domingo, 31 de janeiro de 2021

Nascei feio mesmo assim

Fonte: Google/Pinterest


Nasci feio mesmo assim


Jonas Fontenele de Carvalho

Advogado, professor e escritor


Nasci feio mesmo assim,

Logo cedo perdi mãe e fiquei errante,

Nordestino, sangue nada fino, resolvi encarar o mundo

São Paulo logo me encantou, novidades eram tantas

Trabalhei de um tudo moço, passei por momentos ruins

Chorei, sofri, mas resisti, encarei a luta feito mutante

Tudo aparecia veloz demais, ditadura, drogas, modas, resistência

E eu? Perdido no meio daquilo tudo a me triturar, torturar

Nasci feio mesmo assim.

Meus amigos curtindo Gal, Caetano, Mutantes, Gil

E eu ouvindo sem saber mesmo por que, James Brow e Odair José 

Tempos brutos exigiam respostas duras, 

viver era preciso, navegar não

sem entender o porque do nada o turbilhão passou,

 se foi, não entendi nada 

hoje, não sei se já maduro, por vezes me pego matutando

pensando nas coisas que vivi, que sofri, que resisti

hoje sorrio um sorriso todo meu, conquistado no ferro e na brasa 

e a vida passa despreocupada ao largo de mim

e eu moço? Não sei de nada, só sei que nasci feio mesmo assim.

sábado, 30 de janeiro de 2021

Algumas reflexões sobre livros, leitura e literatura

Fonte: Google/Folha - UOL


DIÁRIO 

[Algumas reflexões sobre livros, leitura e literatura]

Elmar Carvalho

30/01/2021

Machado de Assis, que era Machado de Assis, e numa época em que a literatura tinha certo prestígio e não havia uma infinidade de passatempo e entretenimento como nos dias de hoje, admitiu, em frase célebre, diretamente ou através de alter ego, ter poucos leitores, já não me lembro se três ou se seis. Claro, foi um exagero, uma força de expressão, mas ele demonstrava a sua insatisfação em ter poucos leitores.

Com essa parafernália de equipamentos tecnológicos que hoje existem, grande parte voltada para a diversão, a literatura perdeu o seu prestígio e charme. O leitor internético, em sua maioria avassaladora, é superficial e volúvel. Eu os chamo de leitores beija-flores; espiam um título aqui, olham uma manchete acolá, e com muita força de vontade conseguem ler a cabeça de uma matéria.

Basta que se vejam as casas. Poucas possuem uma quantidade de livros, que possam ser considerados como sendo uma biblioteca. Quando o dono de uma morre, os herdeiros, quase sempre, consideram esses livros um estorvo, a tomar espaço, e logo tratam de se desvencilhar deles, através de doações, de venda para eventuais sebos, ou simplesmente os descartam como se fossem lixo. Talvez até achem que livros só sirvam para atrair traças e cupins.

Ainda alcancei um tempo em que os poetas eram lidos pelos seus poucos colegas, quase como um favor recíproco. Eu te leio para que tu me leias, e nós nos leiamos. Hoje muitos poetas só têm olhos para seu próprio umbigo, ou seja, só leem a si próprios, numa postura de perfeitos narcisos de sua poesia. Ególatras, só consideram digna de leitura a sua produção. Ignoram ou desdenham o que os outros escrevem. Assim, não tenho mais nenhuma ilusão. Aliás, nunca tive. Todavia, muitos publicam um livro na doce ilusão de que irão ganhar alguma notoriedade. A esses eu aconselho que melhor seria se tornarem músicos ou cantores, ou ingressarem na política partidária.

Enquanto o escritor carecer de mendigar para ser lido, ou implorar para que alguém o leia, a literatura pouco prestígio terá. Enquanto uma pessoa comprar um livro de autor piauiense como se estivesse fazendo um favor, como se estivesse a isso sendo compelida, é sinal de que não temos um público consumidor.

Para o escritor piauiense ganhar alguma visibilidade teria que haver uma forte campanha publicitária e uma excelente logística na distribuição e na exposição do livro na prateleira. Caso contrário, ficará sepultado na estante de uma livraria, perdido no meio de milhares de outras obras. Aliás, por falar em livraria, não é fora de propósito lembrar que várias delas entraram em falência, de onde não é difícil concluir que livro, no Brasil, não é um produto tão fácil de se vender.

A distribuição teria que ter uma enorme capilaridade, e que se estendesse por todo o território brasileiro, para que se alcançasse o maior número de pontos de venda e se atingisse o maior número possível de potenciais leitores. E isso é difícil, porque as distribuidoras só se interessam pelos livros das grandes editoras e geralmente de autores famosos, ou pelos chamados best sellers.

Foi exatamente observando a pequena quantidade de compradores de livros e o menoscabo que vinha assolando a literatura do Piauí, que resolvi encetar, quando presidi a União Brasileira de Escritores do Piauí no período 1988/1990, uma campanha para que a nossa literatura fosse inserida na Constituição Estadual como disciplina obrigatória.

Contando com o apoio de minha diretoria e com o respaldo do deputado Humberto Reis da Silveira, relator-geral da Assembleia Constituinte, esse desiderato foi alcançado. Foi alcançado, mas nunca foi efetivamente posto em prática, por motivos que não irei aqui explanar, mas entre eles a falta de interesse dos gestores públicos, sobretudo dos responsáveis pela educação e pela cultura.

Agora, graças ao esforço de Zózimo Tavares, presidente da Academia Piauiense de Letras, coadjuvado por outros acadêmicos, e contando com o apoio decisivo do Conselho Estadual de Educação, breve a Literatura Piauiense será estudada em nossas escolas, públicas e particulares. Isso será de capital importância para o conhecimento de nossas obras literárias e de nossos escritores. Finalmente o artigo 226 de nossa Carta Magna estadual será executado, na parte pertinente ao ensino de nossa literatura.

Contudo, acho que seria importante a formação de novos leitores, com o empenho do poder público, de entidades literárias e dos pais, que poderiam ler para seus filhos obras infantis, para lhes despertar o gosto pela leitura. Assim, a formação de grupos de leitura, de contação de história, de saraus e outros eventos literários seriam fundamentais para o surgimento de mais e novos leitores.

Em síntese, jamais haverá um passe de mágica ou uma varinha de condão que faça com que uma pessoa venha a apreciar uma obra literária. Temos que aceitar o fato de que a literatura terá sempre a concorrência de diversas formas de diversão, passatempo e outras manifestações artísticas, virtuais ou não. Como disse, conquanto nunca tenha sido um pessimista, não tenho nenhuma ilusão de que a literatura possa voltar a ter o glamour que possa ter tido em época mais remota. Existem mesmo pessoas para quem ler um livro é uma coisa chata e um serviço pesado e penoso, um verdadeiro sacrifício.

Mas, talvez, sonhar seja preciso. Sonhemos, pois. Mas, por favor, não fiquemos deitados eternamente em berço esplêndido. Arregacemos as mangas, e laboremos.       

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

O CULPADO É O CRIADOR

 

Fonte: Google

O CULPADO É O CRIADOR


Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)


                 Principalmente, depois que a ideia filosófica do politicamente correto se instalou, com sua força cerceadora e crítica, notadamente, entre indivíduos mais radicais, por tudo que acontece sob a forma de mazela terrestre, envolvendo clima, meio ambiente, flora, fauna, e até mesmo algumas astronômicas, cósmicas ou cosmológicas, em razão do nosso discutível comportamento moral e existencial, enquanto seres humanos, somos acusados e, de antemão, considerados culpados.

                Para os extremistas, os maria vai com as outras, como são alguns defensores ferrenhos da ideia de que somos, naturalmente, destrutivistas, destrucionistas, não eles, mas outros de nós, por os trazermos para nosso meio, os centros urbanos ou mesmo rurícolas, tirando-os de seus habitats, seríamos responsáveis pela proliferação ou mutação de microrganismos como os vírus, as bactérias e os fungos; assim como, pela quase domesticação das capivaras que vimos, já nestes dias pandêmicos, graças à placidez e calmaria de algumas grandes cidades isoladas pelo coronavírus, enfileiradas, em passeios matinais e vespertinos pelas ruas, olhando as vitrines – talvez, nada comprando por falta de vendedores -; dos saguis, os macacos-prego, aves como as rolas (conheço-as por rolinhas), o canoro e bravo canário amarelo – sê bem-vindo, amigo! -, os bem-te-vis, os pombos, e tantos outros indivíduos da fauna, para dentro de nossos lares, a dividir conosco os alimentos; as cobras, também, já são de casa, ou nossas vizinhas, como os escorpiões e as lacraias. As baratas e os ratos, esses não nos largam nunca: somos unha e carne com eles, desde sempre. As abelhas, sou obrigado a admitir que, com elas, estamos, de fato, sendo deveras irresponsáveis, tratando-as muito mal, enxotando-as para o mais longe possível, levando-as ao caminho da extinção; se isso acontecer, aí, sim, vamos comer o pão que o diabo amassou, e que não vai ser suficiente para todos.

