar coisas que não fazem sentido, ficar sentadas por horas sem se mover ou falando muito pouco, ou podem parecer perfeitamente bem até dizer o que realmente estão pensando. Têm momentos de delírios e visões, com desordens de pensamento e conduta. A esquizofrenia ataca especialmente jovens.

A paranoia manifesta-se através do sentimento de intensa desconfiança persistente, humor exageradamente alegre, ideia de perseguição.

Em torno da esquizofrenia e paranoia gravita uma série de transtornos, cuja cura, muitas vezes, só encontrada no exercício do afeto, da generosidade, da oração libertadora, do perdão, da reconciliação. Tome-se, como exemplo, os expressivos resultados alcançados pela entidade dos Alcoólicos Anônimos. Sem foguetório, esses herois colocam a espiritualidade a serviço da cura e do bem. A certeza da presença maligna não pode ser colocada, de imediato, como motivo de tantas manifestações esquisitas, como transtorno bipolar, depressões em geral, transtorno de deficit de atenção, maníaco depressivo, transtorno obsessivo compulsivo(TOC).

A geração atual precisa desfrutar dos imensos benefícios da espiritualidade, sem exageros, sem sentimentalismo exacerbado, sem curandeirismo, sem obsessão maligna. Descobrir que somos filhos do Criador, fonte das bênçãos para a família, certos de que nada nos faltará, praticando virtudes da generosidade para com os mais humildes, do zelo pelo social, da honestidade para com a coisa pública, do respeito ao cônjuge, da educação espiritual e cultural dos filhos. Não só colocá-los em boas escolas e cursos, inclusive de práticas esportivas, mas catequizá-los em casa, amá-los com correção amigável, com exemplos de dignidade.

A obsessão moderna em busca do material, do sucesso financeiro e poder quase sempre desemboca no desfiladeiro da infelicidade, esquizofrenia, paranoias, às vezes, suicídio.

Séculos após a queda do império escravagista, pagão, hedonista, belicoso, colonialista e explorador, será que a moderna e evoluída sociedade ainda não descobriu que, ao lado das academias de culto ao corpo, não podem funcionar os templos da espiritualidade? O verdadeiro sentido da "mens sana in corpore sano"?

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Oeiras e as solidões insolentes



Fonseca Neto


... nascida nos sertões de dentro, com a bravura de suportar vácuos sem fim e solidões insolentes”.  

Assim, citando o professor A. Tito F.°, encerrei aqui a nota da semana passada, referindo-me às celebrações dos 250 anos de Oeiras-cidade e capital. Texto feito para apresentar a segunda edição do “Passeio a Oeiras”, de Dagoberto Carvalho, jr, no qual, adensando o fraseado, Tito F.° realça, da secular cidade, ser ela esculpida “no sertão bruto, de chão glorioso, onde jazem heróis verdadeiros” e assim “original” e “única”.

Fui a Oeiras participar das aludidas festas no dia 24 de setembro e na cabeça essas imagens do mestre Ari e seguindo o roteiro desse “livro-poema” que faz evocativamente “peça lírica do passado”, cada beco, calçada, portal, manuscrito, e, sobretudo, a humanidade ali vivente. Fui ver a cidade do presente e palestrar sobre as cidades que ela contem em sua multissecularidade.

Brava e suportando vácuos sem fim e solidões insolentes? Chega-se ali e encontra uma cidade de franjas fervilhando, com visíveis acelerações, muito parecida com qualquer cidade sertaneja de seu porte. Adentra-se o sítio urbano original e sentimo-la calma, silenciosa,a descortinar os elementos estéticos marcados no diverso porfiar de seus arteiros. Sugere que paremos para ouvir suas narrativas saindo de todo canto e cantaria, suas histórias, encanterias. No meio do largo maior, sagrado e profano, pulsa a Europa lusa, entre medieval e mercantil. É preciso apurar as vistas e afinar oiças para se perceber as matérias essenciais no vácuo aparente e se descobrir o insinuar insolente de suas solidões. 

O passeio festivo da semana passada, recordando a titulação da vila da Mocha em cidade de Oeiras, capital do Piauí, movido em vagas das mais significativas memórias da localidade, constituiu um exemplo disso tudo. 

Reunidos dentro e fora do antigo palácio dos presidentes provinciais – o Sobrado Major Selemérico de hoje – assistimos a entrega ao oficial do Instituto Histórico de Oeiras (IHO), pelo atual secretário de Governo, do decreto de cidade-capital, a ser relido por “bando”.Recebido pelo oficial-leitor, na forma da tradição de 1762, da janela-sacada do edifício, fez ele sua releitura solene,antecedida do canto/execução do hino da cidade. Decreto firmado pelo primeiro governador,o português João Pereira Caldas, com o “republique-se” do atual, o oeirense Wilson Nunes Martins. Num dos salões foi descortinado o quadro-documento com os textos setecentistas assinalados.

