30
de agosto Diário Incontínuo
UMA
VIAGEM AO AMAZONAS
Elmar Carvalho
Na
semana passada, fomos – eu e a Fátima – a Manaus, para
assistirmos à solenidade de conclusão do curso superior de formação
de Oficiais da Polícia Militar do Estado do Amazonas. Nosso filho
João Miguel passaria a integrar a briosa corporação, na qualidade
de aspirante; em três meses, passará ao posto de 2º Tenente.
Da
janela, percebi que o avião, durante algum tempo, seguia mais ou
menos a rota do Parnaíba. Vi as curvas do Velho Monge. Por vezes,
ele parecia retroceder em sua marcha em busca do mar. Era como se
sentisse saudade de suas nascentes, de seu lindo berço natal,
referto, ainda, de perenes olhos-d'água, incrustado nas encostas da
Chapada das Mangabeiras. Vi o quanto ele se encontra assoreado e
raso. Enxerguei os bancos de areia de seu leito e as coroas arenosas,
que são ilhas encantadas, e também sintomas de que o Parnaíba está
muito doente, necessitando com urgência de uma “UTI”, que o
poder público lhe nega, em seu descaso e desídia.
No
avião, logo notei uma novidade: a insípida e industrializada
alimentação de bordo agora era vendida, por um preço
consideravelmente elevado (conforme constatei no cardápio,
devidamente colocado na bolsa, à frente de cada poltrona), já que
não existia concorrência. Preferi fingir que dormia ou meditava,
enquanto as aeromoças e os “aeromoços” ou comissários de bordo
ofereciam as “iguarias” e passavam o troco, ou solicitavam
cédulas de menor valor. Para evitar quaisquer interpretações
malévolas, sequer pedi água, que era a única coisa gratuita.
Preferi lanchar em terra firme, no aeroporto, apesar de que os preços
ainda eram mais altos do que os lá de cima, os da aeronave em pleno
voo.
Quando
sobrevoávamos a capital amazonense, pude notar a imensidão de água
doce e tive uma pálida ideia do que vem a ser a floresta amazônica.
Pude ver palafitas e uma infinidade de embarcações, de diferentes
tamanhos e calados, ancoradas ou navegando. Não pude deixar de me
lembrar dos rios piauienses, quase todos temporários. Alguns ainda
ficam com poças d'água durante todo o ano; outros, ficam com o
leito exposto, completamente enxuto, mostrando os lajedos ou os
bancos de areia.
Mesmo
o valente e perene Parnaíba, comparado ao Negro ou ao amazônico
rio, parece pequeno. Um ironista impiedoso não hesitaria em chamá-lo
de igarapé, esquecido da importância que ele tem para o Piauí e
para o Maranhão. Recordei um poeta municipal, que, referindo-se ao
pequenino rio de sua aldeia, sentado em sua canoa de pescar, cantou
em versos hiperbólicos: “Ó imenso mar-oceano”. Evidentemente o
bardo jamais vira ou ouvira falar no oceânico Amazonas.
Tive
oportunidade de passear pelo centro histórico de Manaus. Vi velhos
casarões, sobrados e prédios antigos de vários andares. Não
poderia deixar de visitar o secular teatro manauara. Belo, luxuoso
como um palácio, ficou como um símbolo do fastígio econômico da
época do auge da borracha. Nele se apresentaram importantes
companhias e artistas, da ópera, da música erudita e do teatro.
Algumas placas assinalam eventos e fatos importantes, que lhe tiveram
como palco. Ali é ressaltado o nome do grande compositor Carlos Gomes,
imortalizado sobretudo por sua ópera O Guarani. Consta que, no
início, esse teatro teve um sistema de refrigeração, em que eram
utilizados blocos de gelo.
Ao
trafegar em várias avenidas da capital, contemplei nesgas esparsas
da floresta amazônica. Algumas eram bem densas, fechadas, com
grandes árvores frondosas. Tentei me imaginar perdido na floresta, à
noite, com medo, com frio e sem conforto, sem ao menos a companhia
longínqua das estrelas. Em alguns desses bosques, admirei a beleza
de belas e exuberantes palmeiras, de elegantes e lustrosas plantas
aquáticas, de grandes folhas, maiores do que leques e abanos.