                Também somos acusados, graças à poluição que produzimos, de contribuir para esburacar a camada de ozônio; também por conta da danada poluição e outras coisinhas mais, como o assoreamento das margens dos mananciais fluviais, por levar esses a secarem; pelo degelo dos icebergs e de outras plataformas geladas, o que faz aumentar o nível dos oceanos e mares, que, por conseguinte, inundam regiões situadas abaixo de seu nível ideal. Pela loucura, enfim, do clima, temos uma participação absurda de culpa. Por conta de nossa busca desenfreada para ocupar espaço onde pretendemos instalar essas metáforas humanas que chamamos progresso e desenvolvimento, ainda que objetivando proporcionar melhoria existencial na vida de tantos, acusam-nos, contrariamente, de, com isso, levarmos males e perrengues a muitos irmãos.

                Para os que insistem em pensar assim, tão malevolamente, sobre o homem, melhor dizendo, a respeito das ideias e decisões que tomamos, e que causam tanta desgraça aos habitantes da terra, quiçá, não ao universo conhecido e por conhecer, possivelmente, somente não seríamos invasores, depredadores ou destruidores em poucos lugares terrestres. À África não deveríamos ter ido, eis que, antes de nossa chegada, já lá se encontravam o leão, o rinoceronte, a girafa, a zebra, os tigres, leopardos, gnus, hipopótamos, outros antílopes, os grandes macacos e as cobras famosas. Na Oceania, Austrália e/ou Nova Zelândia, nem pensar: quem defenderia de nós animais precursores como os ornitorrincos, os cangurus, o coala, o diabo da tasmânia, o elefante-marinho? Nas Américas, descobertas e habitadas depois dos outros continentes, na do Norte, cercados de cuidados, algumas porções territoriais do Canadá, Estados Unidos e México, habitadas ou pouco ocupadas por seus ursos, salmões, lobos, onças, os aligátores, poderíamos ocupar. Na Central, talvez desse para convivermos com papagaios, tucanos e outros pássaros, desde que não mexêssemos com peixes e anfíbios. Na América do Sul, como cá já estavam muito tempo antes de nós, os condores, as onças-pintadas, as sucuris, os búfalos, florestas gigantescas, intocadas, intocáveis, sagradas; índios, rãs minúsculas, salamandras, borboletas multicoloridas, pernilongos; honestamente? também não seria lugar para nós. A Europa, o velho continente, lá, provavelmente, fosse um bom habitat; tartarugas, veados, texugos, lontras, lobos, morcegos, existem em quase toda a terra; com uma logística adequada, poderíamos transportá-los ou os transplantarmos, por exemplo, na América do Sul: por aqui, há climas e ecossistemas parecidos com os europeus. Desculpem-me os que acharem que estou exagerando ou sendo irônico. Nem tanto, mestre. Ou será que toda essa perfumaria que somos obrigados a aspirar, tanta gororoba para engolir, tanto barulho para ouvir, somente a mim incomodam? 

                Ainda bem que o criador – para os crentes, aos evolucionistas, a natureza; para os céticos ou agnósticos, o que quiserem – não pensou sobre nós como muitos de nós pensam: que seríamos predadores, destruidores do tipo mais louco e demente: autofágicos. Deu-nos a Terra e o universo para cuidarmos e nos fez superiores às árvores, peixes e demais seres ao nos dotar de inteligência, raciocínio, livre-arbítrio, discernimento; obviamente, impôs-nos restrições ou cerceamentos: disse que deveríamos fazer tudo de forma a não o decepcionar. E quase concluiu: não matem nem se matem.              

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

AS ORIGENS DA LITERATURA CAMPO-MAIORENSE

 

Poeta padre Gastão Pereira da Silva, filho do coronel Lysandro Pereira da Silva.

Fonte: Demes, Joselina. Floriano: sua história, sua gente. Teresina: Halley, 2002. p.445-446



AS ORIGENS DA LITERATURA CAMPO-MAIORENSE

 

Celson Chaves

Professor, historiador e escritor

 

Dr. Miguel de Sousa Borges Leal Castelo Branco (1836-1887) foi o primeiro campo-maiorense consagrado no cenário das letras e da intelectualidade piauiense. Sua atividade literária inicia-se na década de 1860. Escrevia em verso e prosa. Publicou as seguintes obras: Apontamentos biográficos de alguns piauienses ilustres e de outras pessoas notáveis que ocuparam cargos importantes na província do Piauí (1878); o Almanaque Piauiense (v.1, 1879; v.2, 1880; e v. 3, 1881) e a Revista Mensal (1884).

 

Foi redator dos jornais Liga e Progresso, A Imprensa e Theresinense.  Exerceu o cargo de professor de retórica, poesia e língua francesa no Liceu Piauiense de Teresina. Fundou o Colégio Nossa Senhora das Dores. Escreveu sobre diversos assuntos de interesse da província do Piauí.

 

O polígrafo dedicou boa parte de sua vida intelectual a educação, ao jornalismo, a biografia e a pesquisa histórica. Foi o primeiro poeta e historiador de Campo Maior. A escrita era sua grande paixão. Segundo Félix Aires, Dr. Miguel “floresceu como poeta na fase romântica da literatura piauiense, iniciada por José Coriolano de Sousa Lima (1829-1869)”.

 

POR OCASIÃO DE UM CONSÓRCIO

 

Na profusão de luz enchendo as salas

 

Domina, aqui, reunião brilhante!

 

Oh, quanto assenta bem – mundo elegante

 

M ruidoso sarau – trajando galas!

 

 

 

Depois da polidez das meigas falas,

 

Harmoniosos sons a cada instante!

 

É belo, assim, – o quadro deslumbrante;

 

Quando na dança os pares formam alas!

 

 

 

Destarte alegres horas vão passando;

 

Até que o coração assaz repleto

 

Se sinta do prazer que vai gozando…

 

 

 

E quando este sarau já for completo,

 

Irão todos comigo, enfim, pensando

 

Que um verdadeiro amor é mel himeto.

 

AIRES, Félix. Antologia de Sonetos Piauienses. Teresina-PI: Academia Piauiense de Letras, 1972.

 

A dedicação à escrita e a cultura tornara Dr. Miguel de Sousa Borges Leal Castelo Branco famoso pelo conjunto da obra, aponto de ser lembrado no movimento de criação da Academia Piauiense de Letras, em 1917, tornando-se Patrono da cadeira nº22. O pai do Dr. Miguel, Lívio Lopes Castelo Branco e Silva (1811-1869) era advogado provisionado, homem culto, apreciador de leituras e profundo conhecedor da civilização clássica (greco-romana). Lívio foi o primeiro jornalista de Campo Maior. Fundou jornais no Piauí e Maranhão. Escrevia artigos de opinião. Um liberal e revolucionário. Chegou a produzir um livro de memórias (infelizmente não publicado) sobre sua participação na Balaiada, movimento subversivo ocorrido no Piauí e Maranhão entre os anos de 1838 a 1842.

 

No final do século XIX, eram poucos os escritores campo-maiorenses. Além de Dr. Miguel, atuavam com certa evidência os poetas Dr. Augusto Ewerton e Silva (1862-1939), padre Fábio José da Costa (1863-1900), H. Castelo Branco e Antônio José da Costa Júnior.

 

Da passagem do século XIX para o século XX, pouca coisa mudou em Campo Maior. As condições sociais e econômicas permaneciam as mesmas. As famílias tradicionais monopolizavam o poder. A pecuária continuava como a principal atividade econômica e o povo permanecia excluído do processo político. Não havia melhoramento urbano, as ruas de chão batido seguiam inalteradas, o comércio era reduzido e centrado no Largo da Matriz. O repicar do sino da igrejinha de Santo Antônio cadenciava a vida urbana.

 

A cidade chegou a possuir um jornal local de propriedade de Francisco Figueiredo da Silva Duarte, contudo não passou de três edições; uma banda de música de propriedade do mestre alferes Raimundo Antônio Luiz da Paz; e uma biblioteca criada pelo Conselho Municipal, organizada e administrada pelo poeta Moysés Maria Eulálio. Em Campo Maior realizou-se algumas esporádicas conferências e eventos literários no Conselho Municipal.