Feito isso, puxada pelos dobrados da banda Santa Cecília, partiu a procissão cívica em direção da antiga Casa de Câmara e Cadeia, hoje sede da Prefeitura, para um segundo “bando” ou pregão. Depois rumou-separa o adro da Igreja da Vitória, onde o terceiro e último “bando”. Aqui, ele se fez às seis horas da tarde em ponto, ante um poente completamente tomado de esplendor arroxeado – e tinha que ser roxo o fim desse outro passeio – deixando para trás uma tarde muito quente. Enquanto um grupo de devotos cantava o terço da hora do Ângelus no interior da catedral, a banda puxou a “Aquarela do Brasil” e um performático dançou no meio da grande roda dos comemorantes. 

Deslocaram-se logo todos para o interior do cineteatro. De novo a apresentação da Banda, depois os Bandolins de Oeiras; palestra; coquetel. Colheu-se a ocasião para a posse do bispo d. Juarez Sousa e do secretário Wilson Nunes Brandão como sócios efetivos do Instituto Histórico e Geográfico Piauiense (IHGP). O IHO anunciou as festividades alusivas de seus 40 anos. A Confraria entregou diploma. De tudo se fez muitas fotografias. E atas.

Com praticamente todos os sócios presentes, o IHO foi o organizador principal de tudo, junto com a Confraria Eça-Dagobertiana da cidade. O Governo do Estado e o IHGP, no nível das responsabilidades respectivas, também compartilharam a grandeza do evento. E sobretudo muitos estudantes e professores a tudo assistiram. Vereadores, o promotor da comarca, além do presidente da Fundação Nogueira Tapety.

Tal a velha Goiás, ex-capital enraizada em sertanias, Oeiras é invicta, cheia de charme. E não se entrega à insolência das solidões.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

FILHOS – DISCIPLINA E EXEMPLO




24 de outubro   Diário Incontínuo

FILHOS – DISCIPLINA E EXEMPLO

Elmar Carvalho

Tempos atrás, foi exibido em reportagem televisiva um bandido a ensinar seu filho, ainda uma criança, a manejar potente arma de fogo. Se alguns mestres e psicólogos não acham recomendável as crianças receberem de presente armas de brinquedo, o que não diriam das lições ministradas pelo fora da lei a seu filho menor... Outros asseveram que um infante entende muito bem que um revólver de brinquedo é apenas um simulacro para sua diversão, e jamais confundiriam o seu uso lúdico com o de um de verdade. Entendo que outros brinquedos, representando coisas inofensivas e boas, seriam mais apropriados. Ao menos não suscitariam dúvidas ou polêmicas.

Recentemente uma rede de televisão mostrou um casal de assaltantes, com três filhos menores, em pleno “trabalho”. A mulher, com um bebê de colo, fazia a varredura visual, para ver se havia alguém por perto ou se aproximando. Depois, o seu companheiro quebrava o vidro do automóvel e retirava objetos do veículo. O mais triste e chocante é que depois esse casal de marginais dançou na rua, comemorando a façanha, com dois pequenos lhes acompanhando a dança, como se estivessem comemorando importante triunfo. Que lição, que belo exemplo esse casal não estaria dando a seus filhos!?

Muitos entendem que a disciplina dos filhos afrouxou nos dias atuais, em virtude de que muitas famílias são constituídas por pai e mãe que trabalham fora de casa, deixando os filhos aos cuidados de outrem (avó ou empregada), que por comodismo, descaso ou negligência não se empenharia em bem educá-los, deixando-os à vontade para fazer o que bem quisessem. Desse modo, as pequenas infrações comportamentais, os pequenos atos infracionais não seriam repreendidos, e os pequenos iriam num crescendo, como bolas de neves, cometendo cada vez mais e maiores indisciplinas, até não aceitarem mais limites ou regras.

Pelo que tenho lido, visto e meditado, o ser humano deve ser educado e disciplinado desde bem jovem, pelo exemplo, pela palavra e pelas atitudes dos pais, com a colaboração da escola e de outros segmentos organizados da sociedade. Quando os jovens “engrossam o cangote”, e já se acostumaram a fazer o que bem entendem, sem regras e sem limites, dificilmente aceitarão que se lhes imponham regras e freios. E se, além dessa falta de limites e disciplina, já forem usuários de drogas, a situação será bem mais problemática, e mesmo tormentosa para a família e para a sociedade, por motivos que todos sabemos, sobretudo pelo cometimento de atos infracionais correspondentes a furtos ou roubos, para aquisição de tóxico, de que se tornaram dependentes.