Porém,
facilmente se constata que essas reservas florestais vão, aos
poucos, sendo devoradas pela construção civil, seja com a
edificação de prédios de apartamentos ou condomínios de casas, ou
mesmo empreendimentos comerciais. Cheguei até a ver, ao por-do-sol,
da varanda do apartamento em que me hospedei, um bando de periquitos
passar, fazendo festiva algazarra, em álacre revoada. Mas também
ouvi, tarde da noite, provindo de um bosque próximo, o canto soturno
de um bacurau ou de uma coruja. Lembrei-me do caburé do poeta Da
Costa e Silva, “ao luar, sobre o arvoredo, piando, piando”...
Ao
leitor ávido por relatos de episódios insólitos, exóticos, devo
dizer que não vi nenhum índio, muito menos armado de arco e flecha,
ou portando alguma pesada borduna. Igualmente não vi as lendárias e
valentes amazonas, mesmo com dois seios (e não apenas um), montadas
em seus árdegos corcéis. Observei, sim, grandes barcos, e mesmo
portentosos navios, de grande calado, ancorados no porto. Contudo,
pela exiguidade do tempo, não pude, como desejava, fazer um passeio
a bordo de um deles, navegando naquele oceano de água doce.
No
retorno, do meu posto de observação, quase colado à janela da
aeronave, no percurso entre Manaus e Brasília, vi a terra remexida,
retalhada em imensos projetos agrícolas. Visto do alto, aquele
manejo do solo transformava a terra numa imensa tela, pintada e
desenhada por caprichoso pintor cubista. Conforme o tipo de
plantação, a fase de crescimento da lavoura ou caso já tivesse
havido a colheita, os lotes se apresentavam em diferentes cores,
variando do verde-azulado ao marrom ou sépia. A forma das áreas
agrícolas também era diversa; desenhavam quadrados, retângulos,
polígonos e círculos perfeitos.
Conhecemos,
na capital amazonense, alguns dos colegas e amigos do cadete João
Miguel de Sousa Carvalho, entre os quais: Luz, seu companheiro de
apartamento, piauiense de Picos; Sidnei Meneses, oriundo do Exército
Brasileiro, do qual fora oficial temporário; Botelho, sorridente, sempre de bem
com a vida, paraense; Fernando, natural da Paraíba; Rocha, exemplo
de vida e de militar, experiente. Foi nomeado por mim e pela Fátima
conselheiro e orientador de JM. Nascido no interior do Estado do
Amazonas, já foi estudar um tanto tarde, mas esforçado e
inteligente, formou-se em Direito, e conseguiu tornar-se aspirante em
terceiro lugar, o que é um grande triunfo, que bem revela o seu
espírito de homem focado e determinado em seus objetivos. Rocha,
educado e prestativo, conseguiu-nos um ótimo lugar em um dos
palanques com cobertura, de onde mais bem observaríamos a solenidade
e os desfiles.
Quinta-feira,
dia 22, à noite, fomos assistir à solenidade de formatura dos novos
oficiais da Polícia Militar do Amazonas. Meu filho João Miguel
estava garboso em sua farda de gala branca, ainda na condição de
aluno-oficial. Juntamente com seus pares desfilou perante a
assistência e o palanque oficial, no qual se encontravam várias
autoridades, entre as quais o vice-governador, professor José Melo,
representando o governador, que se encontrava viajando, o
comandante-geral da Polícia Militar, coronel Almir Davi, o
secretário da Segurança Pública, e várias outras altas
autoridades.
Posteriormente,
os formandos vestiram o uniforme de gala de oficial aspirante, de cor
verde-escuro. O aspirante João Miguel, de boa estatura,
bem-apessoado, na ótica feminina, estava elegante, emocionado e
contente, com a presença de seus pais, de sua irmã Elmara Cristina,
e da Maria, uma velha amiga da família, que ajudou a cuidar dele, em
sua infância. Os jovens oficiais fizeram várias evoluções, em
vários sentidos, com os pelotões mudando de posições e lugares,
de forma sincronizada, sem erros e sem titubeios, em marcha
acelerada.
No
final da demonstração e da solenidade, entreguei ao João Miguel a
sua espada de oficial. Em meu íntimo, desejei que meu filho e seus
companheiros cumpram da melhor forma possível a missão que lhes
cabe. Como apoteose, uma esplêndida chuva de fogos de artifício, um
verdadeiro e fulgurante pálio, cobriu os jovens e esperançosos
aspirantes.