 

Diante do cenário de pouca opção, atrações e instrução, sem nenhuma expectativa de crescimento literário. Numa cidade pequena, com ares de vila, de vida quase rurícola, os escritores partiam para Teresina em busca de graduação, fama ou talvez alguma visibilidade, mesmo que secundária, entre os grandes nomes das letras piauienses do início do século XX, temos como expoentes: Higino Cunha, Abdias Neves, os irmãos Clodoaldo e Lucídio Freitas, Celso Pinheiro… Fora a capital, Parnaíba era uma segunda opção dentro do Estado.

 

No início do século XX, a capital urbanizava-se, civilizava-se. Teatros, cinemas, jornais, clubes, associações literárias e a origem da Academia Piauiense de Letras (1917), atraíram pela efervescência cultural, poetas e outros artistas. O espaço era um campo bastante disputado na urbe Teresinense.

 

Primeira Geração de Escritores de Campo Maior

 

Os poetas campo-maiorenses não se dedicavam profissionalmente a literatura, publicavam esporadicamente nos jornais de Teresina. Poucos eram membros de clubes e associações literárias. Não militavam no mundo das letras, não buscavam polemizar, apenas colaboravam. Uns ficavam no anonimato por não alcançar o almejado, outros por opção, a exemplo do padre Gastão Pereira da Silva, ficava recluso com seus escritos.

 

Membro de uma família rica e altamente influente em Campo Maior, entre o final do século XIX até a segunda metade do século XX, padre Gastão Pereira da Silva, ao contrário de irmãos e primos buscou a batina em vez da política. Foi ordenado padre em 1910. E durante o sacerdócio prestou serviço nas paróquias de Campo Maior, Luís Correia, União, Parnaíba, Altos e Floriano.

 

Apesar ter nascido em uma família de políticos, crescido num ambiente de confabulações e tramas, o poder nunca lhe atraiu.  O gosto pelos estudos, pela leitura certamente foi influência do tio, Agesilau Pereira da Silva, jornalista e advogado formado na faculdade de direito de Recife-PE, uma das mais conceituada do Império.  Agesilau era uma figura respeitada na sociedade piauiense pelos cargos políticos que ocupara. Era um homem culto e de visão, apesar de algumas vezes levantar polêmica por conta da política. O pai de Gastão possuía modesta formação intelectual.

 

 

 

As poesias do padre Gastão estão reunidas num caderno, em que o próprio autor intitulou de “Escrínio de Preciosidades”. São textos inéditos. O caderno contém 11 poemas, sendo quatro sonetos. Os poemas versam sobre diversas pessoas, contemporâneas e conterrâneas do padre escritor. Grande parte das poesias de Gastão foi escrita em Fortaleza. As personalidades descritas nos poemas são de homens e mulheres, que o influenciaram na poesia, caso do poeta simbolista Celso Pinheiro, pelo exemplo de vida ou profissão de fé. Atividade literária do padre Gastão situa-se entre as décadas de 1920 e 1940. Gastão despertou o gosto pela poesia e a escrita ao ingressar no seminário. O período de formação eclesiástica foi de amadurecimento poético.

 

 

Poeta padre Gastão Pereira da Silva, filho do coronel Lysandro Pereira da Silva.

Fonte: Demes, Joselina. Floriano: sua história, sua gente. Teresina: Halley, 2002. p.445-446.

 

 

As condições de impressão de livros no Piauí eram precárias para não dizer inexistente. Gastão não chegou a publicar seus poemas, preferiu o anonimato. Para os escritores campo-maiorenses que buscavam o reconhecimento literário recorria-se aos jornais da capital.

 

Os literatos campo-maiorenses, do final do século XIX e primeira metade do século XX, eram oriundos de famílias abastadas, de forte tradição política. Eles tiveram formação educacional esmerada e grande parte chegou à bacharela em direito, teologia, física e matemática nas melhores faculdades do Brasil. A maioria residiam ou passava temporadas em Teresina.

 

Os poetas tiveram atuações efêmeras, abandonavam a poesia por conta do casamento, trabalho ou outros afazeres (Valdivino Tito, Moysés Eulálio, Mário da Costa Araújo…). Mesmo sendo amadores, determinados poetas campo-maiorenses, por conta das suas publicações em jornais, conseguiam arrancar alguns comentários da exigente crítica piauiense.

 

Os principais nomes da literatura campo-maiorense, entre as décadas de 1900 e 1950 foram Mário da Costa Araújo (1896-1971), Manuel Bernardes da Costa Araújo, Valdivino Tito de Oliveira (1873-1925), Joel Genuíno de Oliveira (1880-1969), Moysés Maria Eulálio (1871-1931), Otacílio Eulálio (1914-1992), Gastão Pereira da Silva (1886-1944), Augusto Ewerton e Silva (1862-1939) e Domingos Monteiro (1870-1940).  Dentre os historiadores, Joel Genuíno de Oliveira e Joaquim Antônio de Oliveira (1907-1972) deram sua contribuição para a cidade das carnaúbas. Artigos de opinião ficavam por conta de João Crhysóstomo Genuíno de Oliveira. Entre os cronistas, vale citar, Octálio Eulálio e Mário da Costa Araújo.

 

A maioria dos escritores atuava fortemente em Teresina, publicando nos principais jornais da capital e participando de clubes literários; na Parnaíba, eles editavam seus textos no Almanaque da Parnaíba. Antônio Bona, membro da APL, residia em São Luís, sempre que podia enviava seus escritos opinativos para os jornais da capital. As gazetas de Campo Maior eram poucas e esporádicas. Os poetas campo-maiorenses eram bem recepcionados pela crítica teresinense, bem aceito nos movimentos e clubes literários. Moisés Eulálio e João Crhysóstomo Genuíno de Oliveira e Joel Genuíno de Oliveira compõem o clube literário 12 de outubro, escreviam no jornal Andorinha da referida associação literária.

 

Alguns buscavam fama literária em Teresina, outros não. Uns conseguiram visibilidade e ingressaram em círculos literários, outros não.  Valdivino Tito foi o de maior projeção cultural e intelectual, reconhecido pela crítica, não por conta dos textos poéticos e nem pelos ensaios de crítica literária, mas pelos brilhantes textos jurídicos publicados na Revista Litericultura.

 

Entre o final do século XIX e início do século XX, estabeleceu-se o uso da poesia como arma política. Os poetas denunciavam os defeitos dos adversários. O contexto era de enfrentamentos, acusações e difamações. Os escritores usavam pseudônimos para preservar a verdadeira identidade. O principal alvo dos versos ácidos dos bardos era Lysandro Pereira da Silva, uma das maiores lideranças do município desse período. Os ataques partiam de ambos os lados. Não havia inocentes. Era constante a publicação de poesias satíricas, principalmente no jornal A Legalidade. O poeta buscava convencer o leitor, apresentando os defeitos dos adversários com o uso de versos maliciosos. Os versos satíricos intencionava humilhar o adversário.

 

As brigas entre liberais e conservadores no período do Império continuaram ferrenha mesmo com a proclamação da República em 1889, afinal os atores eram praticamente os mesmos, só que agora filiado a partidos republicanos. As poesias dispersas nos jornais do século XIX e início do século XX alimentavam essas disputas e intrigas com versos pejorativos e apelidos.

 

As origens da literatura campo-maiorense não deixam dúvidas de que os arsenais de textos partem da família Castelo Branco. Sua magnitude se expandiu a todas as atividades que deram a Campo Maior a formação de cidade que vemos até hoje. Eles, sem sombra de dúvidas mesclaram seus conhecimentos oriundos da Europa com os regionais, estabelecendo assim uma identidade própria.

 

FONTES CONSULTADAS

 

AIRES, Félix. Antologia de Sonetos Piauienses. Teresina-PI: Academia Piauiense de Letras, 1972.

 

BRASIL, Assis. A Poesia Piauiense no século XX. Rio de Janeiro: Imago Ed/ Teresina: FCMC,1995.

 

CHAVES, Monsenhor. Obra Completa. Teresina: FCMC, 2013.

 

DEMES, Joselina. Floriano: sua história, sua gente. Teresina: Halley, 2002. p.445-446.

 

FREITAS, Clodoaldo. Vultos Piauienses: apontamentos biográficos. Teresina: Academia Piauiense de Letras/EDUFIP, 2012.

 

LIMA, Reginaldo Gonçalves. Geração Campo Maior: anotações para uma enciclopédia. Campo Maior-PI, edição do autor, 1995.

 

QUEIROZ, Teresinha de Jesus Mesquita. Os literatos e a República: Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e as tiranias do tempo. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1994.   

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

SEBASTIÃO, SANTO MÁRTIR OU MITO?

Fonte: Google/Cruz Terra Santa

 

SEBASTIÃO, SANTO MÁRTIR OU MITO?


José Maria Vasconcelos

Professor e cronista


Sou cético a certas manifestações milagrosas de SANTOS ou divinização de mitos e lendas.