Outrora, o furto era quase uma arte. Tanto que passou a ser chamado de gatunagem, sendo, portanto, o larápio comparado a um gato, pela sua arte de se camuflar, em quase perfeito mimetismo; pela sua habilidade em pisar de forma macia, quase como se levitasse em solitário balé; pela sua maneira de se esgueirar, de modo sutil, tal como se fora uma sombra ou um fantasma. Tudo era feito às ocultas, e geralmente sem violência, com engenho e astúcia, quase diria arte. O ladrão tinha vergonha, e por isso escondia sua atividade de sua família, de seus filhos, e até de seus amigos.

Hoje, não. Hoje o bandido comete os seus roubos e furtos em plena luz do dia, nas agências bancárias, em casas comerciais, nas praças e nas ruas, de forma insolente, desabrida, sem nenhum resquício de pudor. São ousados, e as câmeras já não os detêm ou inibem. Às vezes, fazem pose para a filmadora, por deboche ou desafio, ou simplesmente lhes quebram ou lhes colocam uma venda, que impeça a filmagem; ou usam disfarces, como carapuças, máscaras ou capacetes de motociclistas.

Tristes tempos em que um marginal, parecendo ter orgulho dessa condição, ensina um filho pequeno a atirar com uma arma de verdade. Tristes tempos, em que um casal de bandidos comete seus roubos em companhia dos filhos menores, e ainda exibe uma dança comemorativa e triunfal, com a mãe tendo ao colo um bebê, tendo como teatro uma rua. Como Cíceros hodiernos, apenas podemos bradar para nós mesmos: ó tempos, ó costumes...

terça-feira, 23 de outubro de 2012

NA NOITE



NA NOITE

Elmar Carvalho

Na noite
um sapo coaxa.
Uma puta triste
acha graça. Acha graça.
Um galo
às desoras desfere um canto
fora de hora. E chora.
Um cão ladra por nada:
nenhuma cadela no cio.
O silêncio
grita como louco
na concha acústica
dos labirintos dos ouvidos moucos
por onde um Teseu lasso caminha
em busca do Minotauro – perdido
sem o fio de Ariadne –
conduzido por outro fio
que parte / se parte e
se reparte entre o ser
e o não ser.
E os gritos de Teseu
arrancam ecos
que já ecos de si mesmos
se repetem se repetem
até a mais completa
absoluta exaustão.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O perigo é a rua e viver é perigoso


Cunha e Silva Filho

Na campanha política para prefeito do Rio, que acompanhei pela tevê e pelo jornal, há um tema que não foi debatido com toda a urgência que merece: a violência. Estou pensando que as autoridades não estão dando o real peso a esta questão que  delas exige prioridade máxima. É bom que se ressalte não serem o Rio e São Paulo apenas  os dois estados em que a violência chegou a proporções alarmantes e sem precedente na história social de nosso país. O mal se arrasta pelo país inteiro.

A sociedade, que está sofrendo toda espécie de violência, não se uniu como um todo a fim de mobilizar seus membros a reivindicar firmemente dos governos providências efetivas que façam com  que a violência caia para níveis aceitáveis.

Assaltos em ruas, em praças, em residências, em bancos, nas capitais, no interior, seja em que nível social for, são ações criminosas diárias que não vêm tendo a mesma intensidade de repressão à altura pelos órgãos policiais. Não queremos paliativos, ações pontuais, que nada resolvem e, ao contrário, ainda mais açulam a sede de perversidades, de atos de covardia e de ações ousadas realizados pelos facínoras. É preciso sem delongas reverter este quadro epidêmico de selvageria. Não foi gratuito o título deste artigo tirado de duas  frases separadamente, uma de Roberto DaMata, e outra de Guimarães Rosa (1908-1967), respectivamente, de um conhecido antropólogo e de um genial ficcionista brasileiro. Não pretendo exagerar na dose, mas a verdade é que as pessoas não podem andar sozinhas, à noite, sobretudo, nas grandes capitais brasileiras, tendo como os dois centro mais violentos São Paulo e Rio de Janeiro.

Ultimamente, até para a polícia tem sido arriscado, haja vista o crescente número de policiais que estão sendo assassinados na capital paulista. O fato é que o brasileiro evita sair muitas vezes para alguns lugares, mesmo para o centro, com receio de ser assaltado nas ruas, na saída de bancos, em bairros metropolitanos, nos subúrbios, espaços que se transformaram em perigo potencial. Só esperamos que os governos  não venham na verdade só  fechar a porta da criminalidade, com aparato bélico até das Forças Armadas, quando estiverem bem próximos dos dois grandes eventos de que o país será anfitrião, a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Devem agir agora, com  urgência, e não esperar  por aqueles  eventos de grande  porte. Não só os turistas nacionais e estrangeiros merecem ter segurança nesses eventos. A segurança das pessoas terá que ser preocupação permanente, constante, quer dizer, sem sofrer solução de continuidade.