MAJOR CARLOS SALES, sacerdote, capelão da POLÍCIA MILITAR DO PIAUÍ. Vozeirão de rachar microfone, quando celebra missa no modesto templo da instituição militar: “O SENHOR esteja convosco,” Do altar, o celebrante acena com voz de comando: “ZÉ MARIA, escreve uma crônica sobre SÃO SEBASTIÃO!” Claro, MAJOR, sua ordem merece continência.

20 de janeiro, SÃO SEBASTIÃO, festa de arromba, feriado, foguetório no RIO DE JANEIRO, PARNAÍBA, URUÇUÍ, centenas de cidades, paróquias, vilas procissões, mundo afora, dedicadas ao jovem cravado de flechas, amarrado a um poste. Terreiros de UMBANDA capricham na homenagem, e homossexuais têm-no padroeiro.

No IMPÉRIO ROMANO, a religiosidade alicerçava-se na IDOLATRIA e superstições a deuses-padroeiros da chuva (JÚPITER), sexo (VÊNUS), força física (MARTE), bebedeiras (BACO), artes e poesia (MUSAS). Só o CRISTIANISMO pregava a fé no DEUS invisível. Certos cristãos, porém, não se libertavam da velha idolatria pagã. Apenas substituíam deuses PAGÃOS por heróis e mártires CRISTÃOS, em cujas devoções prevaleciam excessos de aclamação, superstições, que atravessam séculos. Papas, como SIXTO IV, tentaram eliminar centenas de santos do calendário litúrgico. PAPA JOÃO XXIII cassou dezenas de SANTOS permitindo apenas homenagens regionais. Em respeito ás tradições e à cultura popular, zelosos vigários estimulam a devoção, erguem santuários promovem novenários mitos, alguns produzidos pelas lendas e fetichismo, a exemplo de PADRE CÍCERO, SÃO CRISTÓVÃO, a lenda do homem que teria ajudado uma criança a atravessar o rio e descobriu que era MENINO JESUS. Nem JOÃO XXIII engoliu o xarope, retirando-o do calendário litúrgico. Fantástica lenda de SÃO JORGE, que enfrentara um dragão que engolia gente. SANTO ERASMO ou ELMO, bispo de FORNIA, ITÁLIA, outra lenda; perseguido, torturado e preso pelo imperador MAXIMIANO. Conta-se que foi libertado da cadeia pelo arcanjo MIGUEL. Novamente preso, cortaram-lhe os intestinos, virou protetor dos doentes de estômago e de parto. Outro mito, famoso na ITÁLIA, SÃO JANUÁRIO ou GENARO, cujo sangue do martírio se encontra solidificado em duas ampolas conservadas na catedral de NÁPOLES. Colocadas ao lado da cabeça do santo, o sangue borbulha, segundo autoridades eclesiásticas. Tentei assistir ao fenômeno, mas me informaram estar fora de época.

SÃO SEBASTIÃO, francês, residiu na ITÁLIA, soldado, depois capitão do exército romano. Pela fé em JESUS foi martirizado. Sabe-se a sua história através das atas do martírio, que foram escritas só dois séculos mais tarde. Em quase todas as atas de santos, os escribas tinham ordens do imperador DEOCLECIANO para colocar muitos detalhes do martírio e dar pouca ênfase ao martirizado, a fim de assustar futuros cristãos, visto que as atas eram colocadas na cidade onde ocorria o martírio.

SEBASTIÃO, cristão convicto, mesmo cumprindo tarefas militares, não tomava parte nos sacrifícios pagãos nem nos atos de idolatria. Sempre que podia, visitava os cristãos encarcerados e ajudava os mais fracos, doentes e necessitados. Soldado dos dois exércitos: o de CRISTO e o de ROMA. SEBASTIÃO foi amarrado a um poste, sofreu flechadas dos algozes e abandonado. IRENE, sua amiga, vendo-o agonizar, levou-o para casa e lhe tratou as feridas. Curado, regressou ao imperador e assumiu a condição de cristão. Foi executado, imediatamente. Transformou-se em padroeiro dos enfermos e homossexuais, por assumir, publicamente, sua condição cristã.

MÁRTIRES e BENFEITORES sociais despertam condão de simpatia popular, às vezes, sagrada e divinizada. MOTORISTA GREGÓRIO, em 1927, involuntariamente, acidentou e matou um filhinho de tenente, o qual, irritado, amarrou-o a uma árvore, às margens do POTI, sem comer nem beber, executando-o em seguida. A crença e superstição popular ainda lhe devotam orações e votos. Já, já, vem por aí canonização, santuário e feriado religioso,

 Teresina, 2O12

domingo, 24 de janeiro de 2021

Canindé Correia – Mestre e Amigo

Membros do Jornal Inovação, sob o cajueiro de Humberto de Campos, vendo-se, da esquerda para a direita, no 1º plano: Bartolomeu Martins, Vicente de Paula (Potência), Elmar Carvalho e Canindé Correia; 2º plano: Danilo Melo, Francisco (Neco) Carvalho, Diderot Mavignier, Franzé Ribeiro, Sólima Genuína, Bernardo Silva, Reginaldo Costa e Paulo Martins; 3º plano: Jonas Carvalho, Israel Correia, Porfírio Carvalho, Wilton Porto, Alcenor Candeira Filho e Flamarion Mesquita. Percebe-se, nesta fotografia, a felicidade dos retratados com esse reencontro, posto que vários moravam em outros estados e municípios. Hoje, a maioria já não reside em Parnaíba


DIÁRIO

[Canindé Correia – Mestre e Amigo]

Elmar Carvalho

24/01/2021

Um ano atrás, à tarde, recebi a notícia do falecimento de meu amigo, de mais de quatro décadas, Canindé Correia. Fizera amizade com ele na segunda metade da década de 1970. Imediatamente eu e a Fátima seguimos com destino a Parnaíba, para participarmos de seu velório, que aconteceu em funerária situada na Avenida Álvaro Mendes, no início da Avenida Capitão Claro.

Noite longa, interminável, como são todas as noites em que velamos as pessoas de nossa amizade e estima. Canindé Correia nasceu no dia 2 de agosto de 1943 e faleceu no dia 24 de janeiro de 2020, aos 76 anos de idade, portanto. Ambos os fatos, que são as datas-síntese da vida terrena de todos nós, se deram em Parnaíba.

Poucos dias depois, escrevi uma longa e sentida crônica em sua memória e homenagem. Pensava publicá-la em um opúsculo, e distribuí-la no dia da Missa de um mês de seu falecimento. Mas não pude fazê-lo, porque, então, as aglomerações já não eram permitidas. E ainda agora o distanciamento social continua.

O Reginaldo Costa está finalizando um livro em sua homenagem, sob o título de Tributo a Canindé Correia. Com crônicas e artigos memorialísticos, participam da coletânea os seguintes coautores: Alcenor Candeira Filho, Antônio de Pádua Santos, Elmar Carvalho, Inaldo Pereira de Souza, Israel Correia, Maria de Lourdes Oliveira Souza, Maria Eleusis Mendes Teles de Souza, Reginaldo Costa, Vicente de Paula e Wilton Porto.

O professor Antônio Gallas, que lhe fez caprichada revisão, disse as seguintes palavras sobre essa obra, em artigo publicado em seu blog:

“Todos que participaram do livro, em seus depoimentos foram unânimes em enaltecer a grandeza de um homem que mesmo pertencendo a uma família rica, ilustre, nunca carregou consigo o orgulho, a prepotência, mas sim a humildade,  a solidariedade e a preocupação com as injustiças sociais em nosso país.

Um livro muito bem escrito. Fazer  a leitura e a revisão de algumas falhas ortográficas, porventura existentes, para mim foi motivo de prazer, de alegria,  pois só assim fiquei conhecendo mais um pouco da personalidade do bom amigo, do bom pai de família, do amante do belo e das coisas certas, enfim, do cidadão chamado Canindé Correia.”

No dia 20 de março, quando a pandemia da covid-19 já estava a se alastrar pelo Brasil e pelo mundo, iniciava eu este Diário. Agora, ainda em pleno estado de pandemia, como uma homenagem ao bom amigo Francisco de Canindé Correia, trago para estas páginas diarísticas, como parte integrante delas, a minha aludida crônica:

 

CANINDÉ CORREIA – MESTRE E AMIGO

 

Amigo é coisa para se guardar / No lado esquerdo do peito

Milton Nascimento

Quero desejar, antes do fim, / Pra mim e os meus amigos, / Muito amor e tudo mais; / Que fiquem sempre jovens / E tenham as mãos limpas / E aprendam o delírio com coisas reais.

Belchior

Jovens tardes de domingo / Tantas alegrias / Velhos tempos / Belos dias

Roberto Carlos

Já não tenho epitáfios / para tantas lápides / em meu peito.

Elmar Carvalho

recordações de fantasmas / que já nos abandonaram / de amigos mortos / que nos acompanham / cada vez mais vivos

Elmar Carvalho

 

No começo de 1975 meu pai (Miguel Arcângelo de Deus Carvalho) passou a morar em Parnaíba, quando foi chefiar a agência local da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, e em junho do mesmo ano o restante da família passou a residir na bela Princesa do Igaraçu, que também poderia ser chamada de “rainha do litoral”. Em 15 de setembro fui assumir emprego nos Correios em Teresina, mas no começo de 1977 retornei a Parnaíba, inclusive para iniciar meu curso de Administração de Empresas, no Campus Ministro Reis Velloso da Universidade Federal do Piauí.

Foi ainda em 1977 ou no ano seguinte, quando passei a ser colaborador do jornal Inovação* (fundado por Reginaldo Costa e Franzé Ribeiro), que iniciei minha feliz e longa amizade, de mais de 40 anos, com Francisco de Canindé Correia (02/08/1943 – 24/01/2020, em Parnaíba), que anos mais tarde seria padrinho do meu filho João Miguel. Logo percebi que ele, além de sua inteligência e cultura, era um fazedor de amigos, por causa de sua simpatia e conversa agradável, e talvez e sobretudo por sua humildade e índole acolhedora.

De ilustre estirpe, disso não fazia alarde e nem tinha jactância; antes, tinha sempre uma postura discreta quanto a seus notáveis ancestrais, conquanto, sem dúvida, os admirasse. Constituiu uma bela família, que amava, zelava e da qual foi irrepreensível provedor e cuidador, tendo igualmente recebido, de sua esposa Tânia e de suas filhas, Ivana e Fátima, amor, cuidado, compreensão e carinho, que nunca lhe faltaram. Teve quatro netos, que amava de todo coração, e os levava a passeios; e sei que foi correspondido plenamente nesse seu amor de “avô coruja”. Dos parentes, do meu conhecimento, era mais próximo de seus irmãos Paulo de Moraes Correia (falecido), Maria Aparecida (falecida) e Teresa de Jesus, de seu tio e primo Dr. Lauro Correia e dos filhos deste, Israel e Gardênia.

Graças, em boa parte, a ele e a suas influências e amizades o Inovação, de forma altiva e independente, pôde circular por vários anos, em periodicidade mensal e ininterrupta. Foi a partir dessa época e de nossas reuniões para discutirmos a pauta e as dificuldades financeiras e outras do jornal que lhe pude melhor observar. Pude perceber a sua inteligência emocional, arguta e aguçada, o seu equilíbrio e bom senso, a sua alta capacidade argumentativa, focada na lógica, na logística e na razão, se é que não incorro em certa redundância.

Levou uma vida digna, embora modesta, pois nunca teve apego ao ter, aos metais. Teve oportunidade de ser professor da Universidade Federal do Piauí, na época em que não havia a exigência de concurso público, mas não o quis, seja por não ter vocação magisterial, seja por não desejar ingressar sem aprovação em certame. Contudo, sempre foi discreto quanto a isso, e nunca se gabou dessa sua conduta, e muito menos criticou quem quer que fosse. Também convidado a integrar a Academia Parnaibana de Letras, em seus momentos iniciais, recusou o honroso convite, sob a alegação de que não era autor de livro, como registrou o poeta Alcenor Candeira Filho, seu amigo e cunhado, em seu Depoimento sobre ele, publicado na internet, acrescentando que lhe era muito fácil publicar uma obra, bastando para isso coligir os “textos que escreveu em jornais” e os “pronunciamentos feitos como secretário de educação e superintendente do SESI”. Portanto, nunca buscou glórias, honrarias e ouropéis, mas tão somente ser um homem de bem e do bem.

Aliás, nunca praticou o autoelogio, vez que nunca foi narcisista e muito menos ególatra. Ao contrário, sempre cultivou o silêncio em relação a suas inúmeras e altas virtudes, já que a humildade era uma delas, como já disse. Algum afoito poderia me perguntar: “E defeitos, ele não os tinha?” Claro que os tinha, como todos os temos. Mas os dele eram poucos, diminutos, e para mim irrelevantes, tanto que deles não tratarei neste pequeno trabalho.

Era muito atualizado com o que se passava no mundo e em sua aldeia, vale dizer no seu entorno. Assistia, creio, aos principais jornais da televisão e não dispensava a leitura dos impressos. Era sobremaneira antenado com os assuntos da política. Tenho a impressão de que ele tinha uma recôndita vocação para a alta política, para uma política escoimada de vilezas e mesquinharia, que tivesse um pouco de pureza e altruísmo, em que o centro das atenções e do interesse não fosse jamais o seu umbigo. Melhor dizendo, uma política voltada para o coletivo, para o interesse público e social.

Tinha uma argúcia notável para destrinchar os meandros e as entranhas da política brasileira, piauiense e parnaibana. Parecia um profeta, a antever as jogadas das lideranças e principais protagonistas. Era como se ele estivesse diante de um tabuleiro de xadrez, e pudesse prever a movimentação das peças dos jogadores antagonistas. Se errava uma ou outra vez, é porque o cenário político é muito instável, sujeito a constantes e inúmeras mutações.

Entretanto, as explicações que ele dava, as hipóteses que imaginava e as previsões que fazia, eram concebidas através de um raciocínio límpido e lógico, em que ele delineava as possíveis causas e consequências. Contudo, se ele tivesse tido a vontade e as condições de ingressar na política (e não as teve, e acho que sequer as quis), teria sido um estadista, e não mero político de campanário, paroquial e rasteiro, movido por ambição, egoísmo e ganância.

Jamais ele desejaria o poder apenas pelo poder, mas apenas como um instrumento para servir, para prestar um bom e correto serviço público. Entendo que ele provou isso, quando foi o secretário de Educação, por quatro anos, no primeiro governo de José Hamilton Furtado Castelo Branco. Na época ele ainda gozava de boa saúde e muita disposição física, e pôde dedicar o melhor de seu esforço, capacidade administrativa e inteligência para ser, e foi, um excelente gestor, com o imprescindível apoio do prefeito.

Conseguiu construir várias e dignas unidades educacionais, com várias salas de aula, e reformou outras tantas, que não irei, aqui, enumerar. Principalmente, manteve o sistema educacional em ótima atividade, inclusive com o fornecimento de boa alimentação escolar. Honesto em sua vida particular e nos demais cargos que exerceu, a probidade foi sua marca pessoal, uma espécie de legenda que lhe marcou a administração paradigmática. 

 

II

 

Posso confessar que me tornei uma pessoa melhor através de minha amizade com Canindé Correia, ao longo de mais de quatro décadas, ao lhe seguir os conselhos e os exemplos. Quando lhe pedíamos a opinião a respeito de qualquer assunto, jamais ele adotava um tom professoral ou doutoral. De forma paciente e simples, e sempre em voz baixa e humilde, emitia os seus argumentos, demonstrando qual o melhor caminho a seguir, explicitando os porquês e as consequências da sua e de outras opções, que acaso fossem aventadas.

Isso acontecia tanto em relação a assuntos pessoais ou particulares, como no tocante ao jornal Inovação e a nossa vida profissional ou educacional. De modo que, aos poucos, sem nenhum desejo de sua parte, tornou-se uma espécie de mentor ou orientador de nosso grupo, mas, como já deixei implícito, sem imposição sua.

Por isso, sem misticismo e mitificações, eu o considerava nosso “guru”, não apenas por ser o mais velho e mais experiente, mas pelo seu alto grau de sensatez, equilíbrio e inteligência, mormente na época em que nos ardiam muito forte a impetuosidade e o destemor da juventude. A sua criatividade para resolução de problemas era notável, e sempre tinha um coringa, que aparecia na hora certa. O coringa poderia ser um plano b ou c, ou uma guinada na estratégia até então perseguida.

Amava o bom, o bem e o belo. Amava o bom porque apreciava as coisas boas, as coisas amáveis e desejáveis. Amava o bem porque era um homem bom, e nos induzia, através de seu exemplo e de sua palavra, a que o fôssemos também. E amava o belo porque amava a beleza da arte, da cultura e da paisagem, vista da janela, ou ao longe, na linha do horizonte.

Amava, creio, sobretudo a beleza que existia ou poderia existir no ser humano, a beleza das músicas que apreciava e a magia de uma boa literatura, fosse em prosa ou em versos. Nunca teve o silêncio e as restrições mesquinhas dos invejosos; pelo contrário, aplaudia com ênfase e entusiasmo, e dizia palavras de admiração e estímulo pelo dom e talento alheios; não às escondidas, mas às escâncaras, à luz do sol, em verdadeiro processo de difusão, para que outros tomassem conhecimento.