Os reis estão nus e não se aperceberam de sua nudez. Provavelmente, porque têm forte segurança que os protegem já que moram em palácios cercados de guardas e de armas, como nos tempos dos senhores feudais, dos vis bandidos que pululam em todos os cantos das cidades e, sobretudo do Rio de Janeiro e de São Paulo.

As UPPs , instaladas pelo governo do Rio de Janeiro, e outras formas de repressão contra o crime, são bem-vindas – não há como negar - , mas não são ainda a palavra final, a vontade política e corajosa de as autoridades de segurança, de a presidente da República e dos governadores e prefeitos, todos juntos equacionarem metas e estratégias de combate ao crime organizado, e a outros tipos de crimes praticados por bandidos ou pequenos grupos isolados. É óbvio que as Forças Armadas poderão ser grandes parceiros , pelo respeito que têm junto ao povo, no sentido de darem apoio logístico e de equipamentos de combate à alta criminalidade.

Entre as ações que teriam efeito mais imediato mencionaria as seguintes:

1) Determinar-se que a polícia militar e a civil entrem em ação, com a a presença nas ruas, nos bairros, fazendo-se presentes e ostensivas, inibindo qualquer ousadia de bandidos nos diversos lugares onde possam aparecer para infernizar a vida normal da população;
2) Formular estratégias de combate mediante a perseguição sem trégua nos gargalos por onde passam as armas pesadas ou leves de criminosos. Neste caso específico, fortalecer as nossas fronteiras com os países vizinhos, assim como fiscalizar pesadamente os limites entre os estados e municípios, com o trabalho  da polícia militar de cada estado  e o suporte da polícia rodoviária federal;
3) Combater intensamente o tráfico de drogas, desbaratar as milícias, moralizar os presídios, dificultando que criminosos perigosos tenham acesso a armas e a aparelhos de comunicação com asseclas fora dos presídios;
4) Valorizar os policiais, dando-lhes salários compatíveis com a alta missão social que lhes cabe cumprir, melhorando a qualidade da formação do militar, com exames de seleção rigorosos nas questões de competência e comportamento moral, incorporando somente os melhores, os que demonstrarem real vocação para esta atividade. Os policiais precisam  de ser estimados pelas comunidades e para alcançarem este prestígio somente a atuação deles indicará quem são os melhores.

A sociedade civil não está mais suportando tantos atos criminosos ceifando m ilhares de inocentes e indefesos. Os criminosos não tão numerosos que até parece que vivemos num estado permanente de guerra civil. Crianças jovens, adultos, velhos estão sendo vítimas fatais da criminalidade em todo o país, especialmente nos estados do Rio de Janeiro, com um saldo mais negativo para São Paulo, naturalmente por ser uma metrópole maior.

Um país não pode apenas limitar-se a atingir níveis econômicos maiores, nem melhorar  unicamente o nível de pobreza. Um país melhor tem que aprimorar-se em vários outros  aspectos de sua  estrutura  governamental: educação, saúde,  transporte, moradia,  lazer etc.
No caso do tema central  deste artigo, cumpre também aos governantes olharem para os mecanismos utilizados pelos poderes da Justiça federal e estaduais, i.e., cabe aos diversos órgãos do judiciário o mesmo empenho na luta contra a criminalidade, através dos ministérios públicos e de toda a máquina disponível do judiciário. Se o combate for eficiente e por tempo indeterminado, com a pressão da sociedade civil e diversas organizações auxiliadoras na luta contra o crime, dificilmente chegaremos aos níveis de excelência atingidos pelos países com uma vida em sociedade muito mais segura do que a nossa. Cabe finalmente, aqui lembrar o a papel de relevo que deve ter os legislativos estaduais e o federal na elaboração de leis que venham atualizar novos mecanismos que redundem numa mais eficiente punição para os criminosos.

A palavra de ordem que vejo na atual situação de desespero da sociedade brasileira é endurecimento das leis contra os diversos graus de delinqüência. Refiro-me particularmente, com os crimes hediondos praticados por adolescentes. As leis precisam ser mais rigorosas . As punições devem ser aplicadas e os marginais devem cumpri-las, eliminando-se as benesses de que hoje se auferem o sentenciado brasileiro, seja de que nível social for. Os juristas que estão atualizando o Código Penal Brasileiro não podem deixar de ter toda essa complexidade ocasionada pelos novos tipos de criminalidade surgidos com a modernidade.