Com a criatividade, conhecimento e inteligência que tinha, poderia ter escrito notáveis livros, porque sabia redigir com fluência e desenvoltura, com objetividade e clareza. Talvez tenha aprendido a bem escrever através de aulas, mas acredito tenha sido através de longas horas de leituras, e do convívio com seu pai, o professor Benedito Jonas Correia, que tinha impecável redação, e ainda pelas atas burocráticas que redigia, registrando as reuniões da diretoria da FIEPI, que certamente lhe aumentaram essa habilidade. Quando fui pronunciar alguns de meus discursos, fossem de improviso ou por escrito, discuti com ele o que pretendia dizer, e ele me ajudou com muitas sugestões, informações e dados estatísticos, para reforço de meus argumentos.

Entre esses discursos, posso citar o de minha posse na presidência do Diretório Acadêmico “3 de Março” (Campus Ministro Reis Velloso – UFPI) e o que pronunciei, de improviso, no monumental comício com que Chagas Rodrigues retornou à vida pública, em plena Praça da Graça, após o término de sua cassação pelo regime militar, em que estavam presentes Ulisses Guimarães, Miguel Arraes, Almino Afonso e Franco Montoro, entre as mais conhecidas lideranças do MDB nacional. Alguns fizeram referências ao meu pronunciamento, e isso devo, em grande parte, aos dados fornecidos pelo Canindé.

Não fosse a sua humildade e discrição, sem necessidade de holofotes e ostentações, poderia ter elaborado excelentes livros historiográficos, de economia, ensaios sociológicos, memórias, artigos e crônicas. Contudo, preferiu ajudar outros a escrever e a publicar, e a aplaudir e louvar obras alheias. Talento, criatividade e capacidade intelectual para essas empreitadas não lhe faltavam. Era humilde, sim, entretanto tinha o seu amor próprio e a sua altivez e brio, e sabia se insurgir, de forma civilizada, mas firme, contra quem tivesse a ousadia de tentar lhe atingir moralmente ou o menoscabar.

 

III

 

Mestre, chamei-o de meu mestre, porque muito aprendi com ele em nossa longa amizade. Até em coisas simples, dele muitas lições recebi. Ainda no início de nossa fraternal convivência, aprendi como se devia degustar uma espumante cerveja e destroçar uma rodada de cordas de caranguejo. Tendo chegado a Parnaíba há pouco tempo, e não tendo a experiência de manejar um crustáceo, observei como ele o fazia.

Além da lição prática, ele, num dia de domingo, pela manhã, nos ensinou que, ao chegarem as cordas, cada pessoa deveria retirar um caranguejo, e, só após o seu completo “desmonte”, pegar um outro. Vi que a lição se destinava a combater o egoísmo daqueles que avidamente só escolhem a melhor parte, ou seja, a suculenta e carnuda patola. Tempos mais tarde presenciei uma pessoa passar uma decepção, porque de forma egoística e ávida retirava da bacia todas as grandes pinças, sem dar chance aos outros, até ser repreendido pelo patrocinador.

Tendo vindo morar em Parnaíba em 1975, como disse, não lhe poderia conhecer a adolescência e muito menos a meninice. Soube, no entanto, que foi hábil no futebol e no basquete. Quando tomou conhecimento, através de um de meus livros, de que eu havia sido um bom goleiro em minha adolescência, me indagou a respeito, e estampou um sorriso maroto, como se não estivesse acreditando muito nessa minha faceta, que ele desconhecia. Era um ardoroso torcedor do Fluminense do Rio de Janeiro, e a partir dos 50 e poucos anos de idade, sempre que possível, não lhe perdia uma partida, pela TV.

Quando o Terminal Rodoviário, que ficava em local na época considerado distante, passou a funcionar, muitas vezes ele me deu carona, quando eu tinha de retornar a Teresina, geralmente no domingo à tarde. Não esquecia o compromisso, e na hora marcada, lá estava ele à porta de meus pais. Essas e outras demonstrações de amizade fizeram com que a minha família, principalmente meu pai e minha mãe, também lhe tivessem amizade e consideração, que nunca sofreram arranhões, ressalvas ou senões.

Até um pouco antes da doença, de que veio a falecer, fiz com ele muitos passeios e viagens. Fomos a Viçosa do Ceará, na Ibiapaba, a Barra Grande, em visita a nosso amigo e “inovador” Jonas Carvalho, e a vários outros povoados. Com ele participei de muitas e sábias libações e degustações, “regadas”, muitas vezes, a uma boa música. Num barzinho, que ainda existe, quase debaixo da ponte, imediatamente antes do então povoado de Morros da Mariana, degustávamos saborosos caranguejos, que chegavam fresquinhos, ainda cobertos pelas belas e grandes folhagens do mangue; o igarapé, por onde os crustáceos chegavam, em pequenas canoas, passava em frente ao boteco, e aumentava a sedução e a beleza da paisagem.

Ele vibrava quando ouvia uma bela música, sobretudo ao vivo. Eram da sua predileção as inesquecíveis serestas da velha guarda, a melhor bossa da bossa nova, as seletas da velha jovem guarda, naquelas tardes de domingo e outras tardes imortais, inclusive as tardes mais azuis de um dia de sol esplêndido ou as enevoadas de um dia chuvoso,  e um rítmico e legítimo samba, do morro ou do asfalto, contanto que fosse bom e de raiz. Era figura quase onipresente no cenário musical parnaibano dos anos 70/80 o seresteiro Osmar Bezerra, com seu vozeirão vibrátil e o indefectível violão, que nos fazia vibrar as cordas todas do coração.

Nessa época (final dos anos 1970 até o final dos anos 1990) eu tinha decorado um bom repertório de poemas, sobretudo de Neruda, Da Costa e Silva, Bandeira e Camões, e ele apreciava quando eu os dizia, com a ênfase de minha juventude cheia de vitalidade e entusiasmo, inclusive uns dois ou três de minha lavra. Também gostava das declamações dramáticas (e às vezes um tanto espalhafatosas) do boêmio e performático Balula, com a sua bela voz tonitruante, que encenava, quase sempre, como aperitivo, destinado a provocar o suspense, uma espécie de proêmio.

Das inesquecíveis libações desse período participavam, com mais ou menos frequência: Vicente de Paula (Potência), Reginaldo Costa, B. Silva, Zé Hamilton e os poetas Alcenor e Airton Meneses, fora outras presenças mais esporádicas. Canindé se esmerava, então, em sua conversa. Sem dúvida era causeur, e sabia condimentar sua prática, com anedotas, piadas, exemplos e casos pitorescos ou engraçados que puxava do baú de sua memória, em que fora protagonista, coadjuvante ou simples observador. Era bem-humorado e gostava de pessoas bem-humoradas e inteligentes. Fora do grupo do Inovação, tinha amigos bem mais velhos, entre os quais cito o mais que centenário dentista João Batista Teles, com quem praticava, de vez quando, um jogo de baralho.

Canindé adorava um banho de mar. Foram incontáveis as vezes em que fui à praia, em sua companhia, quando ele levava sua esposa Tânia e suas filhas Ivana e Fátima, então pequenas. Mas igualmente apreciava um banho de água doce, fosse de rio, lago, piscina ou bica. Por essa razão, quando a Fátima herdou um pequeno pedaço de terra, na localidade Várzea do Simão, e decidimos construir o Sítio Filomena, em homenagem a minha sogra, na parte que vai da margem da estrada vicinal até a beira do Parnaíba, tratei logo de improvisar uma potente bica.

O amigo Zé Francisco Marques, de cujas interpretações musicais ao violão o mestre tanto gostava, tendo observado o quanto Canindé gostava de tomar banho, deu-lhe o carinhoso epíteto de Aquanindé, fazendo o trocadilho de aqua (água) com o seu segundo prenome. Assim, quando fiz a estrutura definitiva das duchas, dei-lhe o nome de Bicas Aquanindé, em homenagem ao saudoso amigo Francisco de Canindé Correia, que fiz registrar em placa metálica, que ele inaugurou. E nessas bicas ele banhou tantas vezes, em agradáveis e inesquecíveis dias de ensolarados domingos, em que tivemos o prazer de sua marcante presença.

Tendo sido seu amigo por anos e anos, não poderia ter deixado de me enriquecer espiritualmente com suas palavras e exemplos. A sua morte foi uma das perdas que mais senti. Quando lhe fecharam o caixão, na hora da saída do cortejo para o seu sepultamento no Cemitério da Igualdade, e vi que não mais o veria nesta atual dimensão, me comovi de verdade, e o pranteei em meu íntimo.

Por isso mesmo, neste sábado, na reunião ordinária da Academia Piauiense de Letras, ao propor voto de pesar por seu falecimento, aprovado por unanimidade, enumerei, em síntese, as suas principais virtudes, e disse que Canindé Correia não foi apenas uma pessoa importante, mas foi, sobretudo, um homem bom, com quem tive a honra e o privilégio de construir e aperfeiçoar uma amizade por mais de quarenta anos.

Agradeço a Deus a graça de tê-lo conhecido e de lhe ter merecido a amizade, a que procurei corresponder, embora com as minhas involuntárias falhas, e por ter usufruído de suas benfazejas, quão agradáveis companhia e conversa.

Teresina, 5 de fevereiro de 2020.

* Para maiores informações sobre o jornal Inovação e sobre a literatura parnaibana, consultar meu livro Aspectos da Literatura Parnaibana e meu Depoimento sobre esse jornal, publicado na internet. O primeiro, em edição revista e bastante aumentada, pode ser adquirido na Amazon.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Perdão, imortais!




Perdão, imortais!

Carlos Rubem 

Manoel Selestino da Cruz, falecido, nasceu no dia 15.07.1970. Era magro, cabeça pequena, zarolho de uma vista e tartamudo. Chamava as pessoas de Tia, pelo que ficou assim conhecido. 

Mentecapto muito querido. Nas casas em que frequentava, ao se deparar com relógios, óculos, roupas ou outro objeto dando bobeira, afanava o que tivesse ao seu alcance. 

Vendia, doava, se desfazia desses bens em qualquer lugar. Questionado onde havia adquirido tais objetos, facilmente confessava de forma enfática: — “robi”!

Passei o réveillon em Teresina. No dia 06 de janeiro último (2021), resolvi visitar Zózimo Tavares na sede da Academia Piauiense de Letras - APL, a qual preside, mas não o encontrei. Fui recepcionado pela simpática Cremísia, funcionária da Casa de Lucídio Freitas. 

Conversamos amenidades e sobre o plano editorial da APL. Como vi que a porta do auditório estava entreaberta, fui dar uma espiada. Sobre diversas poltronas repousavam pacotes de livros ultimamente publicados por aquela instituição cultural que não foram lançados no ano passado em face da pertinaz pandemia.

O primeiro exemplar que vi foi “Arte e Tormento”, do poeta Nogueira Tapety (1890 - 1918), 2ª edição, o que me deixou sumamente satisfeito. 

Numa busca rápida, localizei também a 2ª edição de “Malhadinha”, de autoria do médico e escritor José Expedito Rêgo (1928 - 2000). 

Surrupiei dois exemplares de cada citada obra, as quais me envolvi diretamente em trazê-las a lume. Consecução de sonhos!

De posse de “Arte e Tormento” fiz chegar um exemplar ao Gutemberg Rocha, que no dia seguinte aniversariava. Sensível, falou-me do seu contentamento ao receber o resultado do seu esforço editorial.

O outro, repassei, hoje (19.01.2021), para a tia Amália Campos, 97 anos, sobrinha do aludido vate, em sua biblioteca caseira, a qual ficou visivelmente alegre. 

Quis saber como obtive aquele livro. Fiz-lhe um relato como “robi” aquele exemplar. Não gostou!

Acrescentou que iria escrever uma carta ao Zózimo reprochando meu proceder ao tempo em que pretendia agradecer a iniciativa da APL. 

Procurei convencê-la a gravar um vídeo acerca do seu expresso propósito, o que aquiesceu. Imediatamente, quis compartilhar estas alvíssaras às suas irmãs Alice e Mirista, também nonagenárias e solteironas. — “A minha mãe [Bembém Campos] sabia de cor todos os poemas do Dr. Benedito [irmão dela], pontuou tia Amália.

Também nesta data entreguei ao Gustavo Rêgo, filho do autor de “Malhadinha”, um exemplar desta obra no futuro Memorial José Expedito Rêgo, que será instalado numa dependência da antiga casa onde dito escriba nasceu, situada no perímetro histórico da cidade.

Aqui, o ansiado lançamento de “Malhadinha” se dará com inauguração daquele espaço de memória, em breve. Haverá marcante sarau literário, na tradicional Rua do Fogo.    

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Professor Gallas, entre a verdade e a ficção

Dilma Pontes, José Luiz de Carvalho, Gallas e Alcenor Candeira Filho



DIÁRIO

[Professor Gallas, entre a verdade e a ficção]

Elmar Carvalho 

21/01/2021

Ontem à tarde o escritor e jornalista Zózimo Tavares, presidente da Academia Piauiense de Letras, autor de importantes obras que enriquecem a nossa literatura, me ligou para tratar de um assunto ligado à Academia Piauiense de Letras.

Depois, conversamos sobre outros assuntos afins, em cujo ensejo ele me falou de uma frase de efeito dita pelo escritor e jornalista Gabriel Garcia Márquez sobre a verdade no jornalismo e na ficção. Não pude deixar de lembrar da epígrafe do magnífico escritor português Eça de Queiroz, posta em seu romance A relíquia: "Sobre a nudez forte da verdade, o manto diáfano da fantasia".  

À noite, o também escritor e jornalista Antonio Gallas Pimentel me cobrou, por WhatsApp, um comentário, que me havia solicitado dias atrás, para seu livro Reminiscências (contos, causos, crônicas e poesias), que já se encontra na gráfica, em fase de formatação. Respondi-lhe que o faria hoje cedo, o que de fato fiz, e já lhe enviei. Após a conversa whatsappiana, comecei a ruminar algumas ideias para a resenha, que teria como mote a citação referida pelo Zózimo.

Como não sabia na íntegra a bela frase de Garcia Márquez, e não a consegui em pesquisa na internet, resolvi lhe fazer uma paráfrase, com que iniciei o meu sintético comentário sobre a contística do professor Gallas. Abaixo segue a resenha:

“Mais ou menos parafraseando o escritor e jornalista Gabriel Garcia Márquez, diria que um ficcionista, se tiver talento, poderá transformar um fato verdadeiro ou real em um bom conto ou romance, modificando-o, exagerando-o, enfeitando-o, enquanto um jornalista, se deturpar a verdade, poderá para sempre perder a sua reputação e credibilidade.

Antonio Gallas Pimentel é jornalista e contista. Como jornalista nunca falseou a verdade, relatando-a em sua inteireza; por isso, manteve sua reputação, a sua autoridade e credibilidade. Como escritor, tem contado estórias interessantes, atraentes, inusitadas, e muitas vezes jocosas, engraçadas, que nos fazem soltar boas gargalhadas.

O protagonista, em muitas delas, é o seu “seu sobrinho Prodamor”; mas acredito que, em várias, é o próprio autor travestido de Prodamor. Alguns desses relatos, em menor ocorrência, são contos dramáticos, e outros chegam a nos revelar verdadeiras tragédias, em que a miséria humana reponta em toda a sua crueza. Contudo, em sua maioria, essas narrativas são “causos”, que nos encantam em sua singeleza e peculiaridade, pelo seu humor singular e inesperado.

Seja como escritor ou como jornalista, o professor Gallas primou sempre por uma linguagem objetiva, concisa, escorreita, como, aliás, preconizam os melhores manuais de redação. Nunca gostou de frases quilométricas, cheias de atavios e de “cipós retorcidos e floreados”, como pretensos estilistas gostam e propalam.

Preferiu seguir a praxe do bom jornalismo, com o uso de frases curtas, diretas e claras. Em determinada época, quando a Rádio Educadora era a única emissora de comunicação no norte do Piauí, suas crônicas eram lidas pelas belas e vibrantes vozes de Gilvan Barbosa e Reginaldo Mendes, que marcaram época na radiodifusão parnaibana. Essa praxe, ainda mais aprimorada, ele levou para a sua ficção. E fez muito bem.”   

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Barras em memórias e recortes

Barras, antes da demolição da velha igreja   Fonte:Google/IBGE

Fonte: Google/Coalize


DIÁRIO

[Barras em memórias e recortes] 

Elmar Carvalho

19/01/2021

Mandei o link do registro deste Diário de ontem, titulado Barras de minha adolescência, a vários de meus contatos. Muitos amigos agradeceram o envio da crônica, e fizeram breves comentários. Entre  eles escolhi alguns, que traziam mais informações e reminiscências ou faziam uma espécie de análise literária, para engendrar este texto coletivo, que poderia chamar de colcha de belos e finos retalhos estampados e de boa tessitura em fios de ouro, produzidos por amigos e parentes.