Uma sociedade tão violenta em que se transformou a sociedade brasileira de nossos dias, merece tratamento diferenciado e envolvendo todos os recursos técnicos e humanos de que já dispomos. O que é necessário é pô-los em prática e com enorme responsabilidade de toda a máquina do Estado brasileiro. Cumpre dar respostas às questões aqui afloradas,  às sugestões de um simples articulista, que não é um expert questões criminais, mas que é alguém que está sempre preocupado com o bem-estar de seus concidadãos. Os perigos e os riscos pertencem a todos e podem atingir a todos indiscriminadamente.

domingo, 21 de outubro de 2012

Seleta Piauiense - Lucídio Freitas


LÍRIO BRANCO

Lucídio Freitas (1894 - 1921)


Branca flor, alva flor, flor de neve e de arminho,
De pistilos, de nervo e de alma veludosa,
Flor de aroma sutil, de essência capitosa,
Que tenta como o amor e embriaga como o vinho...

Lírios... neves em flor, ensombrando o caminho
Da vida – estrada real, escampa e misteriosa,
Flor de aroma sutil, de essência capitosa,
Que tenta como o amor e embriaga como o vinho.

Para suprema dor desta alma dolorida,
Sempre afeita ao pesar, à desgraça, ao martírio,
Ave implume chorando as saudades de um ninho;

Existe uma outra flor anêmica e sem vida,
Flor humana que tem a aparência do lírio,
Branca flor, alva flor, flor de neve e de arminho.

sábado, 20 de outubro de 2012

Joaquim Barbosa, negro arretado, sem cotas



José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

Enfim, o Governo jogou a toalha: substituiu o ensino público sem qualidade por cotas da embromação para negros, índios e egressos da escola pública. Certificado da tapeação em troca de diploma superior. Espécie de carteira de habilitação para barbeiros do volante. Jovens privilegiados com essas cotas devem se envergonhar, não com a cor da pele ou raça, mas com o diploma fajuto e barato. O país entrou na moda da mediocridade como critério de avaliação. Qualquer vulgaridade caracteriza talento e código de conduta. Basta se editar uma gramática defendendo besteirol vira tese de mestrado
Joaquim Barbosa, negro porreta, sem cotas, privilegiado pelo talento e meritocracia, temido pelos tubarões da corrupção. Ministro do Supremo Tribunal Federal, ousado e corajoso, capaz de enfiar o dedo nas narinas do colegiado e do padrinho, Lula, que o indicou ao cargo. Ministro do Supremo Tribunal Federal, logo mais, o preto caiu nas paixões dos brasileiros, não pela cor, mas pelo talento, dignidade e coragem, raridades na administração pública.
O Brasil padece de enorme falta de vergonha de seus representantes. Joaquim Barbosa insere-se na casta dos bons vinhos da dignidade nacional. Interiorano, filho de pedreiro e mãe doméstica, sete irmãos. Separados os pais, assumiu, sozinho, aos 16 anos, as rédeas de casa, em Brasília, como funcionário de Gráfica Brasiliense. Sempre estudou em escola pública, bacharelou-se em Direito e mestrado em Direito do Estado. Oficial de chancelaria, trabalhou em embaixadas brasileiras em vários países. Procurador da República por concurso, participou de cursos na área do Direito Público em vários países, professor universitário concursado, fluente em inglês, francês, alemão e espanhol, toca violino desde a adolescência. Se vivesse a era das cotas da embromação, o jovem Joaquim Barbosa certamente não experimentaria o esforço e desenvolvimento do talento. Não só Joaquim Barbosa, mas inúmeros brasileiros mulatos. Machado de Assis, tempo de escravidão, paupérrimo, origem em favela, gago, epiléptico, nunca entrou numa sala de aula, porém recebeu aulas do vigário e se dedicou à leitura, trabalhando na gráfica, escritor de primeira grandeza na literatura universal. Precisasse de cotas da embromação, cochilaria no diploma da mediocridade. Castro Alves, mulato, maior poeta brasileiro, sem cotas, morto aos 24 anos. Lima Barreto, interiorano pobre, estudou engenharia, sem cotas, romancista brilhante, resvalou para o alcoolismo, vítima de tratamento racista. Poeta Cruz e Sousa, mulato, fundou o simbolismo brasileiro. Sua cota foi a persistência, apesar da forte reação racista de familiares.
Jornalista Zózimo Tavares questionou, em sua coluna: "Por que Será? Ministro Joaquim, futuro presidente do Supremo, ganhou destaque em todo o país como relator do mensalão. As pessoas o saúdam nas ruas. Ao votar, os eleitores na fila queriam tirar fotos ao seu lado. Nas redes sociais, ele é referência do bem e da justiça. Tamanha é sua popularidade que teve que desmentir uma eventual candidatura a presidente. Apesar de toda esse reconhecimento nacional, estranhamente as entidades sociais vinculadas à temática negra o ignoram solenemente. Até parece que ele não é negro. Nem é um exemplo eloquente para um país que luta para vencer seus preconceitos." O nome do ministro já percorre o mundo. Uma fábrica espanhola de máscaras carnavalescas já o escolheu para alegria momina.
Entidades vinculadas à causa negra e indígena não relevam o talento e exemplo de Joaquim Barbosa por vários motivos: o ministro não gera votos nem grana para ONGs e políticos que defendem a malandragem de adolescentes criminosos. Quem sabe, a solução para essa turma do bem-bom seja, um dia, um negro arretado na presidência do Brasil, em vez de um sindicalista descamisado de cultura.
Não precisa de tanta discussão sobre cotas, cor ou raça. Discutam como emprenhar uma educação pública de vergonha no modelo de vida de Joaquim Barbosa.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