Cedo da manhã, por WhatsApp, o Chico Acoram Araújo, escritor e cordelista, me mandou o seguinte comentário, que também publicou em meu blog:

“Li seu magistral texto com o título "Barras de minha adolescência". Li-o de forma efusiva, cheio de emoção, e de um só fôlego. De todos os textos que li sobre Barras do Marataoan, esse é o que me deixou mais emocionado sem desmerecer o que descreveram Leônidas Melo no seu livro "Trechos do meu caminho", Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro com o livro “Rua da Glória” e o do ilustre escritor Antenor Rego no "Barras Histórias e Saudades". Meus parabéns, Dr. Elmar. E muito obrigado por permitir que esse excelente texto faça parte integrante do meu livro "O menino, o rio e a cidade", ora em editoração.”

O romancista e historiador Anfrísio Neto Lobão Castello Branco, cujo livro Abelheiras – trezentos anos de história, recheado de informações históricas e memórias da crônica familiar, li recentemente com muito prazer, teceu as seguintes considerações:

“Conheço Barras de passagem e de poucas demoras. Visitas ao Hospital Leônidas Melo e à casa do amigo, colega médico Dr. José do Rêgo Lages – de  saudosa memória – seu diretor nos anos 80. Agora com essa crônica repleta de nostalgia, me acerquei melhor, de mais perto, com riqueza de detalhes, nuances, que só quem viveu pode contar. Personagens e logradouros. Barras do Marataoã, o rio e suas curvas, os banhos, e a Ilha dos Amores a invocar fantasias. Gostei muito. Parabéns.”

O professor Antônio Gallas Pimentel, jornalista, escritor e poeta, meu amigo desde que fui morar em Parnaíba em 1975, pelo mesmo sistema de comunicação, me enviou o comentário, que ele pretendia publicar em seu blog, antes de eu lhe avisar que o agasalharia neste Diário, através dos alinhavos e costuras, que venho “entretecendo”:

“Rememorar os momentos ímpares da infância, da juventude, passados com bons e verdadeiros amigos, pessoas especiais, é como fazer uma viagem de volta ao passado em busca das agradáveis lembranças de uma época boa e que nos deixou muita saudade.

            Assim fez o escritor e poeta Elmar Carvalho. Embarcou de volta à imponente e aprazível Barras, não no “horário” mas no tempo, e desembarcou na rodoviária de sua memória para reviver emoções vivenciadas na juventude, principalmente as dos banhos de rio na chamada “Ilha dos Amores”.

            Elmar Carvalho é um poeta nato! Assim sendo, mesmo na prosa, não deixa de exaltar a poesia, peculiar na sua veia poética, como por exemplo quando refere-se às meninas que iam ao banho de rio diz: “De dentro d’água, eu lhes via os olhos, risonhos, cintilantes, a refletirem a luminosidade das ondulações do Marataoã...” Ou quando referindo-se à própria cidade:  “Ó Barras de minha adolescência, de meus devaneios, divagações, de minhas ingênuas ilusões, de minha saudade e da saudade de meu pai, dos meus ancestrais, de tudo que já tive e que não tenho mais...”

            Em “Barras da Minha Adolescência” Elmar descreve pessoas, as belezas da cidade, o zelo que tinham com as árvores, a limpeza, enfim buscou na memória todos os fascínios que a cidade também conhecida por “a terra dos governadores” oferecia e ainda oferece a quem quer que a visite. Belo texto poeta! Parabéns.”

Meu filho João Miguel, residente no Amazonas, e minha irmã Joserita, no Rio de Janeiro, como bons filho e irmã corujas, me enviaram amáveis bilhetes eletrônicos. Publicarei apenas o da Joserita, por ser o menor: “Lindo texto, padrinho Elmar! Tu consegues levar a gente junto contigo nas tuas recordações... E tu  consegues fazer com que a gente consiga  visualizar todas as paisagens descritas por ti!”

Não bastassem todas as palavras amáveis ditas acima sobre a minha crônica, o bardo Wilton Porto, poeta de muitos méritos e largos recursos, radicado em Parnaíba há várias décadas, meu amigo desde o final da década de 1970, para consumar tudo de uma vez, resolveu desfechar o certeiro tiro de misericórdia bem no meio do  coração deste velho poeta:

“Que maravilha! Não bastam as lembranças, mas o fluir magnânimo do que deixou, para escapar de dedos tão elevados em enlevo poético. Do começo ao fim, o poetismo  se altiva, porque a mão que lapidou tal texto, é de um vate de recursos indomáveis – o que tem feito entre os maiores da nossa tão valorosa pátria de tesouros e intelectuais que se derramam em sapiência constante.”

Confesso que estranhei o silêncio do professor Dílson Lages Monteiro, que, através de sugestões, em diferentes momentos, e inclusive por ocasião de sua recente live sobre Barras, que tive a honra de assistir, em que foi lido o meu poema Barras das sete barras, foi o estopim para que eu escrevesse minha crônica memorialística. Estranhei porque quando, no domingo, lhe noticiei haver escrito a crônica, cujos temas sugerira, ele me disse estar ansioso para lê-la. Achei que ele deveria estar em sua fazenda barrense ou assoberbado de trabalho, em suas funções magisteriais; a segunda hipótese é que era a verdadeira, conforme ele me disse, ao enviar o seguinte texto, que muito me comoveu e enriqueceu minhas memórias da velha Barras, de muita história e tradições:

“Quanta alegria, prezado confrade e parente Elmar! Essa sua crônica é antológica; construída em várias instâncias enunciativas a provocar, por isso, sentimentos e efeitos de sentido diversificados no leitor. Nela, aliam-se saudosismo, euforia, ternura e a revisitação da juventude, um tipo de memória que sempre preciosa a todos, porque fase das descobertas inesperadas da vida; fase em que tudo é novo. 

A região de Luís de Sousa/Ameixas integrava, parte dela, famosa fazenda centenária (com muitos registros) dessa família comum de Barras que é Carvalho-Castello Branco, de cujo nome não me lembro no momento. Também era lugar de fazenda do irmão mais velho do marechal Firmino Pires Ferreira, cuja sede da fazenda não há registros. Talvez mais uma dessas fazendas de estrutura rústica.  Luiz de Sousa Fortes exercera política em União, em ala contrária à família Barboza Ferreira (Rego-Castello Branco do Peixe) de quem era parente próximo.

Essa região (parte da Puba; diga-se Barras se divide entre região da Puba e Zona da Mata, (sendo a rua São José o marco divisório) sempre encantou com seus veios d’água que deságuam tanto no Marataoã (via riacho Santo Antônio) quanto no Longá, que não ficava distante da propriedade de seu avô.

Salomão e Domingos Furtado, suponho com certa confiança, eram parentes de vosso pai  não somente pelos Furtado, mas também pelos Castello Branco, porém não consegui descrever toda a teia. Foram figuras de grande respeitabilidade em Barras pelo trabalho, inteligência, lisura e amabilidade.

Faço uma pequena digressão para relatar que ambos eram muito estimados  de meus pais, sendo senhor Salomão quem  acompanhou meu pai até meu avô materno quando decidiu pedir minha mãe em casamento num tempo em que ainda era comum filhas contraírem matrimônio com parentes, especialmente primos. Antevendo-se o possível casório, o velho já tinha levantado a história e sabia de cor e salteado a origem do moço. Era um forasteiro o pretendente – e as posses, além da paixão,  eram apenas a disposição para o trabalho e sua fazenda Canto da Onça, que deixara a encargos de terceiros no Médio Parnaíba – mas consentiu, sobretudo,  porque tinha a influência de Salomão de quem era muito amigo e vizinho da casa na cidade de Barras. Foi genro que lhe deu muito contentamento e a quem passou a destinar tratamento de um filho.

Esta sua crônica é um painel vivo dos costumes de um tempo. Ainda vivi o rio com essa simbologia tão bem decantada neste texto de grande expressão lírica, um rio bem diferente do de hoje, quando o Marataoã  é poluição e, principalmente, quase reduzido a ornamento da paisagem. Torço que algum agente público volte seus olhos para o valor do Marataoã na vida de Barras e promova políticas públicas que o revigorem  em todos os sentidos. Viva a memória viva!”

Todos esses comentários me emocionaram e desvaneceram, principalmente porque não os pedi e nem ao menos os insinuei, e serviram para aumentar e avivar as lembranças que tenho da velha e mítica Barras do Marataoã, que chamo de não apenas “terra dos governadores”, mas também de marechais, poetas e intelectuais.

Digo agora para todos os analistas e comentaristas, fazendo as devidas adaptações, o que havia dito para o médico e escritor Anfrísio: “Há certas coisas e fatos que só quem os viveu poderia contar. Contudo, em texto literário, sobretudo de ficção (o que não é o caso), sempre podemos fantasiar alguma coisa. Seus comentários foram um ovo só gema. E gema de ouro, cravejada de diamantes.”