AS COMEMORAÇÕES DO 19 DE OUTUBRO



Vicente de Paula Araújo Silva “Potência”


A cada ano em Parnaíba, através de atos solenes comemora-se o aniversário da ação política dos valorosos parnaibanos naquele 19 de outubro de 1822, quando os brasileiros da então Villa de São João da Parnahiba, deram o brado de independência do Brasil no Piauí, que ecoando pelas várzeas e chapadas do solo piauiense consolidou, depois de muitas lutas, a permanência das províncias do norte na nação brasileira. Portanto vale a pena lembrar a história:
Dom João VI ao retornar a Portugal em 1821, entendia que era inevitável a separação do Brasil da coroa portuguesa. Naquela ocasião, em conversa com o Príncipe regente que ficaria no Rio de Janeiro, alertou-o para essa possibilidade intimando-lhe a colocar a coroa sobre sua cabeça antes que algum aventureiro assim o fizesse.
Diante disso, sob a articulação política dos irmãos Andradas no Brasil e Portugal, e da campanha jornalística do maçom Hipólito da Costa, no jornal Correio Braziliense, editado em Londres, preparando o clima para o reconhecimento pelos governos estrangeiros da nossa almejada independência política , bem como, a ação da maçonaria em todo o país, provocaram o elenco de ocorrências que culminaram com os acontecimentos de 7 de setembro de 1822 em São Paulo e 19 de outubro de 1822 em Parnaíba.
Dentre os muitos fatos que se desenrolaram ao longo do processo de Independência do Brasil, os mais importantes foram a Promulgação dos Decretos nos 124 e 125 da Corte Portuguesa, datados de 29 de setembro de 1821, através dos quais, o Brasil perdia a condição de Reino-Unido; O Dia do Fico em 0 de janeiro de 1822; O manifesto redigido por Joaquim Gonçalves Ledo e assinado por Dom Pedro em 01 de agosto de 1822 e finalmente em 7 de setembro de 1822, às margens do riacho Ipiranga em São Paulo, o recebimento das correspondências enviadas pela Princesa Leopoldina e José Bonifácio, intimando-lhe a dar o brado de Independência da nação brasileira.
A partir daí estava deflagrada a campanha de consolidação da Independência do Brasil. Aqui na Villa de São João da Parnaíba, após os cearenses da Villa da Granja terem aclamado D. Pedro como Imperador Perpétuo do Brasil em 5 de agosto de 1822, e sob a inspiração do Juiz de Fora João Cândido de Deus e Silva, bem como, do apoio do lider parnaibano Simplício Dias da Silva, os simpatizantes da causa brasílica manifestavam-se a todo vapor, razão pela qual, portugueses influentes na comunidade solicitaram a remoção do Comandante do destacamento militar Tenente Joaquim Timóteo de Brito, pois o mesmo estava a favor do movimento.
Decisivamente para as províncias do Norte, em 19 de outubro de 1822, o Cel. Simplício Dias, a frente da guarnição militar em Parnaíba, enladado pelos membros do Partido Brasileiro e o povo, conclamou o Senado da Câmara a aceitar a situação política de Independência do Brasil, sob o comando de Dom Pedro.
Diante isso, a junta de Governo do Piauí, em 6 de novembro de 1822, toma conhecimento do evento de Parnaíba, e em 13 do mesmo mês, o Governador das Armas, João José da Silva Fidié, já estava a caminho do foco libertário com a tropa reforçada e armas que pode arregimentar. Apoiado em água pelo vaso de guerra Infante D. Miguel, enviado pelo Governo do Maranhão, penetra na vila em 18 de dezembro de 1822, iniciando-se então um período tenebroso para os familiares dos líderes do movimento nacionalista que haviam deslocado-se estrategicamente ao Ceará, com a finalidade de recrutarem combatentes, e de volta sitiarem o inimigo na área em que o povo já despertava para a importância do movimento.
As notícias da adesão ao movimento em Oeiras, a tomada de Piracuruca por Leonardo Castelo Branco em 22 de janeiro de 1823, as escaramuças no combate na Lagoa do Jacaré (Piracuruca), o desastroso sacrifício de brasileiros na “Batalha de Jenipapo”, em que Fidié ganhou mas não levou, e finalmente a sua fuga para o Maranhão, onde, posteriormente, foi derrotado em Caxias, foram fatos que consolidaram a Independência Política do Piauí e do Meio Norte do Brasil.

Phb, 20 out.2012 – Vic. AS COMEMORAÇÕES DO 19 DE OUTUBRO
Vicente de Paula Araújo Silva “Potência”

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Oeiras do Piauí, 250.




Fonseca Neto

Há exatos 250 anos – 24 de setembro de 1762 – a seiscentista povoação do brejo da Mocha ganha a denominação de “Oeiras do Piauí”. Mais significativo: ganha essa vila a condição de capital. Tais fatos se expressam por decretos do rei e do governador da capitania, João Pereira Caldas, então solenemente executados. Melhor ver um deles.
João Pereira Caldas, alcaide-mor, comendador de São Mamede de Troviscoso na Ordem de Cristo, coronel de cavalaria, governador da capitania de São José do Piauí. Porquanto havendo-me Sua Majestade mandado erigir em vilas todas as freguesias desta capitania, por carta firmada pela sua real mão, e datada de 19 de junho do ano próximo passado; foi juntamente servido determinar-me na mesma carta que logo que as ditas vilas fossem estabelecidas, havia por bem criar esta em cidade capital delas. E porquanto, havendo eu concluído a fundação de todas as referidas vilas; e havendo-me presentemente recolhido a esta, se acha ela nos termos de poder principiar a gozar do generosíssimo efeito daquela clementíssima e real resolução. Ordeno, que em observância dela, se fique esta vila conhecendo de hoje em diante por cidade, e denominando-se com o mesmo nome de Oeiras do Piauí, que proximamente lhe impus de novo. [...]. Dado nesta nova cidade de Oeiras do Piauí, sob o meu sinal e sinete de minhas armas, aos 24 dias do mês de setembro do ano do nascimento de Cristo de 1762. E eu Joaquim Antunes, secretário do governo desta capitania o fiz. – [as.] João Pereira Caldas.”
Fácil notar que o governador praticara ato emanado da régia vontade, que vinculara sua nomeação e exercício da governança local à implementação de uma estrutura político-administrativa mais racional e arrojada nos sertões do Piauí. Isto implica, como é sabido, a implantação definitiva da própria capitania – criada pela mão régia quatro décadas antes, em 1718, reinado de João V – e a posse do próprio Caldas, em setembro de 1759.
Então, três anos depois, o governador cumpre parte importante de sua missão: estabelecer as vilas, isto é, emancipar do município do Mocha, com a eleição de governos civis, seis novas municipalidades, as quais, todas, já se encontravam territorialmente distritalizadas em governos paroquiais. De fato, a velha Mocha, estabelecida enquanto distrito de vara eclesiástica desde 1697 e sede municipal efetivada em 1717, e já comarca, desde sempre fora a “capital” e maior referência do governo dos sertões do Piauí. O que acontece nesse 24 de setembro é a formalização de tudo. No sentido de todos os tempos, não haveria capital, isto é, “cabeça”, sem um corpo dotado de membros, no caso, os municípios, delimitados entre os sertões de muito em cima, de Rodelas, e as praias atlânticas, muito embaixo, onde o Punaré desemboca no mar, em delta. Daí observar Caldas que somente após isso poderia Mocha ser criada em “cidade capital delas”, “com o mesmo nome de Oeiras do Piauí, que proximamente [1761] lhe impus de novo”. As vilas-municípios estabelecidas por ele nos meses anteriores e que culminam com essas solenidades do dia 24, são: Parnaguá, em 3 de junho de 1762; Jerumenha, 22 de junho; Campo Maior, 8 de agosto; Parnaíba (na Piracuruca), 18 de agosto; Marvão (agora Castelo), 12/13 de setembro; Valença, 20 de setembro. Nessa época, por Antonio Galúcio, já ele cartografara a capitania, à perfeição, e dela já fizera o censo demográfico e sócio etnográfico. 
Toda essa movimentação se dá no contexto do governo maior de Sebastião José de Carvalho e Melo, conde de Oeiras, depois (1769) marquês de Pombal. Acontecimentos mediados por um seu irmão que governava o Estado do Grão-Pará e Maranhão, a cuja estrutura era subalterna a capitania real do Piauí.
Como é de todos sabido, a denominação “Oeiras” homenageia Tião de Melo, em vida. E chamar-se a capitania, de “São José”, honra José I, o rei, filho de João V, criador dela.  
Sobre a cidade diz Tito F.° esta joia, no ótimo “Passeio a Oeiras”, de Dagoberto, jr.: “... nascida nos sertões de dentro, com a bravura de suportar vácuos sem fim e solidões insolentes. Capital do mundo de outrora. Capital perene das tradições do Piauí”. 
Solidões?


quarta-feira, 17 de outubro de 2012

OS PODRES PODERES





17 de outubro   Diário Incontínuo

OS PODRES PODERES

Elmar Carvalho



Tempos atrás, estava eu na antessala de uma repartição, quando falamos sobre autoridades, poderes e pretensos poderosos. Uma pessoa comentou que, no condomínio em que residia, havia um velho, hoje bastante decrépito, que fora poderoso; exercera cargos importantes da administração pública estadual, mas hoje mal conseguia andar, a arrastar a sua velhice cheia de mazelas. Comparou esse idoso a um leão desdentado, sem garras e sem juba, mas que outrora aterrorizara os servidores mais humildes.

O advogado – era essa a profissão do nosso interlocutor – disse que mostrava esse velhinho caquético a seu jovem filho, e ressaltava quanto ele havia sido poderoso, e agora mal se sustinha sobre as próprias pernas. Queria ele com isso demonstrar ao filho o quanto o poder humano pode ser uma falácia, e quanto pode ser passageiro e fugaz. Uma pessoa que estava no recinto olhou-me, balançando a cabeça, como se estivesse a zombar do que o cidadão dissera.

Eu, que a conhecia, relativamente bem, sei que ela, não obstante o seu modo aparentemente suave para com os seus pares e superiores, era intransigente e rigorosa no trato com os seus subordinados, pouco dando de si, mas sempre exigente em relação aos outros. Creio que ela desaprovou o que o causídico comentou, talvez, exatamente porque o caso alegórico se ajustava a ela como uma perfeita carapuça.

O povo, em sua sabedoria, pela voz dos ditados, diz que uma formiga quando quer se perder cria asas. Também afirma que só se conhece realmente uma pessoa quando lhe é dado muito dinheiro ou poder; que nessas circunstâncias ela revelará a sua verdadeira personalidade.

Sem dúvida, poderá uma pessoa, que não seja dotada de boa formação moral, deixar-se cegar ou embriagar pela riqueza ou pela autoridade do cargo exercido, descambando para a vaidade, para o orgulho, para a presunção, muitas vezes vindo a se degenerar em perfeito Sardanapalo, escravo de orgias e bacanais, ou pequeno Calígula, a oprimir os subordinados e até o administrado, de que deveria ser servo, posto que é servidor público.

Eu mesmo conheci uma pessoa que, quando assumia a rédea de uma repartição pública, nas férias do titular, passava por uma radical transformação, como se estivesse atuado ou possuído por outra pessoa ou “entidade”. Seu caminhar se tornava mais firme, quase como se estivesse a executar uma marcha, a pisar com força, em verdadeira postura marcial, o assoalho da repartição. Sua voz se tornava grave, pausada, empostada, como a de um apresentador de televisão.

Quando consultado, mesmo sobre uma coisa de somenos importância, assumia um ar severo, de muita gravidade, a cofiar a barba rasputiniana, como se o caso fosse de altíssima indagação; olhava para cima, a revirar os olhos, como se estivesse em profunda meditação, para somente após vários segundos dar a sua resposta. Se a abordagem fosse um pedido, geralmente a sua resposta era um não, porquanto esse arremedo de Nero parecia sentir um inconfessável prazer em contrariar os outros. O mais curioso é que esse pequenino tirano se dizia adepto do espiritismo. Mas, como quem nasce para cangalha nunca receberá sela, o reinado desse chefete foi efêmero, como efêmeras são as gloríolas humanas.

Nunca desejei o poder pelo poder em si mesmo. Desejei sempre executar um trabalho, prestar um serviço, ser útil a meus semelhantes. Sempre digo que devemos procurar ser úteis e bons, e que o verdadeiro servidor público é pago para ser útil e desenvolver um trabalho, e que ainda, como recompensa e acréscimo, é pago para isso. Parafraseando o Evangelho, direi que o melhor servidor público é o que for o servo de todos.

Mesmo porque não lhe é lícito tratar com distinção ou privilégio algum administrado, já que todos são iguais perante a lei. É pago para ser útil, para servir, para fazer o bem, na forma da lei. E os indeferimentos? – há de algum leitor me questionar. São apenas consequências de ordem legal, revestidas em prol da sociedade como um todo, e não uma arbitrária maldade do servidor. Os indeferimentos, quando legais e justos, são um benefício ao conjunto dos administrados, são uma rejeição aos pleitos espúrios e ilegítimos.